GAMA, Rinaldo. O guardador de signos: Caeiro em pessoa. São Paulo: Perspectiva: Instituto Moreira Salles, 1995. 135 p. (Debates)

            O guardador de signos, publicado pela editora Perspectiva em 1995, consiste, na verdade, na Dissertação de Mestrado (Comunicação e Semiótica) de Rinaldo Gama, apresentada à PUC-SP em 1992. Nesse estudo, o autor propõe analisar o heterônimo Alberto Caeiro, de Fernando Pessoa, de forma independente (ou a mais independente possível) em relação aos outros heterônimos e ao poeta ortônimo, atitude essa que vinha sendo tomada até então.

            O livro está organizado em quatro capítulos. No primeiro, Gama problematiza o fato de os críticos que o antecederam terem entendido e analisado a obra de Fernando Pessoa e seus heterônimos como um todo interdependente; o autor refrata essa visão, segundo a qual um heterônimo depende de outro para poder ser entendido e analisado, e propõe que cada um deles deve ser entendido como um “poeta” individual, com suas próprias características biográficas, psicológicas, linguísticas, estéticas e filosóficas. Isso posto, Gama elege o heterônimo Alberto Caeiro como objeto de seu estudo, por ele ser considerado, até mesmo por Pessoa, o mestre de todos os outros. Além disso, ainda no primeiro capítulo, o autor apresenta qual será sua abordagem sobre o conjunto de poemas O guardador de rebanhos, de Alberto Caeiro: enfatiza que sua crítica é textual e que discutirá o problema do real em Caeiro, bem como a modernidade de seus versos, passando pelas filosofias nas quais o heterônimo encontra-se imerso, quais sejam o paganismo, mais especificamente o sensacionismo, o estoicismo e o epicurismo, entre outras.

            No segundo capítulo, o autor tece explicações sobre as filosofias que emergem da obra de Caeiro, algumas já citadas acima, e fornece exemplos a partir dos próprios poemas. Além dessas correntes essencialmente filosóficas, Gama explana também a teoria semiótica de Charles Peirce, a qual confere ao signo três planos de experiência: a Primeiridade, a Secundidade e a Terceiridade. O autor precisa da teoria de Peirce para postular que a experiência sensacionista - que prescinde do jugo da razão e do universo de signos - somente poderia dar-se no plano da Primeiridade. Ainda nesse capítulo, o autor opõe cristimo e cristianismo, bem como comenta algumas influências de Kant, Hobbes e Nietzsche na obra de Alberto Caeiro.  Por fim, Gama traz à tona o seguinte impasse da obra caeiriana: Caeiro nega o signo linguístico, mas precisa dele para fazê-lo, o que torna sua poesia uma poesia que nega a si própria; desse impasse poético, surge um impasse exegético: “como analisar o resultado de uma poesia assim diluída em seu próprio poeta, levando-se em conta seu desprezo pela análise?” (GAMA, 1995, p. 74).

            No terceiro capítulo, por sua vez, Gama abre um parêntese para fazer uma revisão de literatura dos autores que, privilegiando o estudo dos heterônimos e do poeta ortônimo sob uma visão integradora, analisaram a poesia caeiriana, quer seja numa perspectiva genético-biográfica, quer seja numa perspectiva textual - esta também pretendida por ele. O autor justifica a construção desse capítulo, explicitando que, realizado o resgate proposto, ele demonstrará, mais à frente, as razões pelas quais acredita que a obra de Alberto Caeiro deve ser analisada com base em uma abordagem textual e individualizada, incumbência que outorga a si.

            Por fim, o autor, obviamente, conclui o seu trabalho, resgatando conceitos discutidos, sobretudo a questão da negação do signo caeiriana. Para Gama, toda a poesia de Caeiro está, na verdade, calcada no ato de negar a própria poesia, o que justifica o fato de seus poemas apresentarem um caráter mais prosaico – nega a tradição poética. De acordo com o autor, a poesia caeiriana é uma antilinguagem, uma antipoesia, e chega a negar a própria natureza humana; entretanto, para o autor, não estamos frente a uma obra que possa ser chamada suicida,

porque ela admite, em seu próprio seio, como vimos, que há que se distinguir entre a poesia propriamente dita e o mundo que ela aspira. Mundo este que o poeta diz viver, fora de sua poesia, naturalmente (GAMA, 1995, p. 117):

Ainda assim (ou seja: apesar de escrever) sou alguém.

Sou o Descobridor da Natureza.

Sou o Argonauta das sensações verdadeiras. (CAEIRO, apud GAMA, 1995, p. 117-118)

            Para finalizar, Gama esboça uma breve biografia de Alberto Caeiro com base em outros heterônimos (e ortônimo) que comentaram sobre ele, quais sejam, principalmente, Fernando Pessoa e Ricardo Reis.

            O guardador de signos é um livro consistente e interessa a acadêmicos do curso de Letras ou de Comunicação Social, assim como a todo interessado em entender a poesia caeiriana como uma obra de essência individual, independente dos outros heterônimos, diferentemente de como vinha sendo tratada até então.