... Manhã! Tudo ensolarado nascia o Sol e se punha. Nada de azar se verificava à diferença dos demais dias. Tinha acabado de chegar à região da Londa 2, um inquieto às epifanias superficiais, um sempre desejante das causas últimas dos seres, ou das coisas existenciais. Fez da dor do povo local sua, e dos medos seus, e, como justo, refletiu sobre os enésimos problemas que atormentavam a comunidade.

Costuma-se conceber que os filhos são bênção, claro, do Criador aos pais, e, naturalmente, os pais constituem os beneficiários directos do zelo da fecundidade divina. Esta perpetuidade do criar, que emana no divino e se insere na ordem humana. Fazendo que, seja o criar divino, o fundamento do criar humano. Há, por isso, uma crise no homem local, porque a ninguém se atribuiria a culpa pelo erro de um homem consciente de si e do seu próprio agir, deste modo, a Londa conhece, pelos jovens que, tornam a vida local deveras assustadora, uma ignorância supina, uma crise antropológica que se entende na medida em que, os jovens são movidos por crenças internas, de índole essencialmente particular, talvez com não muita comodidade na realidade por em nada ajudaria a crescer. 

Feitos seguidores de seus próprios instintos, a leitura que fazemos sobre as informações que nos chegam é a de que, quando agem já não são os mesmos. Feitos eles por fora, mas desconhecendo quem dentro deles se encontra. Este vazio, não é, de per se, indiferente, talvez se o fosse, o bairro não jorrava rios de lágrimas, ao contrário, o vazio construído nos jovens chama, canta, grita, e chora quando necessita da devida alimentação. Perdidos, e achando-se num labirinto onde as paredes são eles mesmos, os jovens, desconhecem se o que lhes ocorre é o que são ou o que lhes auxiliaria a alcançarem o que sempre desejaram ser. 

Ser ou o desejo de ser? O equilíbrio para a distinção do ideal ao real é dado aos desprovidos de não lucidez, providos de racionalidade, o que implica a noção de tomar consciência de si e do seu agir, acima de tudo, a noção do quão esta humanidade carece de humanidade, razão pela qual, ao homem, o humano por excelência, se exige mais humanidade.

Não está nem nos que, de quem ganharam a paternidade, muito menos, do local,  de onde ganharam identidade. Ninguém destina ninguém a alguma coisa. Os agires que não são por escolhas nossas têm outro nome. Nisto, justificação alguma ganharia casa, quando a tentativa fosse predicar aos pais e ao bairro a consequência dos agires de seus filhos, porque a incidência dos pais aos filhos por mais directa que seja, são os mesmos filhos que em última estância se tornam os que decidem o que julgam ser melhor para eles mesmos, dito de outro modo, existe em cada ser, o princípio natural de querer ser o protagonista de sua própria história, isto não somente para que depois tenha muito por contar as pessoas sobre suas trajetórias e sobre si mesmo, todavia, porque o seu próprio agir é, por essência ontológica, fruto de sua escolha enquanto resultado da acção livre do homem.

Daí que, é por escolha, que os jovens, agindo, naturalmente ou por outra substância química, que eles se deixam definir por aquilo que eles mesmos seguem fazendo. 

Seriam eles livres? 

À liberdade se diz toda acção guiada por meio de uma escolha pessoal, aliás, “age com liberdade quem tem poder de escolha”[1], mas quando apenas escolhemos que garantias temos de que o que escolhemos seja realmente lícito para nós, ou que certeza temos de que isto que escolhemos, de que julgamos ser bom, tal como nos parece, continuaria sendo bom para sempre? Afinal, por que escolhem os homens? Seria por gosto? Seria por admiração? Pela curiosidade? Ou pela dúvida? O que levaria uma pessoa escolher uma determinada coisa? Por exemplo, o que levaria um jovem, por muitas escolhas que podesse fazer, escolher o roubar? À esteira da última questão, surge outra variante, seria livre quem tivesse por escolha o que periga a vida estável de outro vivente?

— A liberdade é um termo positivo. Uma expressão que é, que está para ser e que deve ser positiva. Quando alguém diz escolher algo que lhe faça mal, esta pessoa não percebeu o que é liberdade. A escolha de que se quer para a formação do conteúdo de liberdade se sentenceia na convicção de que, ninguém ousaria optar por algo que não somente perigasse a si, como também, a outrem. Não se deve entender que quem atenta contra a própria vida seja livre, pois, isto é deficiência cognitiva, quem livremente age, age em conformidade com a sua própria consciência, e esta consciência o interpela sempre para que aja ou faça o bem. Para maior clarificação, o princípio moral segundo o qual, “o bem deve ser sempre feito e o mal sempre evitado” [2], encerra em sua composição máxima o escopo da consciência moral.

— E como digo que, quem escolhe matar, roubar, aleijar, ou fazer qualquer mal a uma pessoa não percebeu o que é ser livre. Parto da convicção de que, ninguém nesta vida tem autoridade de tirar a vida de alguém. Até mesmo nós, que estamos com a tal vida, não estamos autorizados a nos suicidarmos quando a situação da vida fica dura para nós. A vida é um dom alheio, a vida tem dono, a vida foi-se-na emprestada. E o mínimo de bom que podemos fazer para alegrar quem no-la deu deve ser protegendo-a, o máximo que podermos. 

— E como se só nós mesmo, já nos não podemos suicidar, muito menos atrair para nós situações que desafiem ou periguem a nossa estabilidade, quanto mais os outros? Há uma concepção que os humanos devem sempre respeitar, não importa como a pessoa seja, quantas vezes tenha caído, quantas vezes os vossos filhos ou filhas vos aqueçam a cabeça seja por aquilo que eles fazem dentro ou fora de vossas casas, o “ser humano deve ser defendido até à última miséria”. 

— E por que devassemos defendê-los? Exactamente porque precisam de ajuda. O propósito da existência humana se circunscreve no bem. Isto é, em tudo o que por fim, garante o bem para as pessoas, que garanta mais humanidade, mais saúde, e que torne a existência digna de ser experimentada, e que a vida seja digna de ser vivida. 

 

Escrito no Sumbe( Angola), no dia 29 de Dezembro de 2022.

José ARÃO.

 

[1] Existiu, na História da Humanidade, um filósofo, francês, do período moderno, chamado René Descartes, para quem, a liberdade tem a fundamentação na escolha, porque só agiria livremente aquele que tivesse capacidade para fazer escolha.

[2] Bonum est facendum et malum evitandum.