UM DINOSSAURO ENTRE NÓS: a objetividade do TAO em Clive Staples LEWIS nos pressupostos jurássicos de A ABOLIÇÃO DO HOMEM

CONSIDERAÇÕES INICIAIS

Escrever um trabalho para um curso de pós-graduação em tempos nos quais tudo que seja considerado conservador é, quase que unanimemente, visto como anti-intelectual e inimigo da humanidade, é uma opção nada politicamente correta e sempre sujeira a rejeições e acusações as mais diversas. Sobretudo, quando o tema de análise é justamente sobre as assertivas ultraconservadoras - o TAO - de um autor irlandês contra as inovações e vanguardas de seu tempo – a primeira metade do século XX. Mesmo assim é o desafio que assumimos, sabendo que ideias como as de C.S. Lewis, para quem um padrão moral vindo do TAO é uma regra válida desde sempre, na atualidade estão longe de serem bem recebidas, e vistas, sem exagero, como vindas de extraterrestres. E quando alguém na atualidade aventura-se pelo TAO, geralmente não o faz com as convicções políticas de Lewis, mas por uma opção religiosa, mística, holística, o que se chama, por assim dizer, esoterismo.

O próprio Lewis (2014, p. 46) dá o tom das regras ético-morais que defende ao reivindicar o TAO como fundamento para todo e qual ação que esteja em via de se apresentar como inovadora e vanguardista: “Fora do TAO, não há possibilidade de crítica nem ao próprio TAO nem a mais nada”. Essa passagem enigmática e dogmática é significativa à medida, quase como Nietzsche, põe-se a filosofar com o martelo. Pensadores assim, recebem frequentemente, a indigna alcunha de anacrônicos, retrógrados e ainda vários outros termos inglórios e desabonadores, para dizer o mínimo. O que então justifica, fundamenta e motiva analisar um autor que não é só considerado conservador, mas é praticamente um ser do período cretáceo da era mesozoica? Que validade acadêmica e que contribuição ao saber atual tal investida representa? Existem várias e distintas maneiras de ver o problema, mas não há e nunca haverá certamente, uma resposta cabal e definitiva a tal interrogação. De outro lado, a resposta poderia ser uma outra pergunta: o que justifica que ideias, pressupostos, assertivas e literaturas que não estejam na ordem do dia, não mereçam ser lidas e estudadas?

Lewis e o Dualismo Ideológico atual: perigos e possibilidades

Ninguém tem ideias neutras e destituídas de sentido. Pensar, ler e ensinar estará sempre alicerçado em alguma inclinação ideológica, o que é naturalmente inevitável. Porém, poucas vezes viveu-se tempos polarizados entre dualismos ideológicos nada fáceis de explicar como nos tempos que correm, ao qual cada um dos lados se aferra como se ali estivesse a tábua de salvação. Dependendo de onde se está, sobretudo no campo das ideias políticas, a intolerância e a ofensa desmedida são sempre as regras unânimes de ambos os lados. Exceções? Há, mas poucas.

Como chegamos até esse ponto? Quem dividiu o mundo entre os entre bons, os salvadores da humanidade, cujas ideias expressam a liberdade e a democracia, e os maus, cujas ideias jurássicas e indignas devem ser varridas da face da Terra por perpetuar ditaduras e valores anticivilizatórios, que já deveriam estar extintos há séculos? De onde vem essa arrogância que Thomas Sowell denomina “a visão dos ungidos” (XAVIER, coord., 2019A, p. 180)? Essa é uma questão muito séria, contra a qual o texto de Lewis e suas ideias em geral são uma afronta perigosa, um contraponto que nunca deveria ter existido, conforme os inovadores e progressistas, pela total inutilidade e ranço do passado que evoca. Mas será? Mesmo que os adversários estejam sempre à espreita e com o dedo em riste para tripudiar, é preciso ter coragem e contrapor.

Nenhuma ideia ou ideologia pode ser tão hermeticamente fechada e perfeita a ponto de não poder receber objeções e críticas. Ora, tal procedimento, é uma contradição dos vanguardistas. No afã de demonstrar a superioridade moral, política e científica das ideologias que propõem, apegam-se a elas tão dogmaticamente que elas passam a ter a função que a teologia medieval tinha para o crente. É ou não uma contradição? Não está em estudo algum, e uma análise aprofundada certamente mostraria que a ninguém constaria, que só determinados tipos de ideias previamente definidas como mais bem apropriadas para o mundo atual, devam receber análises e considerações. E nessa empreitada, não estamos tão sozinhos.2

Verifica-se que o número de críticas às ideias literárias, filosóficas e políticas consideradas conservadoras, recebem em muito maior número, alcunhas, impropérios e desprezo. E esses títulos desabonadores são atribuídos a monstros sagrados da produção intelectual mundial, tais como, por exemplo, Thomas Sowell, Friedrich Hayek, R. Aron, Ayn Rand, Mario F. dos Santos, para ficar em poucos exemplos. Junto com Lewis, são também considerados “fósseis vivos” por aqueles e aquelas que respiram o ar vanguardista, definido por eles mesmo, como a baliza mestra desde onde se pode julgar todo o resto e condenar ao ostracismo quem ousa divergir.

Quase que sem exceção, no Brasil em particular, com os e as intelectuais mais alinhadas às questões e desdobramentos advindos do marxismo, isso não ocorre. Veja-se, por exemplo, a aceitação de Maurice M. Ponty, J-P Sartre, Perry Anderson, Eric Hobsbawn, Jacques Derrida. O que explica uma tão ampla aceitação das teses de Ponty, de Sartre se todas elas remetem a Edmund Husserl? Esse último, por aqui, seja por ignorância e ideologia rasteira, seja por ativismo ideológico praticados nos centros de ensino de todos os níveis e demais instituições não passa de uma afronta mencionar o seu nome. Exceções


2 Percebam que já de início, quando analisa-se uma obra que não está dentro do protocolo oficial das ideias correntes atuais que, por marketing, moda, ignorância, determinada ideologia – o tal politicamente correto -, são consideradas melhores, vanguardistas, deparamo-nos com um problema central: como justificar análise de um autor ou autora que esteja fora dessa de rol meritocrático? Mas ai de quem ousar dizer que isso é meritocracia! As publicações a favor e contra existem em variados números e com variados enfoques e níveis também. As a favor, visivelmente ganham de goleada, pelo menos, em quantidade. Como exemplo, temos Marilena de Souza Chauí, Leonardo Boff, Jessé de Souza, Márcia Turibi, Terry Eagleton até Djamila Ribeiro, - ativista do movimento feminista e eleita para a Academia Paulista de Letras recentemente -, o tom é sempre o mesmo: bom e correto é tudo que está em torno daquilo que o Establishment cultural avalia como intelectualmente mais coerente e mais bem fundamentado. E quem não se encontra nesse rol é, via de regra, alcunhado de conservador, portanto, alguém com ideias e ideologias inferiores, intelectualmente pouco relevantes, anacrônicas, ultrapassadas e abjetas. Nesse segundo caso, por exemplo, inserem-se pensadores como Gilberto Freyre, Ayn Rand, Olavo de Carvalho, José Guilherme Melquior, Mario Ferreira dos Santos, Luiz Felipe Pondé, Thomas Sowell, Roger Scruton, Ives Granda Martins e Friedrich Hayek, Dennys Garcia Xavier, todos considerados defensores de pensamentos e teses “fossilizadas” pelo Establishment atual. Pelo menos, aqui no Brasil. Mas será mesmo que essas diferenças são aquilo que a mídia diuturnamente não se cansa de nos enfiar goela abaixo? São essas correntes tão vanguarda assim ou apenas má filosofia? Ou nada disso, mas apenas escolhas e opções de quem conquistou o poder de manipular as instituições com a novilíngua que inventaram? Faremos uma exceção a Terry Eagleton. Embora ele seja inserido no rol dos pensadores progressistas e esquerdistas, o que de faro foi por muito tempo, seu pensamento é também em muitos casos divergente em relação ao Establishment institucionalizado. Há muitas ideias que estão fora do jargão corriqueiro (Establishment), a nosso ver, muito melhor analisadas que os ditos politicamente corretos. Nesse caso, encontram-se as ideias de Thomas Sowell, analisadas por vários artigos que citaremos como XAVIER, Dennys Garcia (org.). Thomas Sowell e aniquilação das falácias ideológicas: breves lições. São Paulo: LVM Editora, 2019a. Em particular os artigos de Fernanda Aquino Sylvestre, Sowell e uma leitura sobre as visões de sociedade e a realidade paralela na mídia e no mundo científico, Capítulo 5 - pp.149-165; Francisco Rocha, A segurança como virtude e a insegurança criada pelos virtuosos, Capítulo 6, p.167-178 e Anamaria Camargo, As falácias da superioridade moral ante a tragédia ficam para os centros de filosofia stricto sensu, onde o autor tem relativa recepção, mas bem menos que seus estudantes e discípulos, como M. Ponty e J-P Sartre.

Voltando a Lewis, lê-lo e estudá-lo em nosso modesto entendimento, se justificativa uma vez que as ideias de um grande autor são, por assim dizer, atemporais. E ainda que não sejam, de vem o direito de estudar, analisar e dar crédito somente às ideias e prerrogativas de determinado padrão de conhecimento? O texto A Abolição do Homem, escrito em 1943 (LEWIS, 2014), forma o eixo de análise de nossa investida. Porém, para abordar a envergadura das premissas de Lewis, consultamos várias referências com o propósito de aclarar e minuciar certos aspectos que nosso autor deixa entreabertas. Fez-se necessário construir um enredo hipotético e filosófico para escrutinar os meandros e pressupostos que Lewis nem sempre expõe de modo enfático. Não por último, registra-se que as obras de Lewis traduzidas para o português brasileiro que encontramos em nada tem semelhança com o texto de 1943. O que permite, salvo exceções raríssimas, designar a “A Abolição do Homem”, como um ponto fora da curva da genial e profícua literatura de Lewis.

De modo sucinto, verifica-se que o texto é breve, enxuto, mas nem por isso deixa de ser aquilatado. Está constituído por ricas objeções que chamaremos de modo geral de “inacabadas” ou “semi-ditas”. O que isso significa? Por acaso, o autor não esclarece os termos dos quais se utiliza em sua crítica? Podemos dizer Sim e Não. Sim porque as respostas estão lá, mas não diretamente indicadas. Não porque Lewis, certamente, nunca quis oferecer uma resposta técnica, e sim que seus leitores entendessem o espírito do TAO, cuja interpretação pode ter muitas conotações sem destruir os valores sobre os quais se assenta.

Grosso modo, C. S. Lewis põe-se a criticar uma tendência didática inovadora de seu tempo, contra a qual levanta suas contraposições. Aqui já está o problema central do texto: Lewis nunca diz abertamente contra o que exatamente está se opondo. Percebe-se, porém, que ele está em pugna contra determinados valores que considera inadequados e perigosos que se encontram nos textos dos “inovadores”.3 Todavia, o texto enxuto que escreveu não permitiu que ele se delongasse em pormenores, o que leva a quem lê seu texto ter de imaginar quais seriam os perigos que se avizinhavam, e que se colocavam contra a ordem natural das coisas, traduzida genericamente como TAO.

Lewis, mesmo tendo sido ateu até os 30 anos de idade, teve uma guinada à fé cristã e foi também, de um modo muito peculiar, exegeta de textos bíblicos, ou seja, um teólogo amador. Seu pendor à erudição o fez culto e exigente, porém conservador para os padrões correntes, de modo que alguns analistas o consideram um “dinossauro do século XX” (SANT’ANNA, 2022).4 Lewis, portanto, foi considerado, para usar um termo prosaico, conservador.

Erudição e Conservadorismo: contraponto ao vanguardismo reinante, antigo e atual

Mas o que seria conservadorismo? Nos dias atuais aqui entre nós brasileiros, infelizmente, o termo conservadorismo ou conservador tornou-se algo abjeto, digno de ser empurrado para as raias daquilo que há de pior no mundo, aquilo que deve ser combatido e derrotado a todo custo. Acreditamos que em várias partes do mundo, especialmente na Europa e nos Estados Unidos, isso também se verifica, e, às vezes, com ímpetos ainda mais exacerbados que os que vemos aqui.5 Em termos conceituais, de um ponto de vista acadêmico e com um nível de civilidade razoável, conservadorismo, sob o crivo de cientistas políticos, sociológicos e filosóficos, pode ter muitas faces.6 Tomaremos emprestado de outro britânico, um filósofo da estética, as caracterizações gerais do seja ser conservador, pois acreditamos que o sentido destas perspectivas do filósofo pode também ser aplicado a Lewis. Vai assim:

O conservadorismo advém de um sentimento que toda pessoa madura compartilha com facilidade: a consciência de que as coisas admiráveis são facilmente destruídas, mas não são facilmente criadas. Isso é verdade, sobretudo, em relação às boas coisas que nos chegam como bens coletivos: paz, liberdade, lei, civilidade, espírito público, a segurança da propriedade e da vida familiar, tudo o que depende da cooperação com os demais, visto não termos meios de obtê-las isoladamente. Em relação as tais coisas, o trabalho de destruição é rápido, fácil e recreativo; o labor da criação é lento, árduo e maçante. Esta é uma das lições do século XX (SCRUTON, 2017, p. 09).

Se esta é uma das lições do século XX, como afirma o autor acima citado, Lewis, já bem antes, havia percebido o quão destrutivo e maléfico podem ser a inovações e invenções, somadas às ideologias consideradas vanguardistas. Tanto para Lewis como para Roger Scruton – mais influente filósofo conservador britânico das últimas quatro décadas – considerar algo “inovador” ou “vanguarda” não define por si só o grau de bem dessas intenções, e nem de longe mostra ser melhor que os valores antigos, aos quais se opõem.

A erudição enciclopédica do autor que investigamos levou-o, no mais das vezes, a considerar seus leitores e críticos no mesmo nível de si próprio, razão pela qual o texto de 1943 é sucinto demais em face da envergadura do tema que aborda (LEWIS, 2019)7. Por outro lado, é notório que Lewis não menosprezava a inteligência e a astúcia de seus leitores. Decorre daí acreditarmos que esse seja o motivo que o levou a escrever A Abolição do Homem de maneira sucinta, mas carregada de análises críticas, lógicas e pedagógicas, meandros nem sempre tão facilmente identificáveis.

Em vários momentos da obra percebe-se a contenda de Lewis para denotar a diferença entre uma educação libertadora e natural e uma artificialmente construída sobre argumentos que os autores criticados não conseguem sustentar. Pois, como se verá, essa é a acusação que Lewis imputa aos que está a criticar. “O Inovador” é um termo que nosso autor utiliza com frequência para referir-se a Gaius e Titius, nomes fictícios que Lewis utiliza para reportar-se aos autores que critica (LEWIS, 2014) 8. E de modo também fictício ele denomina Livro Verde o texto de Gaius e Titius. O objetivo de Lewis é impugnar os valores educacionais e morais difundidos no Livro Verde, ainda que não mencione de modo direto quais seriam esses valores. Pelo menos não de início. De modo geral, todos os comentadores e comentadores que verificamos, concordam que a pequena, mas densa, obra é uma crítica à subjetividade que pairava na sociedade europeia do período da Segunda Grande Guerra e das consequências que daí poderiam vir. Da segunda metade do século XX em diante, impôs se uma tendência filosófica, científica e jurídica mais inclinada às ideologias socialistas, comunistas, ou que levem em consideração o bem-social que as riquezas produzidas deveriam proporcionar. É claro que isso é um discurso de poder político igual ou pior que àquele a quem pretende se opor, mas enraizou-se de tal modo que virou aquilo que hoje chamamos Establishment – uma certa ordem que tem como presunção a “Evolução e a Justiça” (HAYEK, 2019, p. 145). As duas Grandes Guerras do período somadas à Grande Depressão de 1929 ajudaram a formar uma ideia negativa sobre o individualismo e sobre o sistema capitalista, ou seja, sobre os valores que normalmente são considerados valores liberais europeus. E não temos como negar que ideologicamente autores de correntes políticas consideradas vanguardistas foram muito mais estudados e aceitos que conservadores como Hayek (2019; 2022), Sowell (2019) e Scruton (2017). No caso brasileiro, basta ver o quanto as prerrogativas de Jessé de Souza, Leandro Karnal, Marilena Chauí, Pierre Bourdieu, Michel Foucault, Habermas, e todos os integrantes do Instituto de Pesquisas Sociais de Frankfurt como Adorno, Horkheimer, Marcuse e outros pensadores mais alinhados ao Establishment político de esquerda – que nos Estados Unidos é considerado liberal 9 – são aceitas e propagadas entre artistas, intelectuais, professores, conferencistas e estudantes universitários. Não estamos julgando o mérito das obras deles, mas o que leva um sociólogo francês como Pierre Bourdieu ser tão relevante no meio universitário brasileiro e americano ao passo que um sociólogo com Raimond Aron, também francês e contemporâneo de Bourdieu, ser tão esquecido? E se fomos um país ditatorial, conservador e liberal no sentido europeu, o que explica que nossos intelectuais estiveram e estão sempre mais inclinados aos pensadores e pensadoras de esquerda nos últimos 60 anos, pelo menos? Desnecessário dizer que discursos ideológicos promovem inclusões e exclusões a partir de uma certa régua metafísica que mede o grau de vanguarda e de conservadorismo dos autores. No tempo em que Lewis escrevia A abolição do Homem, as ideias vanguardistas também criavam seleções de valores válidos e não-válidos, ou aceitos e não-aceitos. Mas é precisamente sobre esse vanguardismo que Lewis aponta o dedo a fim de mostrar que as respectivas premissas de tais defensores são infundadas e falsas.

1.2 Taoísmo e Literatura

Pode parecer extravagante, enigmático, estranho que um autor irlandês, nascido em ambiente fortemente marcado pela tradição cristã anglicana e pela cultura ocidental em 1898, recorra ao TAO, uma tradição milenar proveniente da sabedoria oriental.10 Sobretudo quando se verifica que A Abolição do Homem foi publicada em 1943 (LEWIS, 2014) e um ano antes, isto é, 1942 veio a público seu texto Cristianismo Puro e Simples, versão traduzida para o português (LEWIS, 2009). Em 1949, surgiu O Peso da Glória, versão traduzida para o português (LEWIS, 2017). Soma-se ainda ao mesmo tipo de literatura a coleção de Textos e Pregações, que se iniciam em 1941 e se encerram em 1963, ano da morte do autor. Essa coleção saiu primeiramente nos Estados Unidos em 1970 com o título God in the Dock: Essays on Theology and Ethics, e aqui no Brasil recebeu o nome Deus no Banco dos Réus (LEWIS, 2018). Em 1961 foi publicado um texto também importante denominado An Experiment in Criticism – traduzido para o português como Um experimento em crítica Literária (LEWIS, 2019).

TAO, um conceito sobre a natureza oriundo da sabedoria oriental, remete aqueles ensinamentos que foram apresentados e sintetizadas por mestres profícuos como Buda e Confúcio. “O taoísmo se interessa pela sabedoria intuitiva e não pelo conhecimento racional, diz Capra (2019a, p. 124)”11 É verdade que o TAO também já se encontrasse presente na filosofia grega antiga dos pré-socráticos, para quem tudo muda o tempo todo, estando os opostos sempre juntos. “É o caso de Heráclito que percebe que tudo flui”, comenta Capra (2019a, p. 127).12

Excetuando-se a filosofia de Nietzsche, a intuição taoísta não foi o tema central da filosofia ocidental contemporânea. E mesmo quando a intuição entra no cenário filosófico e literário, como ocorre em aspectos dos textos de Maurice Merleau-Ponty e Bergson, por exemplo, ela nunca é examinada pela perspectiva simples e objetiva do TAO oriental.

Mas o que leva C. S. Lewis ao TAO? Essa resposta não é assim tão fácil porque ele próprio nunca o disse abertamente. Sempre, porém, deixou as portas e janelas abertas para que seus leitores pudessem deduzir ou pressupor. Lewis foi ateu até o fim da adolescência, e se orgulhava disso. Mas mudou e tornou-se um apologeta da fé cristã. Em sua bibliografia, além de escritor, ensaísta, professor universitário é, em muitas das vezes, dito que foi teólogo.

Para alguém que já leu outros textos de Lewis, A Abolição Do Homem traz uma abordagem mais técnica, o que torna sintomático e diferente a abordagem deste em relação a outros textos do autor. O texto de 1943 apresenta um Lewis mais catedrático, mais analítico, mais preocupado em defender uma posição epistemológica conceitual que propriamente fazer literatura ficcional, o que ele sempre fez e da melhor qualidade. Ou, assim suspeitamos, para querer manter a boa literatura, é que ele elabora essa pequena crítica, com a qual pretende apontar os erros da educação de seu tempo, que havia descambado para o relativismo. Já tendo lido o livro em anos passados, chama-nos especial atenção o fato de este pequeno livro ser um dos mais comentados e enigmáticos de todos os que escreveu, na opinião se um sem-número de comentadores e escritores.

Várias vezes deparamo-nos com referências seja em textos virtuais ou mesmo físicos na, dizendo ser este o seu melhor texto. Mas por quê? Essa é a questão. Lewis não está apenas escrevendo mais uma obra literária, recheada de imaginações miraculosas e extravagantes, como em Crônicas de Nárnia, por exemplo. Aqui, ele está propondo uma análise de como certas pedagogias europeias de seu tempo deturparam aquilo que é natural e objetivo, no entendimento dele.

Continua...