Resenha do conto “Ana Davenga”, de Conceição Evaristo
Publicado em 13 de abril de 2022 por Nadson Cardoso de Jesus
“Ana Davenga”, de Conceição Evaristo
Nadson Cardoso de Jesus
“Ana Davenga”, conto de Conceição Evaristo, pode ser separado em dois tempos. A partir dessa divisão, é possível conceber o primeiro momento como o momento presente, ele é o dia do aniversário de Ana. Nesse dia, Davenga faz uma festa surpresa para Ana. Entretanto, ele é o último a chegar na comemoração e Ana, até a chegada dele, fica aflita e se questiona o porquê de justo o organizador da festa de aniversário estar tão atrasado. O segundo momento da narrativa, o momento do passado, ocorre enquanto Davenga não chega, ele é apresentado através de flashbacks que explicam como Ana e Davenga se conheceram e como foi o começo dessa relação. A trama vai se desenrolando até chegar outra vez no momento presente.
Desde o começo do conto, há bastante críticas à sociedade em geral, como, por exemplo, o patriarcalismo, sendo exposto desde a inclusão do nome Davenga a Ana, como também por outros pormenores levantados para expor a submissão ao homem que se impõe à mulher. Ao mesmo tempo, há também uma contraparte, uma vez que Maria Agonia, ao contrário de Ana, não se submete a Davenga. Maria não desejava ter um relacionamento "sério" e sim um caso, ela recusa a ideia de virar a mulher dele. Assim, é possível assimilar que a narrativa acaba rompendo a concepção de que a mulher é um objeto sexual do homem, uma vez que Davenga é quem se torna objeto sexual de Maria e é por este motivo que ela acaba sendo punida com a morte, pois ele não se conforma em ser tratado dessa forma, tal como muitas mulheres se sentem em situações semelhantes.
Outro ponto de destaque é a crítica sobre as pessoas que fazem "coisas" às escondidas e que as conservam dessa forma para manter as "aparências". Esse fato é mostrado através da personagem Maria Agonia no seguinte trecho: “ao acabar a pregação, ela saiu do meio dos outros, passou por ele e fez um sinal. Ele foi atrás. Assim que todos se dispersaram, ela falou do desejo de estar com ele. Queria ir para algum lugar sozinhos” (EVARISTO, 2014, p.18). A personagem era filha de pastor e por isso tinha uma “imagem” a zelar, ela seria julgada pela sociedade se viesse a fazer tais atos abertamente. Outro detalhe é o fato de a moça estar nua ao lado da bíblia quando foi assassinada, é possível entender isso como uma denúncia feita para as pessoas que a viam somente pela aparência.
A narrativa várias vezes rompe as expectativas do leitor(a), como por exemplo, sobre a construção do personagem Davenga, chefe do morro, homem que tem o maior respeito em seu grupo, que está imerso em um ambiente cercado por diversos casos de violência, alguém disposto a diversas barbaridades: “o que ele gostava mesmo era de ver o medo, o temor, o pavor nas feições e nos modos das pessoas. Quanto mais forte o sujeito, melhor. Adorava ver os chefões, os manda chuvas cagando de medo, feito aquele deputado que ele assaltou um dia” (EVARISTO, 2014, p.16). Por toda essa construção, o que se espera dele é um homem insensível e destemido, que não teme a realmente nada. No entanto, a narrativa rompe as expectativas, ela nos mostra que ele é um homem frágil e emotivo. Isso fica evidente nas falas de Ana: “Davenga, que era tão grande, tão forte, mas tão menino, tinha o prazer banhado em lágrimas. Chorava feito criança” (EVARISTO, 2014, p.15). Ela desperta em Davenga muita sensibilidade e consegue recuperar as fragilidades dele. Durante o conto, o narrador expõe ainda, que ele, o bandido mais procurado do morro, tinha muito medo de ser preso: “a prisão devia ser horrível. Só em pensar tinha medo e desespero” (EVARISTO, 2014, p.17).
Outro elemento que marca o conto é a presença do conhecimento da realidade e da condição de vida das pessoas que Davenga possui. Isso fica claro na cena do assalto ao deputado:
– Pois é, doutor, a vida não tá fácil! Ainda bem que tem homem lá em cima como o senhor defendendo a gente, os pobres. – Era mentira. – Doutor, eu votei no senhor. Era mentira também. – E não me arrependi Veio visitar a família? Eu também tou indo ver a minha e quero levar uns presentinhos. Quero chegar bem vestido, como o senhor (EVARISTO, 2014, p.16).
A partir disso, é possível assimilar o trecho anterior com o que diz Achille Mbembe (2017): “A política se converterá na luta de rua e a razão não importará. Nem os fatos. A política voltará a ser um assunto de sobrevivência brutal em um ambiente ultracompetitivo” (MBEMBE, 2016, n.p.). A partir do que o autor fala, é possível assimilar que Davenga sobrevive de maneira brutal porque as políticas atuais não atendem as necessidades da maioria e assim, consequentemente, se faz necessário que às próprias pessoas busquem por elas mesmas conseguirem o que desejam, na maioria das vezes, melhorar de vida.
REFERÊNCIAS:
EVARISTO, Conceição. Ana Davenga. In: ______. Olhos d’água. Rio de Janeiro: Pallas: Fundação Biblioteca Nacional, 20 14, p. 21-30.
MIGUEL, F. V. C.; AGUILAR, A. F. F. Gêneros, violências e resistências: uma leitura de Ana Davenga. REVISTA LITERATURA EM DEBATE, v. 12, p. 15-25, 2018.
MBEMBE, Achille. A era do humanismo está terminando. IHU Notícias, São Leopoldo, 24 jan. 2017. Disponível em: http://www.ihu.unisinos.br/186-noticias/noticias-2017/564255-achille-mbembe-a-era-do-humanismo-esta-terminando, Acesso em: 19 de jul. de 2019.
SILVA, E. K. S.; CARDOSO, S. M. Representações da violência no conto 'Ana Davenga', de Conceição Evaristo. REVISTA DA ANPOLL (ONLINE), v. 1, p. 59-74, 2017.
XV ABRALIC. LITERATURA AFRO-FEMININA BRASILEIRA DO SÉCULO XXI: CORPO, VOZ, POESIA E RESISTÊNCIA. 2016. (Simpósio).
