“Ana Davenga”, de Conceição Evaristo

 

Nadson Cardoso de Jesus

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“Ana  Davenga”, conto de Conceição Evaristo, pode ser separado em dois tempos. A partir dessa divisão, é possível conceber o primeiro momento como o momento presente, ele é o dia do aniversário de Ana. Nesse dia, Davenga faz uma festa surpresa para Ana. Entretanto, ele é o último a chegar na comemoração e Ana, até a chegada dele, fica aflita e se questiona o porquê de justo o organizador da festa de aniversário estar tão atrasado. O segundo momento da narrativa, o momento do passado, ocorre enquanto Davenga não chega, ele é apresentado através de flashbacks que explicam como Ana e Davenga se conheceram e como foi o começo dessa relação. A trama vai se desenrolando até chegar outra vez no momento presente.

Desde o começo do conto, há bastante críticas à sociedade em geral, como, por exemplo, o patriarcalismo, sendo exposto desde a inclusão do nome Davenga a Ana, como também por outros pormenores levantados para expor a submissão ao homem que se impõe à mulher. Ao mesmo tempo, há também uma contraparte, uma vez que Maria Agonia, ao contrário de Ana, não se submete a Davenga. Maria não desejava ter um relacionamento "sério" e sim um caso, ela recusa a ideia de virar a mulher dele. Assim, é possível assimilar que a narrativa acaba rompendo a concepção de que a mulher é um objeto sexual do homem, uma vez que Davenga é quem se torna objeto sexual de Maria e é por este motivo que ela acaba sendo punida com a morte, pois ele não se conforma em ser tratado dessa forma, tal como muitas mulheres se sentem em situações semelhantes.

Outro ponto de destaque é a crítica sobre as pessoas que fazem "coisas" às escondidas e que as conservam dessa forma para manter as "aparências". Esse fato é mostrado através da personagem Maria Agonia no seguinte trecho: “ao acabar a pregação, ela saiu do meio dos outros, passou por ele e fez um sinal. Ele foi atrás. Assim que todos se dispersaram, ela falou do desejo de estar com ele. Queria ir para algum lugar sozinhos” (EVARISTO, 2014, p.18). A personagem era filha de pastor e por isso tinha uma “imagem” a zelar, ela seria julgada pela sociedade se viesse a fazer tais atos abertamente. Outro detalhe é o fato de a moça estar nua ao lado da bíblia quando foi assassinada, é possível entender isso como uma denúncia feita para as pessoas que a viam somente pela aparência.

A narrativa várias vezes rompe as expectativas do leitor(a), como por exemplo, sobre a construção do personagem Davenga, chefe do morro, homem que tem o maior respeito em seu grupo, que está imerso em um ambiente cercado por diversos casos de violência, alguém disposto a diversas barbaridades: “o que ele gostava mesmo era de ver o medo, o temor, o pavor nas feições e nos modos das pessoas. Quanto mais forte o sujeito, melhor. Adorava ver os chefões, os manda chuvas cagando de medo, feito aquele deputado que ele assaltou um dia” (EVARISTO, 2014, p.16). Por toda essa construção, o que se espera dele é um homem insensível e destemido, que não teme a realmente nada. No entanto, a narrativa rompe as expectativas, ela nos mostra que ele é um homem frágil e emotivo. Isso fica evidente nas falas de Ana: “Davenga, que era tão grande, tão forte, mas tão menino, tinha o prazer banhado em lágrimas. Chorava feito criança” (EVARISTO, 2014, p.15). Ela desperta em Davenga muita sensibilidade e consegue recuperar as fragilidades dele. Durante o conto, o narrador expõe ainda, que ele, o bandido mais procurado do morro, tinha muito medo de ser preso: “a prisão devia ser horrível. Só em pensar tinha medo e desespero” (EVARISTO, 2014, p.17).

Outro elemento que marca o conto é a presença do conhecimento da realidade e da condição de vida das pessoas que Davenga possui. Isso fica claro na cena do assalto ao deputado:

– Pois é, doutor, a vida não tá fácil! Ainda bem que tem homem lá em cima como o senhor defendendo a gente, os pobres. – Era mentira. – Doutor, eu votei no senhor. Era mentira também. – E não me arrependi Veio visitar a família? Eu também tou indo ver a minha e quero levar uns presentinhos. Quero chegar bem vestido, como o senhor (EVARISTO, 2014, p.16).

A partir disso, é possível assimilar o trecho anterior com o que diz Achille Mbembe (2017): “A política se converterá na luta de rua e a razão não importará. Nem os fatos. A política voltará a ser um assunto de sobrevivência brutal em um ambiente ultracompetitivo” (MBEMBE, 2016, n.p.). A partir do que o autor fala, é possível assimilar que Davenga sobrevive de maneira brutal porque as políticas atuais não atendem as necessidades da maioria e assim, consequentemente, se faz necessário que às próprias pessoas busquem por elas mesmas conseguirem o que desejam, na maioria das vezes, melhorar de vida.

 

REFERÊNCIAS:

EVARISTO, Conceição. Ana Davenga. In: ______. Olhos d’água. Rio de Janeiro: Pallas: Fundação Biblioteca Nacional, 20 14, p. 21-30.

MIGUEL, F. V. C.; AGUILAR, A. F. F. Gêneros, violências e resistências: uma leitura de Ana Davenga. REVISTA LITERATURA EM DEBATE, v. 12, p. 15-25, 2018.

MBEMBE, Achille. A era do humanismo está terminando. IHU Notícias, São Leopoldo, 24 jan. 2017.  Disponível em: http://www.ihu.unisinos.br/186-noticias/noticias-2017/564255-achille-mbembe-a-era-do-humanismo-esta-terminando,  Acesso em: 19 de jul. de 2019.

SILVA, E. K. S.; CARDOSO, S. M. Representações da violência no conto 'Ana Davenga', de Conceição Evaristo. REVISTA DA ANPOLL (ONLINE), v. 1, p. 59-74, 2017.

XV ABRALIC. LITERATURA AFRO-FEMININA BRASILEIRA DO SÉCULO XXI: CORPO, VOZ, POESIA E RESISTÊNCIA. 2016. (Simpósio).