Educação literária: Ensino da literatura nos anos finais do fundamental

 

Jociane Hartmann[1]

 

Resumo: A leitura e a escrita têm papel fundamental na vida do ser humano, já que possui importante função social e humanizadora. O ensino da literatura em sala de aula e em casa proporciona entendimento da língua, domínio da leitura e escrita, além de incentivar o hábito da leitura. Este trabalho tem como objetivos refletir sobre a prática de leitura literária escolar tendo como foco o ensino fundamental anos finais; compreender a leitura como forma de conhecimento; verificar o uso de textos literários e o acesso dessas obras pelos alunos; reconhecer como o ensino de literatura é tratado na BNCC (2018), no Referencial Curricular do Paraná (2018) e na proposta pedagógica dos estabelecimentos de ensino. A metodologia da pesquisa foi desenvolvida e analisada de forma crítica, bibliográfica e dedutiva, por meio de materiais já elaborados, como livros, artigos científicos, assim como, bibliotecas virtuais e artigos da internet, além de informações recolhidas com alguns professores de Língua Portuguesa e de Educação Literária que atuam em escolas públicas no município de Palmeira, Paraná. Por meio desse trabalho espera-se criar um panorama do ensino da literatura no ensino fundamental em escolas públicas, bem como salientar a importância da leitura de textos literários para a formação do aluno. O incentivo à leitura não deve ser visto apenas como conteúdo programático das aulas, mas deve criar no aluno o prazer pela leitura, como um hábito para a vida toda.

 

Palavras-Chave: Leitura. Literatura. Ensino Fundamental. Educação Literária.

 

 

 INTRODUÇÃO

          

A leitura literária fornece ao leitor material para dialogar e debater, faz com que tenha emoções despertadas, forme-se criticamente e amplie a visão do mundo.

O ensino da literatura não deve ser tratado tão somente como conteúdo a ser aplicado em sala de aula para preencher as lacunas da disciplina de Língua Portuguesa. Tratar de literatura e da leitura de textos literários implica tratar de produção de sentidos. Além de sabermos do caráter humanizador da literatura para Cândido (1972), a literatura, da mesma forma que tem a capacidade de promover a inteligibilidade, também carrega ideologias e que, apesar de possuir autonomia, não se desliga da realidade e a transforma também com seu poder de atuar sobre ela.

 

A literatura tem sido um instrumento poderoso de instrução e educação, entrando nos currículos, sendo proposta a cada um como equipamento intelectual e afetivo. Os valores que a sociedade preconiza, ou os que consideram prejudiciais, estão presentes nas diversas manifestações da ficção, da poesia e da ação dramática. A literatura confirma e nega, propõe e denuncia, apóia e combate, fornecendo a possibilidade de vivermos dialeticamente os problemas. (CANDIDO, 1989, p. 113).

 

Assim, o ensino da literatura, não só auxilia na formação do leitor, mas também forma o caráter, sendo que tanto a escola quanto os professores devem preparar esse leitor para interpretar textos literários de forma consciente e crítica, a fim de que a obra estudada desperte interesse em saber o contexto histórico e social na qual foi produzida. Os textos literários, nos mais diversos gêneros, possuem a função de dialogar com o leitor, transmitir uma gama de sentimentos e emoções do autor, seus anseios, seus desejos, seus pensamentos, questionamentos e, por que não, sua vida mesmo que em muitos casos ilusória.

Enquanto aluna do Curso de Licenciatura em Letras, a partir das aulas e materiais referentes à literatura, percebi as mudanças ocorridas ao longo dos anos com o ensino de literatura no âmbito escolar e que o foco passou a ser a interpretação de textos literários e não somente descrição de momentos históricos da literatura e bibliografia de autores. Durante as observações realizadas nos estágios supervisionados, mesmo o ensino de literatura e o estudo de obras literárias estando como componente curricular, percebi que as leituras literárias que acontecem em boa parte das escolas públicas ainda ocorrem de forma fragmentada. Muitos professores, apesar do esforço para poder realmente contemplar esses conteúdos, acabam não o fazendo de forma satisfatória, ou por não terem tempo hábil para explorar significativamente textos literários ou pela estrutura da escola não possuir uma biblioteca atualizada com acesso a mídias eletrônicas em todas as salas de aula, a fim de tornar as aulas mais lúdicas. Noto que há um esforço em revitalizar as bibliotecas, mas muitas ainda contam com livros antigos, pouco atrativos, e as que optaram por renovar o acervo contam com exemplares insuficientes para atender todos os alunos. Os e-books são uma opção, mas confesso que nada tira o prazer da leitura de um livro físico, o folhear das páginas.

Nesse sentido, este estudo busca mostrar a relevância do ensino da literatura para a educação e formação social do sujeito que se dá também por meio das práticas leitoras de diferentes gêneros discursivos.  A literatura e a exploração de textos literários possibilitam o desenvolvimento da educação, da sensibilidade, do senso crítico, da concentração e dos aspectos cognitivos e linguísticos, além do mais, desenvolve a imaginação e a criatividade do aluno.

Para que respostas sobre a importância da literatura sejam alcançadas, bem como apresentar um panorama do ensino da literatura no ensino fundamental na atualidade, a metodologia de pesquisa se baseou, primeiramente, em uma revisão bibliográfica realizada em textos, artigos, teses e publicações já elaborados, disponíveis em livros, revistas científicas, assim como em bibliotecas virtuais e artigos da internet.  Tradicionalmente, o local privilegiado para a localização das fontes bibliográficas tem sido a biblioteca, mas, com o avanço da tecnologia da informação, conforme Gil (2002, p. 68), “atualmente há a ampla disseminação de materiais bibliográficos em formato eletrônico”, que também assume grande importância na pesquisa realizada. Assim, basicamente a metodologia se baseia numa pesquisa bibliográfica, como descrita por Gil (2002, p. 44) como sendo “desenvolvida com base em material já elaborado, constituído principalmente de livros e artigos científicos”, e apresenta algumas vantagens:

 

A principal vantagem da pesquisa bibliográfica reside no fato de permitir ao investigador a cobertura de uma gama de fenômenos muito mais ampla do que aquela que poderia pesquisar diretamente. Essa vantagem torna-se particularmente importante quando o problema de pesquisa requer dados muito dispersos pelo espaço. [...] A pesquisa bibliográfica também é indispensável nos estudos históricos. Em muitas situações, não há outra maneira de conhecer os fatos passados se não com base em dados bibliográficos. (GIL, 2002, p. 45).

 

 A literatura e o ensino sempre foram alvo de pesquisas e discussões, tendo um vasto material para consulta, proporcionando um acréscimo de informações, orientações e constatações, inclusive quando se trata do ensino da literatura no ensino fundamental nos anos finais.

 Para delimitar a área de pesquisa e fornecer informações mais precisas, foram observadas as Propostas Curriculares do Colégio Estadual Dom Alberto Gonçalves (CEDAG), Colégio Estadual São Judas Tadeu, Colégio Estadual Coronel David Carneiro e Escola Municipal do Campo de Quero Quero, todas no município de Palmeira-PR. Essas propostas curriculares estão disponíveis para consulta pública no site da Secretaria de Estado da Educação, onde também é possível encontrar demais dados das referidas escolas, inclusive fotos, instalações e informações que ajudam a entender a infraestrutura e capacidade de atendimento, bem como, a realidade destas escolas no município de Palmeira.

            Quanto à importância da literatura para a formação do ser humano, Antônio Cândido (1995) estabelece para a literatura um papel imprescindível para a formação do homem, por seu caráter humanizador. Segundo o autor, a literatura contribui para a formação integral da pessoa, pois fornece base cultural, dá sentido ao mundo e o próprio ser humano. É através da literatura que a pessoa tem contato com outras formas de pensar e de interpretar a realidade, um diálogo entre autor e leitor. Quanto à função humanizadora, Cândido (1995) nos mostra que humanizar é:

 

Um processo que confirma no homem aqueles traços que reputamos essenciais, como o exercício da reflexão, a aquisição do saber, a boa disposição para com o próximo, o afinamento das emoções, a capacidade de penetrar nos problemas da vida, o senso de beleza, a percepção da complexidade do mundo, dos seres, o cultivo do humor. (CÂNDIDO, 1995, p. 249).

 

            Assim a literatura além de proporcionar prazer ao conhecer e ler textos literários, assume o papel de humanizar, de provocar no homem sentimentos, emoções, atua para conscientizar e apresentar panoramas diversos. Faz com que a pessoa conheça outros mundos, reais ou imaginários, conheça outras opiniões e dialogue com a obra. Do mesmo modo, a BNCC também aponta o caráter humanizador e a formação do leitor através da arte literária:

 

Para que a função utilitária da literatura – e da arte em geral – possa dar lugar à sua dimensão humanizadora, transformadora e mobilizadora, é preciso supor – e, portanto, garantir a formação de – um leitor-fruidor, ou seja, de um sujeito que seja capaz de se implicar na leitura dos textos, de “desvendar” suas múltiplas camadas de sentido, de responder às suas demandas e de firmar pactos de leitura. (BRASIL, 2018, p. 138).

 

            Visto a importância da literatura para a formação do ser humano, nota-se que a leitura não deve ficar restrita apenas ao ambiente escolar através da leitura de títulos indicados pela escola apenas por mera exigência do professor. Claro que muitos leitores têm o primeiro contato com livros na escola, e isso mostra a importância do ensino da literatura em sala de aula para a formação de leitores. Assim, a leitura literária deixa uma bagagem de experiências que os define como leitores e que se refletem na formação e ação frente às interações sociais.

 

O PAPEL DA LITERATURA NA FORMAÇÃO DO HOMEM

 

            É por meio da leitura, principalmente de textos literários, que podemos atribuir sentido e conhecer as diferenças culturais, sociais e linguísticas, ou seja, é uma forma de aproximação de mundos e realidades. A leitura de textos literários constitui conteúdo obrigatório nas diretrizes e deve ser compreendida como direito ou, como cita Cândido (1989), deve ser compreendida como “bem incompressível”, ou seja, a literatura deveria ser reconhecida como fundamental para a humanização:

 [...] a meu ver com o problema dos direitos humanos, pois a maneira de conceber a estes depende daquilo que classificamos como bens incompreensíveis, isto é, os que não podem ser negados a ninguém. [...] Outros são compressíveis, como os cosméticos, os enfeites, as roupas extras. (CÂNDIDO, 1989, p. 110-111)

 

            A literatura é uma manifestação de um povo, forma personalidades, faz com que as pessoas se compreendam como sujeitos. Para Cândido, a função humanizadora da literatura deve-se ao fato de que “a literatura desenvolve em nós a quota de humanidade na medida em que nos torna mais compreensivos e abertos para a natureza, a sociedade, o semelhante” (1989, p. 117). Dessa forma a literatura também assume papel social ao promover a dignidade e promovendo o crescimento do homem, e como bem reitera Yunes (1995, p. 184) também proporciona a plenitude de sensibilidades:

 

Nisto os construtivistas têm razão em que palavra escrita não é fragmento, mas corresponde à mesma totalidade da linguagem dominada oralmente ainda que só por hipótese, a princípio a leitura deve constituir-se em um recurso para se alcançar o mundo que não temos, não conhecemos se quer imaginamos. Ler significa descortinar, mudar de horizontes, interagir com o real, interpretá-lo, compreendê-lo e decidir sobre ele. Desde o início a leitura deve contar com o leitor, sua contribuição ao texto, sua observação ao contexto, sua percepção do entorno. O prazer de ler é também uma descoberta. Será, contudo, muito difícil descobri-lo se não há condições explícitas para esta intimidade. (YUNES, 1995, p. 184).

 

            A educação da sensibilidade estética é um aspecto importante, pois a literatura deixa uma bagagem de experiências que refletem na formação do aluno e nas interações sociais, assim como apresenta Candido (1989) ao dizer que a literatura reforça o caráter formador, capaz de transformar leitores em seres pensantes e críticos, visto que ela é capaz de instruir e educar, mostrar diversos aspectos e formas de pensar, opiniões favoráveis ou não à sociedade. “A literatura confirma e nega, propõe e denuncia, apóia e combate, fornecendo a possibilidade de vivermos dialeticamente os problemas.” (CANDIDO, 1989, p. 113). Portanto, a literatura se torna indispensável também na formação de personalidade, moldando e desenvolvendo o indivíduo, tal como afirma Cândido:

 

[...] desenvolvendo em nós a quota de humanidade na medida em que nos torna mais compreensivos e abertos para a natureza, a sociedade, o semelhante. [...] o processo que confirma no homem aqueles traços que reputamos essenciais, como o exercício da reflexão, a aquisição do saber, a boa disposição para com o próximo, o afinamento das emoções, a capacidade de penetrar nos problemas da vida, o senso da beleza, a percepção da complexidade do mundo e dos seres, o cultivo do humor. A literatura desenvolve em nós a quota de humanidade na medida em que nos torna mais compreensivos e abertos para a natureza, a sociedade, o semelhante. (CANDIDO, 1989, p. 117).

 

A partir da leitura, interpretamos, compreendemos e nos apropriamos de bens culturais. Dessa forma, os alunos devem ter a oportunidade de conhecer obras literárias e seu contexto para compreender e dar sentido à obra.  Através da leitura e análise de textos literários, o aluno além de conhecer outras realidades, entender algum pensamento ou teoria, também pode aproximar os temas com a realidade social, estimulando a reflexão e a imaginação do indivíduo.

 

O ato de ler é um ato da sensibilidade da inteligência, da compreensão e de comunhão com o mundo; lendo, expandimos o estar no mundo, alcançamos esferas do conhecimento antes não experimentadas e, no dizer de Aristóteles, nos como vemos catedraticamente ampliamos a condição humana. Esta sensação de plenitude, iluminante, ainda, que dolorosa a aguda tem sido a constante que o discurso artístico proporciona. Diante de um quadro, de uma música, de um texto, o mundo inteiro, que não cabe no relance do olhar, se condensa e aprofunda em nós um sentimento que abarca no relance do olhar, se condensa e aprofunda em nós um sentimento que abarca a totalidade, como se, pela parte que tocamos, pudéssemos entrever o não visto e adivinhar o que, de fato, não experimentamos. (YUNES, 1995, p. 185).

 

Segundo Yunes (1995), ler significa descortinar, mudar de horizontes, interação com o mundo real, interpretá-lo, compreendê-lo e tomar decisões sobre ele. O leitor atribui, extrai e produz sentidos aos textos a partir de sua interação com ele e da observação aos seus contextos de produção. Desse modo, a próxima seção discute o ensino da leitura e da literatura na escola, lugar por excelência que deveria/deve formar cidadãos leitores.

 

DOCUMENTOS OFICIAIS E ENSINO DE LITERATURA

 

Inicialmente, algumas concepções de língua e literatura se fazem necessárias, visto que se analisarmos o ensino da literatura no decorrer dos anos, verificamos que os encaminhamentos pedagógicos que privilegiam o leitor são recentes. No início do século XX, Saussure (1989) centrou seus estudos da língua como uma estrutura ou sistema constituído por signos e dessa concepção, o ensino da língua se dá por meio do estudo das suas estruturas, nomenclatura dos elementos, classificação, termos das orações e suas funções, enfim, sempre em torno da gramática normativa.

             Entre os anos de 1960 e 1980, essa concepção dá lugar à concepção de linguagem como um sistema de comunicação, com seus elementos e funções. No entanto, cabe ressaltar que a língua ainda era vista de forma estruturada, desconsiderado seu uso nas situações comunicativas. Do mesmo modo, o ensino de literatura nesse período se concentrava na análise literária das obras, como seus personagens, tempo, espaço e particularidades estruturais do texto, sendo pautada em autores clássicos.

             O rompimento desse modelo estruturalista e a valorização das relações entre leitor e texto na produção de sentidos se deu no Brasil a partir de 1980, com a introdução dos estudos de Mikhail Bakhtin (1979). Por esta perspectiva sociointeracionista, em todo texto há uma interação verbal e social, que também fornece as orientações pedagógicas para o ensino da língua e literatura, sendo que o objetivo do ensino da literatura passa a ser a experiência do leitor, a interação dele com a obra. Por sua vez, os textos abrangem não só os clássicos literários, mas obras que podem despertar o interesse do leitor.

Os documentos que norteiam o ensino de literatura, mais especificamente de Língua Portuguesa, mostram como o trabalho com os textos devem ser aplicados em sala de aula e orientam a escola e os professores nessa tarefa de formação de alunos críticos e capazes de se comunicar nas mais diferentes esferas sociais. Considerando as Diretrizes Curriculares Estaduais (DCES) de Língua Portuguesa, é tarefa da escola possibilitar que seus alunos participem de diferentes práticas sociais que utilizem a leitura, a escrita e a oralidade, com a finalidade de inseri-los nas diversas esferas de interação.

Assim, notamos o quanto a literatura tem a oferecer aos alunos como atividade interativa e imprescindível, portadora de uma série de sentidos dependendo da forma como é estudada. Ao lermos, produzimos sentidos, sendo assim, participamos do processo social e histórico:

 

Quando lemos estamos produzindo sentidos reproduzindo-os ou transformando-os. Mais do que isso, quando estamos lendo, estamos participando do processo sócio histórico de produção dos sentidos e o fazemos de um lugar e com uma direção histórica determinada. O cerne da produção de sentidos está no modo de relação, leitura entre o dito e o compreendido. (ORLANDI, 2008, p. 59).

 

Reconhecer como o ensino de literatura é tratado nos documentos que norteiam o ensino de Língua Portuguesa e na proposta curricular dos estabelecimentos de ensino é importante, pois esses documentos são a base de como os professores podem trabalhar com obras literárias em sala.

O ensino de literatura busca desenvolver no aluno seu potencial crítico, sua percepção das múltiplas possibilidades de expressão linguística, sua capacitação como leitor efetivo dos mais diversos textos. Segundo o Referencial Curricular do Paraná (2018), para a prática da leitura desde os anos iniciais, deve-se propiciar a leitura de textos de literatura pretendendo inclusive “o desenvolvimento de sensibilidade para o estético desses textos, a formação leitora preponderantemente pela fruição que esses textos podem provocar nos estudantes e, consequentemente, a continuidade do letramento literário” (2018, p. 533). Nos anos finais, o trabalho com os textos literários seria no sentido de desenvolver esse conhecimento, conforme também aponta o Referencial Curricular do Paraná (2018):

 

Por isso, o trabalho deve ser no sentido de fortalecer a autonomia dos estudantes de tal maneira que possam acessar e interagir criticamente com diferentes conhecimentos e fontes de informação, visando também o multiletramento. (PARANÁ, 2018, p. 533)

 

Desse modo, a formação do aluno é discutida de maneira ampla apontando as necessidades de letramento literário que leve aos jovens a não lerem apenas as obras literárias como obrigação, mas que possam ir além, conhecendo os mais variados textos literários e se apropriando delas para maior conhecimento e interação com o mundo.

Em escolas da rede pública, o ensino literário está inserido na disciplina de Língua Portuguesa, e, em análise da Proposta Pedagógica Curricular dos Colégios Estaduais Coronel David Carneiro, Dom Alberto Gonçalves, São Judas Tadeu e Escola Estadual do Campo de Quero Quero, todos do município de Palmeira no Paraná, foi possível estabelecer que a literatura e o estudo de textos literários estão presentes durante os quatro anos finais do ensino fundamental.

O professor, segundo a Proposta Curricular do Colégio Estadual Coronel David Carneiro também compartilhado na Proposta Curricular da Escola Estadual do Campo de Quero Quero, deve assumir uma nova postura de ensino, sem permitir que as aulas sejam apenas um conjunto de regras de uma variedade linguística, exemplos de grandes escritores ou um conjunto de nomenclaturas. Ao contrário, o ensino deve fornecer ao educando o domínio das diferentes formas de linguagem e atender à necessidade de interação do indivíduo:

 

O professor precisa compreender que se faz necessário mudar a sua imagem: ele não é mais o gramatiqueiro, embora o domínio gramatical seja uma demanda que o afeta, mas aquele que tem o domínio dos usos lingüísticos efetuados pelo homem na sua vida social, e ele não é mais aquele que ensina uma variante de língua tida como absolutamente correta, mas aquele que leva o aluno a perceber a necessidade de adequação estilística da linguagem a uma situação comunicativa que é constitutiva marcada pela presença de um interlocutor. (Proposta Curricular, C. E. Cel. David Carneiro, p. 69).

 

O conteúdo estruturante assume, novamente nesse documento, a concepção sociointeracionista, que considera a existência da língua em situações de interação e através de práticas discursivas, assim, o ensino de literatura busca uma análise mais ampla sobre os textos literários estudados, criando propostas pertinentes ao momento histórico-social e estilo literário, bem como uma análise da obra quanto à produção de sentidos. Através dessa análise de textos, o aluno compreende as mais diferentes formas de uso da linguagem, e pode assimilar e aplicar na sua vida pessoal e social, o que também diminui o preconceito linguístico.

As Propostas Pedagógicas Curriculares, assim como as Diretrizes Curriculares Estaduais (DCES) de Língua Portuguesa, utilizam-se do discurso como prática social e seu conteúdo estruturante tem como base a leitura, a escrita e a oralidade, logo um dos objetivos do contato com os textos literários, como cita a Proposta Pedagógica Curricular do Colégio Estadual Dom Alberto Gonçalves (p. 124), é aprimorar a “capacidade de pensamento crítico e a sensibilidade estética, bem como propiciar pela Literatura a constituição de um espaço dialógico que permita a expansão lúdica da oralidade, da leitura e da escrita”.

Em sala de aula, sabemos que o principal objetivo do ensino de literatura é a formação de leitores, começando com o ensino da escrita e da leitura. Assim, a assimilação dos valores sociais acontece de modo indireto, pela apropriação da escrita e que são aprendidas pelos leitores a partir das interações com diversas leituras que são oportunizadas na escola. Logo, a literatura adquire importância para a formação e desenvolvimento humano, não somente pelo entretenimento que proporciona, mas por possibilitar aos leitores refletirem, conhecerem outros saberes e desenvolver um senso crítico e analítico de obras literárias

O texto literário como representação do imaginário e patrimônio cultural, ao ser trabalhado nas aulas de literatura, possibilita confrontar opiniões e pontos de vista sobre as diferentes manifestações da linguagem, novamente mostrando o desenvolvimento do pensamento crítico na formação do homem. Na literatura, os clássicos são analisados desde sua estrutura composicional, estilo, e mensagem transmitida pelo autor, mas é a junção da análise de textos com os quais convive na esfera cotidiana e textos literários que torna sua vivencia mais significativa, conforme cita as Orientações Educacionais Complementares aos Parâmetros Curriculares Nacionais (2006, p. 78), que inclusive aponta a importância do multiletramento possibilitado pela literatura:

 

Não se pode relevar a importância de suportes diversos do livro – cuja leitura é tão cobrada nas aulas de literatura – e se estendem à revista, ao jornal, à enciclopédia, ao outdoor, para citar apenas alguns. Somente como leitores de múltiplos textos os alunos desenvolverão a contento sua competência textual. (BRASIL, 2006, p. 78).

           

Cândido (1995) afirma que a Literatura desenvolve a sensibilidade, tornando-nos mais compreensivos, reflexivos, críticos e abertos para novos olhares e possibilidades diante da nossa condição humana. A leitura literária permite-nos refletir sobre o mundo em nossa volta, abrindo nossos horizontes, ampliando os conhecimentos, possibilitando novas perspectivas.

Na escola a presença da literatura se faz necessária para auxiliar o aluno a desenvolver suas habilidades de leitor, compreender fatores de intertextualidade e gerar ruma postura crítica perante a realidade. A criança quando saí do ensino fundamental - anos iniciais- e ingressa na segunda etapa está entrando na pré-adolescência, seus gostos mudam, assim como o ensino da literatura também muda, saindo dos livros infantis e passando a ver clássicos da literatura. A leitura de clássicos literários na escola tem um papel transformador, mesmo que o aluno não se sinta tão atraído por esse tipo de leitura e é nesse ponto que o professor tem papel fundamental, como ele trabalha o interesse pelo texto é que vai determinar o sucesso das aulas voltadas para a literatura e para a formação de leitores.

Se utilizar de textos literários para interpretação, além de apresentar certos aspectos da gramática, é uma solução encontrada para unir diferentes conteúdos e tornar o uso de textos literários mais interessantes, bem como fornecer um melhor entendimento da linguagem. Cabe ressaltar que o texto, segundo Antunes (2009), compreende todas as formas de atuação social e prática de interação dialógica. Estudar os textos de forma integral e contextualizada promove melhores vantagens no ensino da língua do que a abordagem de frases isoladas. Outro ponto abordado por Antunes (2009) é o uso de textos como principal objeto de estudo, sendo que a gramática seria estudada no sentido da funcionalidade de acordo com cada gênero textual.

Como assinalado, a literatura é parte fundamental do componente cultural de uma língua, no entanto, nos dias de hoje, como bem colocou Geraldi (1991), e que se mantém atual, é possível perceber que professores ainda praticam a docência baseada no uso de práticas pedagógicas que dispõem a língua como um sistema de códigos acabados, ensinando gramática por meio de nomenclaturas. Com isso os alunos acabam por decorar uma infinidade de regras sem terem visto como, de fato, funcionam dentro de um texto e não irão compreender o sentido produzido. Assim, Geraldi (1991) também explica sobre a importância do trabalho em sala de aula com os textos, não como pretexto para ensino da gramática, mas como sujeito ativo na construção de conhecimento, produzindo sentidos. Mostrar a importância de ler textos literários e do estudo aprofundado de obras, faz com valorizamos mais o ensino da literatura, não só nos anos iniciais, mas durante toda vida escolar do aluno.

Quando se fala em leitor e obras não devemos esquecer a importância do professor nesse processo. Para isso, é preciso que professores estejam preparados e bem fundamentados em teorias para a prática pedagógica. O prazer de ler é construído na medida em que o aluno vai superando as dificuldades e se construindo como sujeito, assim torna-se necessário planejar as aulas e usar estratégias que sirvam para despertar o interesse dos alunos. Outra questão importante quanto ao ensino de literatura é a diminuição da carga horária em anos subsequentes para as aulas de Língua Portuguesa, visto que são nessas aulas que o ensino da literatura se encontra inserido, muitas vezes o professor não consegue explorar todos os conteúdos que deseja, ficando limitado ao que deve repassar aos alunos conforme a grade curricular da escola.

 Nas Propostas Político Pedagógicas (PPP) dos colégios analisados, uma solução encontrada para que o ensino de literatura se torne mais significante foi a criação de Projetos de Leitura, o que consta tanto no PPP do Colégio Estadual Cel. David Carneiro quanto no PPP do CEDAG. O projeto anual consiste no empréstimo de livros de literatura aos alunos através da biblioteca de cada colégio por tempo determinado e, findando o tempo de leitura, são propostas apresentações e atividades relativas ao que foi lido pelo aluno. O objetivo é que o aluno desenvolva “o gosto pela leitura, permitindo que o leitor em contato com o livro procure os seus caminhos literários, tirando do texto o que mais lhe interessar no momento e usufruindo aquilo que vier ao encontro de suas buscas” (CEDAG, PPP, p. 82).

Durante o período das observações na disciplina de Estágio Curricular Supervisionado, mesmo não constando no PPP da Escola Estadual do Campo de Quero Quero, a iniciativa do Projeto de Leitura partiu da professora de língua portuguesa que atua nas turmas. Uma vez na semana a professora prepara uma aula para o ensino de literatura, momento em que os alunos devolvem e emprestam livros na biblioteca e discutem sobre o que leram e compreenderam, o que também faz com que a procura por determinados livros aumente conforme a análise dos colegas. Já no Colégio Estadual São Judas Tadeu, o estudo de textos literários busca a compreensão leitora dos alunos, os clássicos são estudados na íntegra, em uma análise que compreende as particularidades de cada texto, como a época em que foi escrito, a representação dos personagens, o estilo empregado e, principalmente, que os alunos sejam capazes de se “sentir”, viver o momento. O texto fragmentado é utilizado para reforçar o que foi lido e como base para o estudo gramatical, aproveitando o tempo disponível das aulas de Língua Portuguesa para aplicação de todo conteúdo programado, sem deixar o estudo literário de lado.

Através dessas iniciativas, os colégios fazem com que o ensino de literatura esteja mais presente durante as aulas de Língua Portuguesa e que permite aos alunos descobrirem o prazer de ler textos literários e desenvolverem suas capacidades de leitura, escrita e oralidade bem como a compreensão leitora e a criatividade. De acordo com Zilberman (1985), a escola pode transformar um indivíduo habilitado à leitura em um leitor, ou não; pode também afastar a criança de qualquer leitura. Assim, a valorização da obra se dá na medida em que o leitor altera ou expande seus conhecimentos, consequentemente buscando por mais leituras.

 

ENSINO DE VARIAÇÃO LINGUÍSTICA ATRAVÉS DA LITERATURA

 

            A literatura é capaz de transformar o homem, torná-lo consciente e fazer a diferença na sociedade. O professor só poderá obter resultados satisfatórios na transformação do aluno se deixar a educação mecânica e institucionalizada de lado e focar no sujeito pensante, crítico e no que a literatura pode oferecer a esse aluno. Inicialmente, o próprio professor tem o desafio de conhecer seu material de trabalho, ser além de tudo, um leitor que saiba interagir com o texto, relacionar informações, buscar sentidos, para assim também transmitir esse conhecimento aos alunos.

Como os alunos têm pouca experiência literária, muitos pelo contexto socioeconômicos em que vivem, o professor deve aproveitar as aulas de literatura para apresentar diferentes gêneros literários a esses alunos a fim de expandirem seus conhecimentos. Outro aspecto a ser considerado pelo professor é desmistificação de situações em que a maneira de se expressar de forma mais simples, com regionalismos, é vista como um erro, apenas por não seguir as normas ditas “cultas” da linguagem. O hábito de ler textos literários é uma forma de diminuir os preconceitos linguísticos, pois ao conhecer outras paisagens, contextos, personagens e histórias, o leitor conhece diferentes formas de manifestações linguísticas. Em contato com essas variações é possível experimentar a língua em seus inúmeros usos.

            A língua não é um sistema fechado e imutável, e pode sofrer variações, se transformar, podendo essas variações se tornarem justificáveis e consideradas de acordo com a comunidade ou grupo na qual se manifestam. Assim, os diferentes modos de “falar” devem ser considerados como variações e não como erro, evitando o preconceito linguístico. De acordo com Cagliari (1989 apud ICHIKAWA, 2003, p. 44), os indivíduos aprendem a variação linguística peculiar das comunidades em que moram, porém, a sociedade se utiliza desses modos peculiares de se expressar para marcar indivíduos e classes sociais pelo modo de falar. Esta atitude social revela os preconceitos, pois marca diferenças linguísticas como índices de estigma ou prestígio, algo de Bagno (1999) colocou como empecilho para estudantes se sentirem verdadeiramente incluídos na sociedade. Compreender a diversidade linguística e fornecer o acesso ao aluno das diversas variedades linguísticas, bem como seu uso nas diferentes ocasiões de modo prático, seria a solução para uma verdadeira inclusão:

 

O reconhecimento da existência de muitas normas lingüísticas diferentes é fundamental para que o ensino em nossas escolas seja conseqüente com o fato comprovado de que a norma lingüística ensinada em sala de aula é, em muitas situações, uma verdadeira “língua estrangeira” para o aluno que chega à escola proveniente de ambientes sociais onde a norma lingüística empregada no quotidiano é uma variedade de português não padrão. (BAGNO, 1999, p. 18).

 

            O ensino da língua mostra a necessidade do trabalho com textos reais e a valorização das variedades linguísticas dos alunos, nesse ponto o ensino se torna mais significativo com o texto literário, já que o mesmo apresenta uma variedade de expressões e forma nas quais foram criadas, mostrando diversas épocas, locais e situações.  Logo, podemos dizer que a literatura tem entre suas funções a representação de uma realidade social e humana, o que também mostra a identidade cultural de um povo. Um bom exemplo, citado por Cândido (1972), são as obras que apresentam o regionalismo, que mostram um país em formação, a procura da identidade através da variação de temas e apresentação de características linguísticas. Podemos citar, entre vários escritores, um trecho da obra de Guimarães Rosa, Grande Sertão: Veredas, onde o autor apresenta a linguagem do sertão, compondo um cenário épico e também de valorização do homem:

 

Arre e era. Aí lá cheio o curralão, com a boa animalada nossa, os pobres dos cavalos ali presos, tão sadios todos, que não tinham culpa de nada; e eles, cães aqueles, sem temor de Deus nem justiça de coração, se viravam para judiar e estragar, o rasgável da alma da gente – no vivo dos cavalos, a torto e direito, fazendo fogo! Ânsias, ver aquilo. Alt’-e-baixos – entendendo, sem saber, que era o destapar do demônio – os cavalos desesperaram em roda, sacolejados esgalopeando, uns saltavam erguidos em chaça, as mãos cascantes, se deitando uns nos outros, retombados no enrolar dum rolo, que reboldeou, batendo com uma porção de cabeças no ar, os pescoços, e as crinas sacudidas esticadas, espinhosas: eles eram só umas curvas retorcidas! Consoante o agarre do rincho fino e curtinho, de raiva – rinchado; e o relincho de medo – curto também, o grave e rouco, como urro de onça, soprado das ventas todas abertas. Curro que giraram, trompando nas cercas, escouceantes, no esparrame, no desembesto – naquilo tudo a gente viu um não haver de doidas asas. (ROSA, 1988, p. 297).

 

            Um outro exemplo são as obras de Antonio Gonçalves da Silva, conhecido popularmente pelo pseudônimo de Patativa do Assaré, pode ser considerado um dos mais significativos representantes de nossa literatura em relação à preservação da cultura brasileira e seu típico linguajar sertanejo. No poema O Vaqueiro, além do regionalismo expresso com naturalidade em seus versos, há a presença da linguagem coloquial de um povo simples.

 

Eu venho dêrne menino,

Dêrne munto pequenino,

Cumprindo o belo destino

Que me deu Nosso Senhô.

Eu nasci pra sê vaquêro,

Sou o mais feliz brasilêro,

Eu não invejo dinhêro.

Nem diproma de doto.(...)

Da minha vida eu me orgúio,

Levo a jurema no embrúio

Gosto de vê o barúio

De barbatão a corrê,

Pedra nos casco rolando,

Gaios de pau estralando,

E o vaquêro atrás gritando,

Sem o perigo temê. (Assaré, 2003, p. 213-215).

 

A literatura está repleta de representantes que utilizam a variação linguística em suas obras, no entanto, na esfera cotidiana ainda há um preconceito contra o falar regional, o rural ou o rústico, sendo privilegiado os temas urbanos e até mesmo os estrangeirismos, esquecendo que o povo é formado pela junção de várias culturas e, sendo um país enorme, a junção de vários saberes, conforme a região. O preconceito linguístico regional se deve ao foto de que os grandes centros populacionais estejam nas regiões sul e sudeste, os quais monopolizam cultura, mídia e economia, fazendo com que se criem “rótulos” na maneira de falar de pessoas de regiões menos favorecidas (Nordeste, Norte e Centro-Oeste). O preconceito linguístico quanto à classe social é outra situação comum no Brasil, pois muitos usam a língua como ferramenta de dominação, visto que o desconhecimento da norma-padrão, de acordo com essas pessoas, representaria um baixo nível de qualificação profissional e colocação social.  

Não se deve desprezar esse aspecto tão importante na formação de um povo e, apesar de algumas variações linguísticas não apresentarem o mesmo prestígio social, não devemos fazer da língua um mecanismo de segregação cultural julgando determinada manifestação linguística superior a outra.  Nesse ponto, Bagno (1999, p. 9) mostra que o preconceito linguístico se dá em grande parte à confusão entre língua e gramática normativa, algo que deve ser mudado. Bagno aponta algumas origens para o preconceito linguístico, ainda tão comum, mesmo com orientações pela valorização da língua das suas variáveis:

 

Embora a língua falada pela grande maioria da população seja o português, esse português apresenta um alto grau de diversidade e de variabilidade, não só por causa da grande extensão territorial do país — que gera as diferenças regionais, bastante conhecidas e também vítimas, algumas delas, de muito preconceito —, mas principalmente por causa da trágica injustiça social que faz do Brasil o segundo país com a pior distribuição de renda em todo o mundo. São essas graves diferenças de status social que explicam a existência, em nosso país, de um verdadeiro abismo lingüístico entre os falantes das variedades não-padrão do português brasileiro. (BAGNO, 1999, p. 15).

 

            Nesse contexto, a escola e demais instituições deveriam passar a reconhecer a diversidade linguística de nosso país, desfazendo o mito de que só existe uma única língua portuguesa digna que seria a gramática normativa, considerando as demais maneiras de se expressar como errada.  Vale lembrar que não é apenas o modo de falar de certas regiões que sofre preconceito, mas também o preconceito contra a fala de determinadas classes sociais, vistas como marginalizadas.

            Como dito anteriormente, as aulas de língua portuguesa ainda pecam no desenvolvimento da competência linguística dos alunos, e tradicionalmente admite como correta apenas a norma padrão, fazendo com que haja uma confusão entre competência linguística com competência idiomática (português padrão). Vale lembrar que a língua usual não corresponde à língua idealizada pela gramática normativa, e que ensina a língua portuguesa apontando inclusive essas variações linguísticas contribui para evitar os preconceitos bem como apresentar ao educando formas de adequação de sua linguagem aos diversos contextos comunicativos. A variação linguística e o preconceito ainda são desafios a serem trabalhados em sala de aula, conforme se posiciona o pesquisador Uchôa:

 

O problema da variação linguística vem levantando muitas indagações e controvérsias no ensino atual de Português, apesar de vários e úteis trabalhos de orientação pedagógica que têm surgido entre nós, mas pouco conhecidos em geral do professorado. Não obstante tudo o que tem sido dito pela Linguística, e aos avanços particularmente da sociolinguística, convivem atualmente em nosso ensino uma forte tradição repressora [...] cuja superação continua a ser um desafio para o professor de Português – haja vista inúmeras séries didáticas que, apesar de falarem em variedade de usos linguísticos, deixam não raro transparecer o preconceito quanto aos usos não cultos – e uma tendência, igualmente redutora de encarar o fenômeno da variação, ao identificar o juízo de correto com o que é usual. Modos de dizer usuais nem sempre serão corretos ou adequados. (UCHÔA, 2000, p. 71).

 

O linguista Marcos Bagno (1999) ainda destaca três elementos que fazem com que o preconceito linguístico seja perpetuado num círculo vicioso, elementos estes que deveriam ser revistos: a gramática tradicional, os métodos de ensino e os livros didáticos.

 

Assim: a gramática tradicional inspira a prática de ensino, que por sua vez provoca o surgimento da indústria do livro didático, cujos autores — fechando o círculo — recorrem à gramática tradicional como fonte de concepções e teorias sobre a língua.  (BAGNO, 1999, p. 73).

 

            Muitas editoras, no entanto, estão buscando produzir um material didático compatível com as novas concepções pedagógicas, bem como professores empregam medidas para inserir as variações linguísticas em sala de aula, mas ainda é um trabalho lento de conscientização e combate ao preconceito linguístico. Por meio de textos literários se configura uma maneira de que o aluno possa ter contato com a variação linguística, suas funções sociais, o que amplia seu saber e possibilita fazer uso desses conhecimentos nas interações comunicativas. Assim sendo, a educação democrática é um método eficaz de combater o preconceito linguístico.

O que foi apresentado não se trata de um incentivo para que o aluno escreva “errado”, mas para que adapte seu texto às diversas circunstâncias, sabendo diferenciar a norma padrão da variedade não padrão, e aprenda a valorização do seu próprio falar, não mais como um erro ou que “não sabe falar português”, mas como uma forma popular, com origem explicada e situada historicamente. Com essa identificação e o contato com a norma padrão, o aluno passa a entender a intenção do autor ao usar determinados termos, seja para representar um grupo social, uma determinada época ou para adaptar a obra à norma culta exigida para o texto.

Nesse ponto, a adequação linguística é fundamental para o fim do preconceito linguístico, e isso parte tanto da escola como da família e da mídia. O princípio da adequação linguística é que não se fala mais em certo ou errado na avaliação de uma variedade linguística, mas sim se a variedade é adequada ou não à situação comunicativa em que se manifesta, ou seja, em um contexto formal ou solene, seria adequado o uso da linguagem formal (padrão ou culta) e inadequado o uso de uma variedade informal (coloquial). Da mesma forma, em situações informais, deve-se usar uma variante informal em detrimento da linguagem formal.

 

 

 

CONSIDERAÇÕES FINAIS

                

 

É uma falácia ainda comum a escola priorizar o processo de leitura e ensino de literatura centrado nos elementos linguísticos do texto, valorizando os aspectos gramaticais e estruturais, tornando as aulas de leitura pretextos para estudos normativos deixando de lado os significados textuais e discursivos. Os professores precisam estar conscientes do uso da língua na construção de identidades, saber mais das funções da leitura e da escrita, articular o ensino, se aproveitar dos textos literários para abandonar o preconceito linguístico.

As leituras vão ficando mais complexas com o passar dos anos escolares, o que reforça que a leitura precisa formar alunos leitores a fim de que sejam capazes de compreender os mais diversos textos literários. Para Yunes (1995), ler é interrogar as palavras, duvidar delas e ampliá-las e, nesta interação nasce o prazer de conhecer, imaginar e inventar a vida.

Documentos, como as Diretrizes Curriculares Estaduais de Língua Portuguesa, defendem que a escola deva possibilitar ao aluno condições de comunicação nas mais diversas esferas sociais. Assim como nas Propostas Político Pedagógicas e Propostas Curriculares dos colégios analisados, podemos notar que o ensino de literatura busca colaborar para que o aluno tenha conhecimento das diferentes formas de linguagem a fim de favorecer a interação social. Para tanto, é citado que professores também estejam preparados para mudanças na forma de ensinar, utilizando-se de textos literários de maneira que forme leitores capazes de compreender e desenvolver capacidades comunicativas, não apenas atrelando o texto como justificativa para ensino de regras gramaticais.

O ensino da literatura na formação de leitores e no ensino da variação linguística ainda tem sido pouco explorado, até porque estando a literatura inserida na disciplina de língua portuguesa acaba muitas vezes sendo usada como pretexto para o repasse de regras gramaticais. Outro ponto é o pouco tempo disponível para essas aulas, fazendo com que professores e alunos não possam explorar mais obras ou com mais profundidade o tema, ficando muitas vezes focado em despertar o interesse do leitor e sugestões de leituras para os alunos. Os acervos de livros presentes nas bibliotecas escolares nem sempre são capazes de suprir as necessidades educacionais de forma eficaz, há poucos exemplares de cada título ou mesmo coleções desatualizadas.

Apesar disso, vemos que há um movimento em favor do ensino da literatura em busca da formação do homem e do seu caráter. Escolas e professores estão buscando meios de que o ensino de literatura realmente forme alunos leitores, inclusive programas de revitalização de bibliotecas e aquisição de acervos literários estão fazendo com que a literatura seja valorizada e tenha uma maior parcela na formação do homem.

            Cabe lembrar que a leitura e o ensino de literatura colaboram para a diminuição do preconceito linguístico, desmitificando que é “errado” ou que a pessoa não sabe o português quando se utiliza de variações linguísticas que fogem à norma culta ou padrão imposto pela gramática normativa. O aluno deve ter acesso à norma culta, até mesmo para poder compreender textos ou poder se comunicar de forma mais eficiente nas mais diversas esferas sociais, mas também deve conhecer e compreender as variações linguísticas até para aumentar sua autoestima, bem como evitar preconceitos ou julgamentos maldosos àqueles que se expressam de maneira diferente, seja pelo local onde moram ou pelo convívio social ou cultural de determinado grupo.

Ler textos literários, enfim, é descobrir os vários mundos que habitam em um livro.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

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[1]Curso Técnico em Administração, Licenciatura em Letras Português/Espanhol pela Universidade Estadual de Ponta Grossa, graduação em Pedagogia pela Universidade Federal do Paraná.