Aos vinte e cinco dias do mês de julho do ano de mil novecentos e setenta e um, nasceu na cidade de São Paulo – SP, Fabrizzio Zanella Ramos, o filho único e legítimo de Roberto Ramos e Alba Tedeschi Zanella Ramos.

          Sua infância passou rápida como os anos, embora conturbada por alguns contratempos familiares, que mais tarde culminariam em constantes motivações pessoais

          Foi um aluno exemplar e, indiscutivelmente, aplicado. Grande parte disso vinha de seus pais, que eram rígidos e o influenciaram a explorar suas maiores qualidades, assim desenvolvidas  no colégio Boni Consilii, uma escola particular administrada pelas Irmãs Missionárias do Sagrado Coração de Jesus, fundado em 1903. Desde essa época, já manifestava um caráter questionador, repleto de opiniões categóricas, e grande domínio da matemática e das ciências, graças à sua mãe, que era contadora de uma empresa e foi um exemplo notável para si.

          Realizou seus estudos na área de Ciências Geográficas Humanas na mesma província, em 1989, mas, infelizmente, não pôde dar continuidade aos mesmos, porque eram desempenhados em uma instituição de ensino superior privado e ele não conseguia mais arcar com os custos desta. Após este ocorrido, próximo aos seus vinte anos, mudou-se para Monte Alegre do Sul, cidade esta que era destino frequente de suas férias de janeiro e julho, tendo em vista que ambas as partes de seus familiares, Tedeschi e Gritti, eram naturais deste município.

          Fabrizzio sempre teve um grande afeto pela pequena Estância Hidromineral, sobretudo, porque sua namorada, Renata Cristina Daolio, ali residia juntamente com seus pais e três irmãos. Ele com seus dezenove e ela com seus dezessete anos se encontravam na praça, onde ficavam conversando com os amigos e tocavam violão. Também  costumavam ir a um barzinho que tinha na cidade.

          Inicia-se, então, o ano de mil novecentos e noventa e um. Como não possuía ocupação naquele período, era preciso trabalhar, sair em busca de um primeiro emprego. Iniciou então sua trajetória no Censo Demográfico do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), chefiando aqueles que haviam sido designados a realizarem o recenseamento.

          Após essa fase, a vida lhe concedeu uma nova oportunidade: no ano de mil novecentos e noventa e dois, Fabrizzio prestou um concurso, passou em primeiro lugar e conseguiu ingressar na unidade escolar estadual denominada Professor Clodoveu Barbosa, exercendo o ofício de secretário. Ele viu neste concurso uma oportunidade de ficar definitivamente ali, onde permaneceu ao longo de doze anos. Contudo, enquanto trabalhava, atuava também como professor particular, sem sequer imaginar o que estaria por vir.

          Em seu tempo de lazer, conversava longas horas com os amigos, assistia seriados e filmes, jogava futebol, ouvia música, viajava e jogava videogame, uma paixão que vinha desde sua infância. Gostava também de jogar basquete na quadra da escola Clodoveu, no tempo em que algumas pessoas costumavam frequentá-la nos finais de semana, já que esta ficava aberta aos residentes do município.

          Um fator crucial em sua existência foi a descoberta de um problema cardíaco que o perseguira desde a mais tenra idade. Em meio aos seus vinte e cinco anos, foi diagnosticado com miocardiopatia hipertrófica no ventrículo esquerdo. Iniciou o tratamento, depois de ter sofrido incontáveis moléstias que o deixavam indisposto constantemente.

          Fabrizzio pressentia a chegada de uma nova fase de sua vida: participou do concurso para o Banco do Brasil, do qual foi aprovado e selecionado para atuar na agência da mesma empresa, situada na cidade de Amparo, onde desempenhou o ofício de gerente ao longo de quinze longos anos. Em razão do cargo que exercia, percebeu a importância de fazer sua primeira faculdade, que começou em 2007, cursando Administração de Empresas

          Apesar de que no início não fosse necessário, ao longo de sua carreira no Banco do Brasil, foi inevitável implantar o marca-passo, um pequeno dispositivo que é inserido sob a pele, geralmente abaixo da clavícula no lado esquerdo ou direito do peito que monitora o coração continuamente e, quando um batimento cardíaco lento é constatado, ele envia pequenos sinais elétricos indetectáveis para corrigir isso.

          Desde então, enquanto realizava o tratamento de sua enfermidade, se privou das mais diversas situações: não podia realizar esforço físico, frequentar a academia, jogar basquete (seu esporte predileto) etc. Apesar das limitações e de ter se afastado de esportes e atividades físicas, ele buscava viver normalmente.

          Diante deste contexto, ele e Renata fizeram a opção de não ter filhos, já que, quando o descobriram o problema que Fabrizzio tinha no coração, ficaram sabendo que era uma doença genética, ou seja, provavelmente, os filhos que tivessem nasceriam com a mesma doença.

          Profissionalmente, trabalhar no banco, emprego que tinha na época, tornou-se um fardo cada vez mais exaustivo. Embora estivesse estável financeiramente, o que realmente importava era ser feliz, este sentimento era insubstituível e não havia dinheiro no mundo que compensasse sua ausência.

          Sentia-se então incompleto e não podia manifestar o seu verdadeiro ‘eu’, sua pessoa era reduzida e submetida a regras estritas, das quais ele discordava. Isso ia corroendo-o interiormente, como se estivesse em chamas.

          Desejava ardentemente marcar seu corpo de forma a exteriorizar, com figuras e elementos que representassem seus gostos e crenças. Até mesmo suas expressões e falas eram controladas. Parecia que a vida real se dissipava e ele era apenas mais um indivíduo em meio a tantos outros. Não lhe era permitido demonstrar sua própria personalidade.

          Tinha saudades do tempo em que lecionava e interagia com os estudantes. Era um sentimento inexplicável que perdurou por muito tempo e ele não conseguiria mais ignorá-lo. Percebeu então que era disso que ele realmente gostava: lecionar, estar na companhia dos alunos, ter liberdade para ser quem ele realmente era...

          A obra literária “O Pequeno Príncipe” do escritor francês Antoine de Saint-Exupéry encantou Fabrizzio de modo indescritível. O que se deve principalmente ao fato de que ela aborda em várias partes os valores, princípios e crenças com os quais se identificava fielmente. A frase “Tu te tornas eternamente responsável por aquilo que cativas” chamou sua atenção de forma tão singular, que chegou a tatuá-la em seu braço. Talvez isso aconteceu porque ela explica que, quando um relacionamento é formado, seja ele amoroso ou de amizade, as pessoas se cativam e, ao cativar, são responsáveis umas pelas outras.

          Então, enquanto cursava Física, começou a dar aulas de Matemática na escola estadual Clodoveu Barbosa. Ali, iniciou uma intensa relação com os estudantes e professores. Um professor excêntrico, com um estilo único e que, agora, já tinha as tão almejadas tatuagens em seu corpo. Desde o princípio, já se destacara dentre os demais, conseguiu fazer algo não alcançado pelos outros anteriormente: cativou seus alunos de modo singular, criando laços de amizade, considerando o lado humano e imperfeito de cada um. O poder, a força, o objetivo e integridade do amor que ele tinha pelos alunos fundamentou a pessoa que ele era dentro do ambiente escolar.

          Havia finalmente se encontrado, o apreço que tinha pela profissão de educador manifestava-se através da afinidade que tinha com os estudantes que, por sinal, era recíproca. A confiança que depositavam nele aumentava a cada dia. Era visto como um pai para todos, a quem era possível contar os casos, confidências e inseguranças mais íntimas, um grande conselheiro, em razão de sua história de vida que era base dos valores que transmitia.

          Não importa aonde quer que chegasse, entrava, alegre, desprendido ao irreverente, não tinha que fazer nenhum esforço para dissimular-se. Era aquele cujo riso explosivo “espantava os pombos”, e não importava o que acontecesse, ninguém podia tirar isso dele, era inerente.

          Contudo, ele e os alunos haviam vivido juntos o suficiente para perceber que o amor era o amor em qualquer tempo e em qualquer parte, mas tanto mais densa a conexão entre eles ficava quanto mais perto da morte.

          Ninguém poderia dizer que a segunda semana do mês de maio daquele ano de dois mil e vinte e dois seria tão intensa em sua relação com os alunos. Parecia até que já pressentia o que estaria por vir.

          Ao longo daquela semana, tudo estava excelente, as aulas estavam ainda mais repletas de alegria e bom-humor, cada frase sua despertava mais risos do que o frequente, a felicidade era cada vez mais presente na sala de matemática daquela escola.

          E o tempo foi passando rápido até aquela noite de sábado, despedida onde seu coração, que tanto havia amado e recebido amor, foi parando e deixando-nos um eterno vazio e muitos ensinamentos de vida, de amor à profissão, de respeito ao próximo e da alegria de fazer escolhas que edificam o ser.

          Enfim, no dia quinze de maio de dois mil e vinte e dois, era chegado o momento em que aquela fonte que irrigava tantas almas com alegria, motivação, atenção e afeto, secaria de vez.

          Falece Fabrizzio Zanella Ramos, deixando por aqui sua esposa Renata, seu pai Roberto, familiares, seus inúmeros alunos, considerados como filhos e, no coração de cada um, a honra de ter conhecido um homem tão virtuoso, contagiante, que deixou as risadas e boas memórias em seu legado.