OS CRENTES EM JESUS CRISTO DEVEM ESTUDAR FILOSOFIA?


Por Roberto dos Santos, PhD

No Dicionário Básico de Filosofia, 3ª edição revista e ampliada de Jorge Zahar Editor, lemos: "É difícil dar-se uma definição genérica de filosofia, já que esta varia não só quanto a cada filósofo ou corrente filosófica, mas também em relação a cada período histórico. Atribui-se a Pitágoras a distinção entre Sophia, o saber, e philosophia, que seria a "amizade ao saber", a busca do saber. Com isso se estabeleceu, desde sua origem, uma diferença de natureza entre a ciência, enquanto saber especifico, conhecimento sobre o domínio do real, e a filosofia que teria um caráter mais geral, mais abstrato, mas reflexivo, no sentido da busca dos princípios que tornam possível o próprio saber". Tomando por base tal definição, fica mais fácil delinearmos a nossa reflexão sobre os cristãos e a prática da filosofia.

Nossa visão de mundo, a nossa filosofia de vida - a combinação de nossos pontos de vista em todas as áreas: religião, história, ciência, ética etc. - é, portanto, claramente de importância fundamental para a construção do pensamento teológico e a metodologia de evangelismo em um mundo pós-moderno.

Algumas pessoas estudam filosofia em profundidade, de forma geral, ou em uma área específica (por exemplo, a hermenêutica filosófica), e até mesmo procuram obter o grau de doutorado em filosofia como é o caso dos grandes filósofos e docentes do pensamento humano. Embora alguns dos pensamentos e conclusões dos filósofos profissionais podem ser muito complexos, eles muitas vezes acabam sendo assimilados "inconscientemente" pelo pensamento cultural da sociedade. Um exemplo clássico disto pode ser encontrado na afirmação de Immanuel Kant (1724-1804) que nada poderia ser objetivamente conhecido sobre Deus. Desde o pensamento do filósofo Kant, algumas questões relacionadas a Deus, as Escrituras e a teologia clássica têm sido profundamente revistas, uma vez que depois de Kant a filosofia passa a ser uma disciplina rigorosa e desafiadora para os estudos da fé cristã devido a sua metodologia. No entanto, muitos professores de filosofia ou mesmo teólogos entendem muito pouco do pensamento de Kant.

Embora todos nós temos nossos próprios pontos de vista filosóficos, muitos cristãos estão inseguros como envolver-se no estudo da filosofia, de encarar diferentes visões de mundo, de forma geral ou em particular. Um texto bíblico que pode explicar a sua atitude é o Colossenses 2:8: "Tende cuidado para que ninguém vos faça presa sua, por meio de filosofias e vãs sutilezas, segundo a tradição dos homens, segundo os rudimentos do mundo e não segundo Cristo." Tertuliano (150-230 AD c), talvez, dentro da história da igreja, foi um dos poucos que advertiu a igreja acerca do mau uso da filosofia em relação à fé cristã. Ele declarou: "Que tem Atenas a ver com Roma?" Tal declaração de um dos maiores teólogos da igreja antiga tem influenciado a caminha racional de muitos professores cristãos e crentes comuns, trazendo freqüentemente reflexões negativas em palestras, conferências, sermões e até em obras teológicas, induzindo que a filosofia e o cristianismo não têm nada em comum entre si. Mas será, realmente, que o apostolo Paulo proibiu aos cristãos que analisarem, filosoficamente, outras idéias sobre o pensamento do mundo? Até que ponto a filosofia é saudável como critica do mundo em relação à fé cristã? Devemos entender o pensamento do apostolo para não sairmos por aí dizendo que a Bíblia proíbe, terminantemente, o estudo da filosofia, bem como sua análise do mundo como parte integrante da forma de raciocínio dos cristãos atuais.

Os escritos de Paulo estão repletos de abordagens filosóficas e ele não temeu discutir a doutrina de Cristo ou a verdade do evangelho quando enfrentou outras idéias e filosofias do seu tempo (cf. Atos 17, por exemplo). É obvio que Paulo em suas discussões sempre esteve consciente do que, exatamente, ele costumava a enfrentar no exercício do seu ministério internacional! Será que a educação que o apostolo Paulo obteve com os seus professores na academia de formação de fariseus não tenha recebido instruções, por exemplo, sobre a filosofia dos estóicos e epicuristas?

Eu entendo que a exortação de Paulo se refere ao cuidado que precisamos ter para que não sejamos enganados com as idéias do mundo e com as quais, inevitavelmente, entramos em contato. Trata-se da filosofia baseada na hermenêutica do homem natural, de uma interpretação da realidade que descarta a possibilidade da manifestação de Deus na história ou mesmo da ação divina no mundo. Mas por incrível que pareça é apenas uma parte da critica filosófica que a igreja enfrenta quando é questionada acerca da esperança cristã.

O método filosófico procura explicar os efeitos através das suas causas ou princípios: é essencialmente o método da metafísica. E é exatamente a metafísica que é questionada pelo mundo pós-moderno, porque ela é parte curricular da educação teológica por explicar dentro de uma visão analógica o problema da existência de Deus e tudo aquilo que está relacionada à origem do universo e do homem, bem como a redenção e o fim da história com base nos pressupostos bíblicos.

É minha opinião que o sucesso de nossa missão para atuar como sal e luz no mundo, muitas vezes, dependem da maneira como conhecemos os nossos grandes desafios. E a partir do momento que conhecemos as idéias do mundo ou dos grandes sistemas de pensamento é que teremos capacidade de enfrentar a critica do nosso tempo e darmos uma resposta segura e confiável. Sendo assim, não é proibido o estudo da filosofia ou de qualquer outra ciência como sociologia, política e física, desde que o principio orientador da fé permaneça a revelação de Jesus Cristo ensinada nas Escrituras. Tudo o que posso aconselhar em resposta a ao perigo das idéias do nosso tempo é que não devemos nos deixar intimidar pelas forças contrárias a verdade da Palavra de Deus. Paulo adverte, mas não coíbe o crente de conhecer a forma de pensamento do seu tempo. Por outro lado, a nossa compreensão sobre as diferentes visões de mundo vai nos ajudar a conhecer os pontos fracos desses sistemas de pensamento e de prepararmos para formularmos argumentos contra argumentos ou sofismas que muita das vezes nos cercam. "É válido deixarmos aqui como estimulo a filosofia cristã o caráter da pregação evangélica dito pelo apostolo Paulo aos irmãos em Corinto: 1." E eu, irmãos , quando fui ter convosco, anunciando-vos o testemunho de Deus, não fui com sublimidade de palavras ou de sabedoria. 2. Porque nada me propus saber entre vós, senão a Jesus Cristo e este crucificado. 3. E eu estive convosco em fraqueza , e em temor , e em grande tremor. 4. A minha palavra e a minha pregação não consistiram em palavras persuasivas de sabedoria humana , mas em demonstração do Espírito e de poder. 1 Coríntios 2.1-4.