Nos anos finais da graduação e durante todo o mestrado, dediquei-me ao estudo de cosmologia, uma área da física dedicada ao estuo da origem e evolução do Universo. Segundo o consenso atual, após o Big Bang, o universo passa por um breve período de expansão acelerada conhecido como inflação, sendo este período inflacionário dirigido por um campo escalar chamado de inflaton.  Após a inflação, o universo encontra-se vazio, passando, então, por um período conhecido como reaquecimento, onde partículas de altas energias são criadas. Neste momento, o universo torna-se extremamente quente, impedindo a formação de estruturas mais complexas, como os átomos.

      Nos 370 mil anos que seguem, o universo expande, esfria, entrando na era da recombinação, onde átomos podem, então, ser formados. Perturbações na densidade de energia produzem as condições necessárias para a formação de macroestruturas em larga escala, como galáxias, estrelas e aglomerados. Esta formação se 1,2 bilhão de anos após o Big Bang. O universo passa a ter o aspecto semelhante ao que vemos atualmente.

      Embora a linguagem científica se apresente extremamente técnica e sofisticada, ela guarda uma relação muito forte e direta com as palavras de Gênesis 1:1, que diz que “no princípio, criou Deus os céus e a terra”, que refletem a nossa admiração e espanto diante da grandiosidade do universo a nossa volta e, essa mesma admiração serve como motivação para a busca de explicações acerca da sua origem.

      O que desejamos destacar com essa breve explanação, é que a natureza sempre provocou um grande espanto reverente no homem, muitas vezes um verdadeiro temor diante da natureza intrigante que o circundava. Esse espanto o levou a desenvolver possíveis explicações para os fenômenos naturais. Como a sua base de conhecimentos era ainda precária para o desenvolvimento de argumentações racionais*, as primeiras teorias deram origem à mitologia.

      Neste momento, talvez você se pergunte qual o objetivo desta reflexão preliminar. Pois bem, o que, na verdade desejo abordar é que, desde os primórdios da história da humanidade, o homem sempre buscou compreender o Universo a sua volta, bem como sobre a sua própria posição neste universo. Quando percebe ser, entre milhões de outros seres vivos, o único capaz de questionar sobre a própria existência, o homem percebe ocupar uma posição ímpar na Terra. A conclusão lógica a qual o homem chegou é de que não estava aqui por acaso, mas que possuía um propósito em sua existência. A busca por um “sentido na vida” levou ao desenvolvimento racional e suas ramificações, a filosofia e a ciência.

      Com o advento da escrita, o homem pode registrar suas reflexões e descobertas, possibilitando a transmissão, de forma mais precisa, do conhecimento obtido para as gerações futuras. É neste contexto que chegamos ao livro conhecido como Bíblia Sagrada ou Sagradas Escrituras, como sendo um produto do desejo dos seres humanos em transmitir os conhecimentos adquiridos.

      Já por séculos, a Bíblia é o livro mais vendido do mundo, o que não é surpresa, tendo em vista ser a Bíblia o livro sagrado do cristianismo, a religião mais numerosa da terra. Porém, para muitos, inclusive muitos cristãos, este livro possui um caráter meramente figurativo. Alega-se que a Bíblia é um conjunto de livros antigos e de conhecimentos ultrapassados. No entanto, minha experiência pessoal como cristão praticante por duas décadas (embora não o seja mais hoje em dia), e zeloso estudante das Escrituras, tenho a plena convicção de que podemos extrair boas doses de sabedoria deste livro. Segundo a própria Bíblia, “ Toda a Escritura é inspirada por Deus”. Neste ponto, creio que seja interessante fazer uma reflexão acerca dessa ‘inspiração divina’.

      Para o crente, Deus é o autor da Bíblia, que usou de seu espírito santo para inspirar homens fiéis a registrar as suas palavras. Embora permitisse uma certa liberdade de vocabulário a ser utilizado, Deus escolheria o tema e o tom com que este deveria ser proferido. Fica evidente que, para o não crente, o reconhecimento do valor das Escrituras não vem de forma tão automática, uma vez que estes não creem sequer na existência de um Deus de sabedoria infinita, quanto mais em que este inspirou a escrita de um livro. Existem outras objeções como as envolvendo possíveis alterações de sentido do texto original por erros de tradução ou mesmo traduções teologicamente enviesadas. No entanto, há uma forma de encararmos a inspiração da parte de Deus que pode ser mais atraente e aceitável também para o não crente.

      Podemos pensar na inspiração para a Bíblia como sendo proveniente, não da pessoa de Deus, mas do conceito de Deus. Como assim? Como falamos anteriormente, o homem contemplava a natureza com assombro e temor. Na falta dos meios necessários para o desenvolvimento de uma explicação racional e científica para os fenômenos naturais, o homem desenvolve o mito, um ser a ele mesmo semelhante, porém muito mais poderoso e sábio. Estes deuses controlam os fenômenos naturais. A ideia vai sendo aprimorada com o tempo. De vários deuses, passamos a ter um único que engloba em si o poder de originar e controlar a natureza. O homem passa, então, a se questionar sobre a mente de Deus. Como pensaria um ser todo poderoso? Quais seriam os seus valores? Como seria o seu temperamento? No momento em que o homem passa a tentar entender, ou desenvolver a mentalidade divina, ele eleva o seu próprio pensamento a um nível superior de análise e reflexão. Ele passa a encarar a si mesmo e a natureza com o olhar divino. O Deus que o homem concebeu passa a fazer parte do seu ser e, deste modo, passa a ser a inspiração para o seu pensamento.

     Por exemplo, ao contemplar os demais animais na face da Terra, o homem percebe de forma clara o que diferencia a sua espécie das demais, que, neste caso, é a sua capacidade de racionar abstratamente sobre o mundo, de questionar sobre a própria existência ou sobre a existência de um criador perfeito. Ao comparar-se com os demais seres vivos, o homem se percebe como sendo mais fraco, menos habilidoso, menos veloz. Porém, essas desvantagens físicas são compensadas com uma grande vantagem intelectual, que permite ao homem sujeitar à sua autoridade estes animais.

      Neste momento, o homem passa a olhar para si mesmo e perceber que ocupa uma posição especial na Terra. Para os demais seres vivos, ele é um Deus. Ele passa a enxergar a si mesmo como refletindo as qualidades divinas. Deus é como ele só que em escala superlativa. Esse conceito de Deus como sendo um homem melhorado, sem defeitos e imortal, serve de inspiração para o homem. Ele observa o mundo e se pergunta: “Como Deus encara este problema? Como Deus o resolveria?”. E assim, inspirado por essa ideia de um Deus com características humanas, mas sem os seus defeitos, o homem desenvolve seus escritos sagrados, entre eles, a Bíblia.

     Assim, podemos encarar a inspiração divina da Bíblia como uma tentativa do homem de enxergar o mundo com os olhos de Deus. E, desta forma, muitas reflexões profundas são registradas nas páginas deste livro antigo. Centenas de anos de reflexões sobre as atitudes humanas e as suas consequências encontram-se ao alcance de nossas mãos. Podemos contemplar o que deu e o que não deu certo ao longo das eras. Vale ainda ressaltar que, do ponto de vista evolutivo, os cerca de três mil anos de idade da Bíblia representam um curto período de tempo. Nenhuma mudança evolutiva significativa pode ser observada no ser humano em um tempo tão curto. Isso significa que a essência do homem pouco mudou neste período de tempo. Óbvio que hoje observamos um mundo mais tecnológico, mais sofisticado. A realizações humanas foram surpreendentes. Mas, insisto, o homem pouco mudou. Seus anseios, temores e preocupações continuam os mesmos.

     A nossa proposta é mostrar como assuntos presentes na Bíblia podem conduzir a profundas reflexões filosóficas, resultando em muito aprendizado para os que estiverem dispostos a encarar o desafio de estudá-la. Procuraremos apresentar, de forma regular, a visão dos escritores bíblicos sobre assuntos de preocupação para todos nós. Sempre que for necessário ou pertinente, apresentaremos os que diz a ciência moderna sobre o assunto.