A importância dos mortos em uma sociedade paralisada

A morte é algo necessário ao ser humano, e inevitável, muitos só conseguem chegar a tão sonhada glória após a morte, alguns, mesmo não estando vivos permanecem e dominam a vida das pessoas, enquanto outros, ainda vivos, vivem como se estivessem mortos. No conto “The death” de James Joyce que trata da mortalidade do ser humano, podemos ver alguns desses casos onde a morte passa a ser vista com naturalidade, algumas vezes até desejada.

O conto retrata a paralisia social e moral de uma sociedade onde as pessoas não possuem a inteligência que tinham seus antepassados, e vivem de lembranças e recordações, ou seja, é uma sociedade em que os mortos tem mais poder do que os próprios vivos.

Temos a descrição de uma festa onde nada de interessante acontece, há um grande número de personagens e os diálogos são sempre interrompidos, sem resolução do assunto em questão, para que não haja discussões. Gabriel é o personagem principal, é visto como o intelectual da festa. Está presente na maioria dos diálogos , é um homem culto, de opiniões fortes, e é escolhido para fazer um discurso na festa, onde faz uma comparação entre a geração passada e a nova.

A new generation is growing up in our midst, a generation actuated by new ideas and new principles. It is serious and enthusiastic for these new ideas and its enthusiasm, even when it is misdirected, is, I believe, in the main sincere. But we are living in a skeptical and, if I may use the phrase, a thought-tormented age: and sometimes I fear that this new generation, educated or hypereducated as it is, will lack those qualities of humanity, of hospitality, of kindly humour wich belonged to an older day. Listening to -night to the names of all those great singers of the past it seemed to me, I must confess, that we were living in a less spacious age. Those days might, without exaggeration, be called spacious days: and if they are gone beyond recall let us hope, at least,  that in gatherings such as this we shall still speak of them with pride and affection, still cherish in our hearts the memory of those dead and gone great ones whose fame the world will not willingly let die. ( JOYCE, 1985, p.183)

A partir do seu discurso Gabriel deixa claro sua opinião sobre a importância dos mortos, pois à medida que o tempo passa as pessoas perdem sua criatividade, identidade e o fato de morrerem fisicamente, não quer dizer que eles perderam o lugar e espaço no mundo e na mente das pessoas, pois os seus feitos são valiosos e muito nos ensinam, em outras palavras, o mundo necessita da memória daqueles que já se foram.

Gabriel se mostra a favor de relembrarmos e utilizarmos os feitos dos mortos e suas ações passadas, mas sem tratá-los como se ainda estivessem vivos, enquanto existem pessoas vivas que necessitam de carinho, e fala algo que poderia referir se mais tarde a Gretta, sua esposa:

Our path through life is strewn with many such sad memories: and were to brood upon them always we could not find the heart to go on bravely with our work among the living. We have all of us living duties and living affections which claim, and rightly claim, our strenuous endeavours.( JOYCE, 1985, p.183)

Em vários momentos do conto, se faz alusão à morte, deixando subentendido que seja ela algo bom, sendo a solução para todos os problemas, e que a vida após a morte recompensa qualquer supressão dos prazeres que a vida terrena tem a oferecer, pois muitas pessoas viviam a espera da morte ou da vida após a morte. “He was astonished to hear that the monks never spoke, got up at two in the morning and slept in their coffins”. (JOYCE, 1985, p. 181).

A visão que Gabriel tinha sobre os mortos que eles tinham mais poder do que os vivos mostra-se claramente na descoberta do passado de sua esposa, até então para ele oculto, ao voltar da festa cheio de desejos por ela, Gretta permanecia pensativa, ele descobre que há alguém entre os dois e o que é pior, alguém que ele não podia competir, pois Michael, um amor da juventude, já estava morto, mais ainda fazia parte das lembranças e do coração de Gretta, que ainda sofre de remorso por acha que ela foi a culpada pela morte dele. A partir dessa descoberta o desejo de Gabriel se distancia dando lugar a frustração, então ele percebe que o morto é mais importante  do que ele para a esposa. E após essa descoberta, Gabriel começa a refletir sobre a rápida passagem da vida fazendo algumas previsões:

Poor Aunt Julia! She, too, would soon be a shade with the shade of Patrick Morkan and his horse. He had caught that haggard look upon her face for a moment when she was singing Arrayed for the Bridal. (JOYCE, 1985, p. 200)

Para Gabriel a morte passava agora a ser algo natural, seria melhor morrer jovem no auge da vida e de uma paixão, assim como foi Michael Furey e ser lembrado, do que já estar velho, sem encanto e acabar sendo esquecido.

O tempo estava passando e estavam todos envelhecendo, e a morte já começa a rodeá-los, estavam todos indo ao encontro dela, e de repente tudo seria neve. A neve presente em vários momentos do conto nos remete ao final, a morte. Embora que para Gabriel a morte não significasse o final, era hora de se preparar para partir.

Podemos perceber neste conto, uma ironia muito clara, pois dentre todos aqueles que faziam parte daquela sociedade paralisada Gabriel era o que estava mais vivo, porém o coração da sua esposa era dominado por um morto.

Bibliografia

 

JOYCE, James. Dubliners. London: Granada, 1985, p. 161-201.