Resumo e Análise da Obra “Vinte e Zinco” de Mia Couto

Helena Francisco Sevene

Resumo:

A obra “Vinte e Zinco” pertence a uma figura emblemática moçambicana que se destaca na literatura, particularmente na escrita. Esta figura chama-se António Emílio Leite Couto, mais conhecido pelo seu pseudónimo Mia Couto. O romance foi publicado em 1999 pela editora Caminho em Portugal.

No livro “Vinte e Zinco” as personagens estão organizadas em duas classes sociais, nomeadamente: “ a Classe Dominante” e “ a Classe Dominada”. A primeira classe corresponde aos portugueses e, é constituída pelas seguintes personagens: Joaquim de Castro, Lourenço de Castro, Margarida, Irene, doutor Peixoto, padre Ramos, agente Diamantino e o administrador Marques. A segunda classe corresponde aos moçambicanos e, é constituída pelas seguintes personagens: o cego Anderé Tchuvisco, Jessumina, Marcelino e os presidiários.

O romance relata a história de um povo português que se instala no território moçambicano no período colonial. Lourenço de Castro (o protagonista) é filho de Joaquim de Castro e Dona Margarida, exercia a função de inspector da PIDE (Polícia Internacional e de Defesa do Estado), para provar ao pai que podia exercer a função com estatuto. Esta personagem veio junto com a sua família instalar-se em Moçambique, particularmente na Vila de Moebase em missão de serviço. Importa também referir que Lourenço e os outros brancos nunca simpatizaram com os negros porque acreditavam que tudo que acontecia de mau, tinha relação com os negros, ou seja, os negros atraiam maus espíritos. Desde a morte do seu pai, Lourenço vivia momentos de terror, pois, quando dormia as suas noites resumiam-se num pesadelo. Ele também apresentava algumas feridas no corpo que sangravam de uma forma inexplicável. Sendo assim, acusava os africanos, especificamente o cego Anderé Tchuvisco de enfeitiçar a sua vida. E a Dona Margarida inconformada com o sofrimento do filho, pela primeira vez há 20 anos instalada naquela região, decidiu buscar ajuda aos africanos. Procurou a curandeira Jessumina e apresentou o problema do filho. Desta forma, a curandeira disse que o sofrimento do filho deve-se ao facto de não terem feito devidamente o enterro de Joaquim de Castro, ou seja, apenas sepultaram o corpo e não seguiram com os rituais necessários que permitem a sua ida em paz. Por isso Joaquim não encontrou paz a sua alma, por consequência disso, paira em forma de fantasma.

Irene é a irmã da Dona Margarida e tia de Lourenço, veio para Moçambique quando a irmã perdeu o seu marido, para dividir a solidão. Irene era uma mulher muito bonita, jovem e com uma alegria contagiante, capaz de deixar qualquer homem louco com as suas curvas, porém era louca. Diferente dos outros brancos, Irene valorizava a cultura moçambicana, a raça negra e nas suas crenças culturais. Ela visitava as curandeiras da região sem a permissão da sua família e chegou a ter um relacionamento amoroso com um mulato mecânico que se chamava Marcelino. Mas, a sua família não gostava dessa ideia dela namorar um negro, só que acabou aceitando porque ela era uma louca. Entretanto, o relacionamento teve fim quando descobriram que Irene e Marcelino facultavam informações da PIDE à FRELIMO (Frente de Libertação de Moçambique). Assim, Irene foi brutalmente espancada pela polícia da PIDE e o Marcelino foi preso, torturado até perder os sentidos. Depois do sucedido, Marcelino optou por um suicídio, cortando os seus órgãos genitais com um osso.

Para além das personagens mencionadas acima, existe o cego Anderé Tchuvisco que é um moçambicano obrigado a dizer que ele é cego de natureza, uma realidade não verdadeira. Tchuvisco era pintor das celas da PIDE, pois retractava muito bem nas telas a realidade vivida naquele lugar. Mas um dia de trabalho, Tchuvisco chega às instalações da PIDE e depara-se com uma situação constrangedora, era o seu chefe Joaquim de Castro que forçava relações sexuais com reclusos daquela prisão. O inspector Joaquim ficou assustado, mas não pelo facto de estar a violar os reclusos, pois aquele abuso sexual era habitual nas cadeias, mas sim, por estar a violar homens negros. Entretanto, ele dizia não simpatizar com a raça negra. Tchuvisco assustado diz ao chefe que não viu nada e o chefe reitera que não viu nada mesmo. Para garantir que o negro não o denunciasse, foi obrigado a esfregar os olhos com uma erva que provoca cegueira. Assim tornou-se cego, mas não por completo, porque ainda via sombras. Deste modo, foi obrigado a sair de uma região para outra região e afirmar para as pessoas que era cego de nascença. O que não constituía verdade. Quando o Lourenço de Castro tentou aproximar-se do cego, ele contou a causa da sua cegueira e que não era completamente cego. O inspector suspeitava que a cegueira de Anderé podia ser falsa. Mas, o inspector da PIDE ficou incrédulo perante o relato e do comportamento desprezível do pai. Lourenço era um homem muito sensível diferente do pai, não conseguia cometer tamanha barbaridade como o seu pai fazia. Mesmo na prisão Lourenço era incapaz de torturar uma pessoa até a morte, logo, essa actividade era deixada para os seus companheiros de trabalho Chico Soco-Soco e Diamantino.

Passado um período, em Portugal houve golpe de Estado e isso era um prenúncio de uma nova vida para os moçambicanos. Uma vez que Portugal tinha perdido o poder, a dona Margarida pediu para que o filho libertasse todos os preso nas celas da PIDE daquela região, mas o filho não aceitou o pedido da mãe, alegando que ele não tinha esse poder. O PIDE é aconselhado a fugir daquela região com a dona Margarida pela Jessumina e Tchuvisco, mas ele não aceitou e Jessumina consegue ajudar a dona Margarida a fugir. É neste memento que o PIDE decidiu libertar os presos da sua prisão, mas percebeu que era tarde para fazer aquilo pessoalmente, pois podiam matá-lo, desta forma, o cego anderé disponibilizou-se a fazer isso por ele. O povo soube do golpe de Estado em Portugal e foi invadir a prisão. Quando Anderé Tchuvisco chegou à cadeia da PIDE para declarar a liberdade dos reclusos oficialmente. A população enfurecida tinha-se vigado dos fuzileiros daquelas celas sem misericórdia. Anderé Tchuvisco perguntou: vocês mataram o chico? Vocês mataram o Lourenço de Castro? E eles responderam que cada um mata o dele. Sim, nós matamos o inspector negro e o outro não sabemos quem matou, mas com aquela resposta dava para perceber que quem matou o Lourenço era um branco. E Tchuvisco ficou sem saber quem tinha matado Lourenço de Castro. Mas ele suspeitou que tivesse sido uma mulher que usava um perfume muito familiar. Para apagar os vestígios de sangue naquela cadeia, Tchuvisco pegou um pincel e um balde de tinta e pintou as celas. Uma coisa estava mais do que evidente, os portugueses já tinham abandonado o território e o moçambicano tinha ganhado a sua liberdade.


Análise da obra tendo em conta a cultura moçambicana

Para iniciarmos a análise desta obra, temos de olhar em primeiro lugar para o título “Vinte e Zinco” que é constituído por um numeral cardinal “Vinte”, substantivo ‘’Zinco’’ e uma conjunção copulativa “e” que é usada para ligar os dois elementos. O título ‘‘Vinte e Zinco’’ pode significar o dia em que Moçambique alcançou a sua independência, depois dos dez anos de dominação portuguesa no território moçambicano. Apesar de isso não estar expresso no texto de uma forma tácita, a leitura induz-nos a esta interpretação. Mas o termo Zinco, pode também significar residências usadas pelos negros no período colonial e actualmente em algumas partes do país. Estas residências eram erguidas com base em madeira e zinco. E de seguida podemos olhar para o próprio texto.

O livro em análise retrata a vida dos moçambicanos após a chegada dos portugueses neste território e até a libertação de Moçambique. Neste sentido, verificamos dois cenários deferentes que são representados pelos portugueses (Classe Dominante) e pelos moçambicanos (Classe Dominada). As diferenças dessas duas classes estão bem evidentes, pois os portugueses são os mais importantes, e devem ocupar cargos de grande prestígio na sociedade, sendo assim, o moçambicano ou africano é tido como subalterno perante o português. Vivendo numa situação de extrema submissão. Este cenário pode ser visto nas seguintes personagens: Joaquim de Castro, Lourenço de Castro e cego Tchuvisco. Os da família Castro que representa a Classe Dominante ocuparam cargos de chefe da PIDE e inspector da PIDE, enquanto o cego Tchuvisco que representa o povo moçambicano era um mísero pintor de celas e que foi submetido à uma nova realidade. Como vemos, a história apresenta-nos a cultura europeia como também a cultura moçambicana, mas o que está em destaque nesta análise é a cultura moçambicana.

Assim, “Vinte e Zinco” apresenta como primeira evidência da cultura moçambicana a Feitiçaria e o Curandeirismo, que podemos visualizar a feitiçaria na figura de Lourenço de Castro, quando é atormentado nos seus sonhos e as feridas inexplicáveis no seu corpo. Mas durante o sofrimento, os portugueses acabam recorrendo aos africanos, em particular a curandeira Jessumina para prover soluções as suas inquietações. Mas uma vez que o africano é um ser sobrenatural e dotado de conhecimentos da natureza, acaba encontrando soluções para os seus problemas.

A segunda evidência da cultura moçambicana é o kuphahla, pois, ao desenrolar da história vimos que o inspector Joaquim de Castro e Marcelino morrem. Porém, Joaquim de Castro não encontra tranquilidade para a sua alma, ao contrário de Marcelino que encontra a paz eterna à sua alma. Isto deve-se aos seus hábitos e costumes diferentes. Uma vez que o português tinha cometido muitos pecados para com os africanos e ao morrer foi inteirado naquelas terras africanas, deviam-se seguir todos os procedimentos do ritual de morte, de maneira a permitir o seu descanso eterno. Mas os portugueses não acreditavam nessas crenças africanas. Como prova desse conhecimento sobrenatural, o Tchuvisco afirmava categoricamente que tinha um poder sobrenatural capaz de ver sombras e falar com os ancestrais, todavia, o português duvidava dessas capacidades acusando-o de bruxaria. Uma acusação que não constituía verdade, porque o africano por sua natureza evoca os seus ancestrais e vê o que os outros não conseguem ver.

O terceiro cenário pode não constituir uma cultura moçambicana, mas achei relevante levantar essa questão, por ser uma prática cultivada em todo canto do mundo, a Violação Sexual. A violação sexual tem sindo uma prática comum na cultura moçambicana e para as outras culturas, afectando crianças, adultos e velhos de ambos os géneros. Nalgumas situações essas pessoas são vítimas dessa violação e acabam não denunciando porque o abusador nalgum momento, pertence a uma família de elite ou por temer um assassinato. Contudo, a passagem que mostra violação sexual no texto é quando o cego Tchuvisco flagra Joaquim de Casto a forcar relações sexuais com um presidiário daquela prisão e de pele negra. E para o azar da pessoa que é violentada a justiça acaba não sendo feita porque não tem onde denunciar, pois o agressor é a própria autoridade, uma situação bastante constrangedora.

A última evidência de uma cultura moçambicana neste romance é a Submissão, pois a figura do moçambicano mostrou-se submissa ao português. Mas esta submissão acontece de uma forma imposta por causa das condições de vida ou estatuto social que o moçambicano se encontra.