ORIGEM E CONCEITO DE ARQUIVO

Walter Brito dos Santos Gunza[1]

[email protected]

Luanda, Angola - 2018

Desde tempos idos que os arquivos são parte fundamental de todas as instituições. Na verdade, as práticas arquivísticas remontam desde os tempos primitivos, isso se levar-se em conta “o homem pré-histórico que registrava seu cotidiano no interior das grutas e cavernas, em forma de desenhos e pinturas”, sendo encarado como arquivo, neste caso genérico, ‘todo o registro que representa a existência de um povo ou conta a história de um acontecimento’ (Hora, Saturnino, & Santos, 2010).

Apesar de ser difícil identificar sua origem real, como indicam alguns autores, o certo é que estes locais surgiram quando “os sistemas de escrita também foram sofrendo modificações até a invenção da escrita fonética, ou seja, até a invenção do alfabeto” (Freiberger, 2012, p. 13) resultando na origem e desenvolvimento de documentos desde placas de argila, papiro, pergaminho, papel até aos variadíssimos suportes e conteúdos usados hoje, o que, consequentemente, devido a produção massiva que foi se verificando, resultou também na necessidade de guarda e organização destes documentos em locais que se desenvolveram até alcançar o status do Arquivo tal como conhecemos hoje (Porto, 2013). São exemplos destes locais o edifício especial construído pelos Hititas no Séc. XIV a.C. para a guarda de documentos, e também o Palácio de Ebla na Síria e o Arquivo do Templo de Medinet no Egito no Séc. XII a.C. (Hora, Saturnino, & Santos, 2010). Com respeito a isso, vale ainda destacar o registo bíblico em Esdras (capítulo 6, versículo 1), escrito entre 456 e 444 a.C., em que “o rei Dario deu ordem, e uma busca se fez nos arquivos reais da Babilônia, onde se guardavam os documentos” (Calderon, Cornelsen, Pavezi, & Lopes, 2004, p. 97). Este relato comprova a existência premente dos arquivos.

Quanto à origem do termo arquivo, Silva (2008, p. 9) menciona que segundo Paes (2005) o termo arquivo tem origem do latim Archivum; termo utilizado para se referir ao “lugar de guarda de documentos e outros títulos” com o objctivo de “preservar as informações criadas tanto pelo homem como pelas instituições”. Contudo, existe também a versão em que alguns afirmam que o termo arquivo tenha “surgido na antiga Grécia, com a denominação arché, atribuída ao palácio dos magistrados. Daí evoluiu para archeion” (Freiberger, 2012, p. 14), que seria composto de dois elementos: ARKHAIOS – antigo – e EPO – dispor, ter cuidado – sendo que Arquivo literalmente significaria, portanto, a arrumação de coisas antigas, mas que nesse caso era o local de produção, guarda e depósito dos documentos governamentais (Hora, Saturnino, & Santos, 2010). No entanto, alguns arquivistas acrescentam que esta ideia parece não corresponder à realidade; afirmam que “a designação deste serviço nada tem a ver com o étimo archeion, de onde mais tarde derivou a palavra arquivo. Embora de origem grega, a sua aplicação com este sentido é relativamente tardia” (Porto, 2013, p. 13).

Porto (2013) menciona também o termo “Tabularium” por parte do povo romano como sendo também uma designação para o arquivo como espaço ou serviço onde eram conservados os documentos antigos; mais tarde esse lugar passou a ser designado por “archiuium”, designação que coerentemente equivale ao termo arquivo em português.

Contudo, apesar da diferença registada na origem do termo, pode-se verificar que todas têm o mesmo sentido: designam o local utilizado na antiguidade para o controle da produção e guarda de documentos para preservação da informação neles contido possibilitando uma posterior recuperação da mesma informação.

Nesse sentido, por definição, a Associação de Arquivistas Brasileiros, segundo Martins (1998, p. 4), escreve: “Arquivo é o conjunto de documentos que, independentemente da natureza ou do suporte, são reunidos por acumulação ao longo das atividades de pessoas físicas ou jurídicas, públicas ou privadas”.

A partir deste ponto, entende-se logo que toda a Organização, qualquer que seja, terá em suas instalações um arquivo, afinal, este representa todos os documentos que justificam, provam, confirmam os processos ou actividades que se desenvolvem nas instituições quando estas desempenham as suas funções para atingir os seus objetivos. A título de exemplo, a autora cita “os conjuntos de atas de reuniões da Diretoria, de projetos de pesquisa e de relatórios de atividades, mais os conjuntos de prontuários médicos, de boletins de notas, de fotografias etc.”, como parte constituintes dos documentos que formam o arquivo (Martins, 1998, p. 4).

Seguindo a mesma linha conceitual, mas desta vez de forma mais detalhada, arquivos também podem ser entendidos como “conjunto de documentos produzidos e/ou recebidos por órgãos públicos, instituições de caráter público, entidades privadas e pessoas físicas em decorrência do exercício de suas atividades, qualquer que seja o suporte da informação” (UFFS, 2010, p. 6).

Esta segunda definição esclarece que o ‘conjunto de documentos [acumulados]’ é resultado da “produção e/ou recepção” realizadas por determinada entidade. Desse modo, identificam-se pelo menos duas procedências dos documentos arquivísticos: dentro e fora da Instituição, sendo estas procedências, que resultam dos processos para se atingir a missão, as responsáveis pela criação do arquivo (Rodrigues, 2006).

Outra questão que se verifica ainda com base nas duas definições ora apresentadas é que tais documentos são diferentes dos demais documentos que conhecemos no sentido de que estes são resultado do registro das actividades desenvolvidas pela Organização, e não de um processo intelectual, como ocorre com boa parte de outros documentos. Com respeito a isso, a UFFS (2010, p. 10) diz que Documento “é toda informação registrada em um suporte material, suscetível de ser utilizada para consulta, estudo, prova e pesquisa, pois comprovam fatos, fenômenos, formas de vida e pensamentos do homem numa determinada época ou lugar”. Mas, para os documentos de Arquivo, a mesma fonte descreve-os dizendo:

São todos os que, produzidos e/ou recebidos por uma pessoa física ou jurídica, pública ou privada, no exercício de suas atividades, constituem elementos de prova ou de informação. Formam um conjunto orgânico, refletindo as atividades a que se vinculam, expressando os atos de seus produtores no exercício de suas funções. Assim, a razão de sua origem ou a função pela qual são produzidos é que determina a sua condição de documento de arquivo e não a natureza do suporte ou formato (UFFS, 2010, p. 10).

Desse modo, compreende-se uma particularidade por parte destes documentos que vão parar nos arquivos das instituições; estes documentos representam as actividades desenvolvidas, confirmando ou falseando os factos que se inferem nas organizações. Sobre este tipo de documento, Ferreira, Sousa, e Silva (2012, p. 3 cit. Rodrigues, 2006) os retratam como sendo “documentos produzidos e recebidos no percurso das ações necessárias para o cumprimento da missão predefinida de uma determinada entidade coletiva, pessoa ou família”.

É também digno de nota o que dizem Manoel, Colen e Antão (2009, p. 10) em Arquivos Administrativos: manual de formação:

De um modo geral, podemos afirmar que um documento é constituído por qualquer informação e pelo suporte onde a mesma está registada.

[…]. Para além de responder aos dois requisitos anteriormente enunciados (suporte + informação), um documento de arquivo define-se também pela existência de um terceiro elemento: o contexto. Ou seja, um documento de arquivo não existe isoladamente, está sempre relacionado com outros, tendo “nascido” para iniciar um determinado processo ou para responder às questões relacionadas com um assunto específico. Por si só, não possui valor arquivístico, uma vez que este valor só existe quando o documento se encontra relacionado com outros, isto é, só tem significado quando integrado num contexto, ou quando informar.

Este argumento lançado pelos autores anteriores ao buscarem diferenciar os documentos de arquivo de outros documentos que não estão “aptos” para fazerem parte do acervo arquivístico, traz em atenção um aspecto importante: os documentos formam o arquivo apenas quando reunidos, agrupados, e ligados pelo mesmo contexto, e não quando localizados separadamente um dos outros. Ou seja, um documento por si só, embora que produzido com a finalidade de documento de arquivo, não pode ser considerado arquivo, senão o conjunto destes.

No entanto, apesar dos conceitos citados e de muitos outros existentes referirem-se ao arquivo principalmente como sendo o “aglomerado de documentos” reunidos e organizados, é importante mencionar que o mesmo termo também é utilizado para se referir ao “local onde são conservados os ditos registos históricos, informacionais, entre outros, […] levando [o significado de arquivo] para muitos outros diversos sentidos mais limitados, como sendo um móvel, em geral de madeira ou aço, propositado para [guardar documentos], um órgão público ou título de periódicos, bem como a memória ordenada de uma instituição” (Porto, 2013, p. 14), aliás, este é na verdade o primeiro sentido que ganhou o termo arquivo: designar o local onde se guardam os documentos.

O sentido do termo “arquivo” como sendo “o local de guarda de documentos” até hoje ainda é válido. Por exemplo, a UFFS (2010, p. 12) diz que o “Arquivo também pode ser definido como a entidade ou órgão administrativo responsável pela custódia, pelo tratamento documental e pela utilização dos arquivos sob sua jurisdição”. Este ponto refere-se ao arquivo como instituição, o local onde o conjunto documental receberá o tratamento adequado para sua organização, indicando que o lugar onde os documentos de arquivos serão guardados também recebe o nome de arquivo. Por isso são apropriadas as palavras de Martins (1998, p. 13) que diz: “ARQUIVO também é conhecido como móvel ou armário que guarda documentos”.

Contudo, apesar deste segundo sentido apresentado, o presente estudo utiliza o termo arquivo para se referir principalmente àquele designado pelo Manual de Gestão de Documentos Arquivísticos (Brasil, 2013, p. 11) como sendo “toda informação registrada, original, única e autêntica que resulta da acumulação de documentos, em qualquer suporte, produzidos ou recebidos, no exercício de suas competências, funções e atividades por uma pessoa física ou jurídica”.

 

[1] Licenciando em Ciências da Informação no Instituto Superior de Ciências da Comunicação.