O possível processo de reconhecimento institucional do analista/psicanalista com foco no atendimento psicossocial aos profissionais de segurança pública

*Aparecido da Cruz

I - Introdução

      Este resumo tem por objetivo lançar luzes e ampliar as discussões sobre o possível processo de participação do analista/psicanalista para compor as equipes de atendimento multiprofissional e multidisciplinar no serviço psicossocial das instituições de segurança pública. Urge como desafio preliminar, o não muito ansiado, credenciamento estatal, ou seja, a chancela de um conselho de classe devidamente regulamentado pelo Poder Público, para assim como as demais profissões que atuam neste tipo de serviço, possa pleitear tal maior aceitação das instituições, bem como ter previsão em concursos públicos para esta área tão significativa, porém carente de recursos humanos multiprofissionais. Talvez seja daí, que uma grande parcela dos psicanalistas, busquem também a formação em psicologia e terapia ocupacional, facilitando sua inserção nesta atividade, por possuir as formações citadas anteriormente conselhos de classe com prerrogativas mais expressivas, ampla representação política, forte influência social e maior visibilidade profissional.

      A solução que se apresenta mais razoável, possível, e mais coerente neste contexto, seria de fato a criação de um conselho formal, pois embora as sociedades psicanalíticas gozem de alguns direitos e conquistas ao longo dos anos, além de prerrogativas que fazem parte da própria história da profissão, existem na atualidade muitos movimentos contrários, a esta possível ideia, porém, há muitas discussões que precisam ser amadurecidas, encaminhadas, novamente propostas e reanalisadas, não só para o avanço da profissão, mas também para uma maior cobertura em todas as ações de atenção à saúde mental, principalmente neste período denominado “pós pandêmico” em que todos nós ainda estamos inseridos.

II - Contextualizando para refletir melhor

      A história da psicanálise remonta a própria história das sociedades psicanalíticas, que além de muito interessante e inspiradora, merece uma contextualização muito abrangente, porém, por não ser o objetivo deste trabalho, nem nosso espaço ser suficiente para uma abordagem desta monta, nos concentramos no início e construção da base, ou seja, numa brevíssima menção do todo, para melhorar o entendimento da proposta deste resumo.

      Psicanálise (do grego antigo ψυχή, transl. psychḗ: 'respiração, sopro, alma', e ἀνάλυσις, transl: análysis: 'dissecção', no sentido de 'exame da alma') é um campo clínico de investigação teórica da  psique humana independente da psicologia, desenvolvido por Sigmund Freud, médico, que se formou em 1881, trabalhou no Hospital Geral de Viena e teve contato com o neurologista francês Jean-Martin Charcot, que lhe mostrou o uso da hipnose.

      Freud, que era médico neurologista, propôs este método para a compreensão e análise da psiquê humana, compreendido enquanto sujeito do inconsciente, abrangendo três áreas. Primeiro, como um método de investigação do psiquismo e seu funcionamento. Segundo, como um sistema teórico sobre a vivência e o comportamento humano. E, por fim, como um método de tratamento caracterizado pela aplicação da técnica da livre associação.

      Essencialmente é uma teoria da personalidade e um procedimento de psicoterapia; a psicanálise influenciou muitas outras correntes de pensamento e disciplinas das ciências humanas, gerando uma base teórica para uma forma de compreensão da ética, da moralidade e da cultura humana. Em linguagem comum, o termo "psicanálise" é muitas vezes usado como sinônimo de "psicoterapia" ou mesmo de "psicologia" no cotidiano comum.

      Em linguagem mais própria, no entanto, psicologia refere-se à ciência que estuda o comportamento e os processos mentais, psicoterapia ao uso clínico do conhecimento obtido por ela, ou seja, ao trabalho terapêutico baseado no corpo teórico da psicologia como um todo, e psicanálise referem-se à forma de psicoterapia baseada nas teorias oriundas do trabalho de Sigmund Freud. "Psicanálise" é, assim, um termo mais específico, sendo uma entre muitas outras abordagens de psicoterapia.

      Na atualidade, a psicanálise já não se limita à prática e tem uma amplitude também na pesquisa, centrada em outros temas e cenários, ora desenvolvendo-se como uma disciplina autônoma, ora ensinada em instituições psicanalíticas, em cursos universitários de Psicologia e mais recentemente ganhou uma graduação bacharelada em uma instituição de ensino superior reconhecida pelo Ministério da Educação – MEC, mesmo após inúmeras manifestações em contrário.

      Depois de Freud, muitos outros psicanalistas contribuíram para o desenvolvimento da psicanálise, destacando-se Melanie Klein, Winnicott, Bion e André Green. No entanto, a principal virada no campo da psicanálise e que conciliou, ao mesmo tempo, a inovação e a proposta de um "retorno a Freud" veio com o psicanalista francês Jacques Lacan. A partir daí outros importantes autores surgiram e convivem em nosso tempo, como Françoise Dolto, Serge André, J-D Nasio, Jacques-Alain Miller e Élisabeth Roudinesco.

III - Um processo de nivelamento

A psicanálise deve reinventar-se para sobreviver

Elisabeth Roudinesco

 

      Neste processo que vimos até aqui, urge outra questão muito relevante nesta trilha de revisão, que é o desenvolvimento de um nivelamento, como forma de assegurar um pós formação livre em formação consistente e integradora para um exercício profissional de maior qualidade e equivalência de saberes. Porém, este processo não pode e nem deve ser excludente, mas uma porta aberta, com a possibilidade de troca e capacitação, conferindo a todos os analistas formados até então, o necessário e pleno acesso ao exercício profissional regular em uma perspectiva sob a égide de um conselho de classe regulamentado.

      Um processo personalizado; através de trilhas formativas especificas; não segregadoras, e que promova a integração e equiparação de saberes, contemplando um plano nacional de equiparação, e que flua para a consolidação profissional proposta neste singelo rascunho.

3.1 A quem pode não interessar o reconhecimento

I – Os que desejam andar nos passos da tradição freudiana, seguindo diferentes e diversos percursos formativos;

II – Os que possuem uma formação incipiente e temem por não conseguir acompanhar um provável novo cenário intelectual;

III – Os que estão confortáveis na atividade, e que por estarem com o pé em outras formações já regulamentadas, não vêem necessidade de regulamentação para analista;

IV – Os que acreditam não haver espaço para o analista no cenário de atendimento psicossocial das instituições de segurança pública e em outras instituições, seja por reserva de mercado, sentimento de ameaça, preconceito ou ainda diferenças profissionais, das quais nenhuma atividade humana está á salvo ou livre.

Dentre outras possíveis visões a respeito do tema.

IV – Conclusão

      Com foco em nosso objetivo de lançar luzes sobre a temática, bem como fomentar maiores discussões a respeito, conclui-se, portanto, que o analista/psicanalista detém todas as possibilidades para atuação no serviço psicossocial aos profissionais de segurança pública, existindo apenas uma lacuna temporal (criação de conselho) para a melhoria da percepção institucional e maior reconhecimento deste profissional, conforme a humilde visão deste autor.

      Não há de se falar em pretensão alienista, uma vez que assim como os tempos e a sociedade mudam ao longo do tempo, todas as profissões evoluem para acompanhar tais mudanças, demandas e tornarem-se mais eficazes, além de sobreviver. Infelizmente, ainda vivemos em um tempo, que a chancela do estado, por meio dos conselhos de classe, representa um divisor de águas, nutrindo certa idéia de maior competência, ainda que tais instituições gozem de gigantesco lobby político.     

      A sugestão e inclusão do analista/psicanalista no contexto do atendimento psicossocial aos profissionais de segurança pública acha guarida na atuação que estes profissionais já têm em situações externas às instituições do meio, cuja necessidade de desenvolvimento da resiliência pessoal e profissional podem ser fatores de proteção, diante das avalanches psíquicas e os grandes atritos presentes nas situações extremas, vivenciadas por estes profissionais, que em muitos casos, não se sentem confortáveis no modelo tradicional e disponível de atendimento.

   Não se espera, contudo, minimizar ou reduzir o assunto, senão inspirar e incentivar pesquisas e discussões mais robustas sobre a temática, com foco em conhecer melhor as possibilidades existentes na promoção do autocuidado e autoproteção, bem como os possíveis benefícios aos profissionais de segurança pública, da participação do analista nestes cenários; em seus mais variados níveis, instituições e contextos, proporcionando maior salubridade e resiliência pessoal e profissional a todos aos que a ele recorrerem.

V - Referencias

CRUZ, Aparecido. T3A – Terapia Alternativa para Autoproteção e autocuidado. Disponível em  

https://www.webartigos.com/artigos/t3a-terapia-alternativa-para-autoprotecao-e-autocuidado/169087 acessado em 13 de junho de 2022.

 

CRUZ, AparecidoO possível papel do psicanalista nas atividades de prevenção do suicídio e posvenção nas instituições de segurança pública. São Paulo: SOBRAPH, 2022.

CUNHA, Antonio Geraldo da. Vocabulário Ortográfico da Língua Portuguesa. 2ª ed. rev. E ampliada de acordo com a nova ortografia. Rio de Janeiro: Lexikon, 2009.

HOUAISS, Antônio. Dicionário Houaiss da Língua Portuguesa. Rio de Janeiro: Ed. Objetiva, 2001.

Revista Cult, edição de 15 de setembro de 2017. Disponível em: https://revistacult.uol.com.br/home/a-psicanalise-deve-reinventar-se-para-sobreviver-diz-roudinesco-em-conferencia-na-argentina/ acessado em 10 de junho de 2022.

SANTOS, Simone. Prerrogativas e conselhos profissionais: Uma abordagem. São Paulo: SOBRAPH, 2020. 

Wikipédia, a enciclopédia livre. Psicanálise. Disponível em https://pt.wikipedia.org/wiki/Psican%C3%A1lise

*Aparecido da Cruz é psicanalista clinico, psicopedagogo e pesquisador em prevenção a suicidologia policial. De formação multifacetada em saúde, educação e segurança pública, são suas principais frentes de trabalho, o social, o voluntariado, a educação comunitária e o apoio estratégico. É oficial de capelania e autor independente.