Rúbia Santana Souza**

RESUMO

Análise do protagonista Macunaíma de Macunaíma, o herói sem nenhum caráter de Mário de Andrade, visando a que tipo de personagem, ou melhor, herói, ele pertence e uma explicação para as suas eventuais metamorfoses.

PALAVRAS-CHAVE

Herói. Macunaíma. Mário de Andrade.Metamorfoses. personagem.

Então pauí-pódole teve dó de Macunaíma. Fez uma feitiçaria. Agarrou três pauzinhos jogou pro alto fez encruzilhada e virou Macunaíma com todo o estenderete dele, galo galinha gaiola revólver relógio, numa constelação nova. É a Ursa Maior.

Dizem que um professor naturalmente alemão andou falando por aí por causa da perna só da Ursa Maior que ela é o Saci... Não é não! Saci inda pára neste mundo espalhando fogueira e trançando crina de bagual... A Ursa Maior é Macunaíma. É mesmo o herói capenga que de tanto penar na terra sem saúde e com muita saúva, se aborreceu de tudo, foi-se embora e banza solitário no campo vasto do céu. (Mário de Andrade,Macunaíma,cap. XVII,p.159 ).

CONSIDERAÇÕES INICIAIS

A rapsódia de Mário de Andrade, Macunaíma, o herói sem nenhum caráter (1928) tem grande relação com o momento histórico, e o modernismo, pois essa é uma representação fiel ao novo proposto anos anteriores através da semana da arte moderna de 1922.

Macunaíma se contrapõe a uma sociedade moderna quando assume uma postura marginal, ou seja, fora-da-lei. Cabe ressaltar que o herói em Macunaíma mostra-se como um ser frágil diante dos perigos e se salva mediante a mentira, através do qual, Mário de Andrade expõe a realidade nacional do século XX.

A necessidade de estudar uma obra diferente, com características múltiplas seja pela sua curiosidade em relação ao uso do autor por lendas, mitos e ditos populares de cada região do Brasil, seja pelo que é Macunaíma, um homem que pode manisfestar-se de várias maneiras, e o que isso significa na rapsódia de Mário de Andrade foi relevante para a escolha desta obra e desse respectivo tema.

Tal estudo pode oferece ao leitor uma visão crítica sobre os tipos de personagens que existem e o que vem a ser, sobretudo, "o herói sem nenhum caráter". Essa análise ainda pode ser pertinente à proporção que evidencia a natureza fantástica, na qual se desenrola a narrativa, possibilitando uma comparação com a narrativa medieval, onde o herói apresenta a sobre humanidade e o maravilhoso.

Com esta abordagem pretendo INVESTIGAR as transformações mágicas do protagonista tido como um herói a partir da obra modernista Macunaíma (1928) de Mário de Andrade, conhecer os tipos de personagens existentes e ESTUDAR em qual patamar se encontra o excepcional Macunaíma,tentando ENTENDER o porquê de certas faces.

Neste artigo foi fundamental a escolha e leitura da obra Macunaíma, o herói sem nenhum caráter de Mário de Andrade, o levantamento seleção e estudo de textos teóricos sendo aplicados ao tema, seguido de análise da obra, pesquisa na internet,

detalhamento da divisão do artigo, o que será discutido em cada seção e como isso

aparece no mesmo, preparação da palestra, exposição oral e enfim a produção do corpo do trabalho e entrega ao docente Vitor Hugo Fernandes Martins.

O suporte teórico utilizado foi:Alfredo Bosi(2003);Alfredo Bosi(1994); MassaudMoisés(2001);Afrânio Coutinho(1968);Beth Brait(2004);Vitor Manuel de Aguiar e Silva(1974);M.Calvacanti Proença(1974);Salvatorie D'onofrio(2006)

Este artigo é composto de duas seções, a primeira denomina-se: A personagem de Horácio a Mário de Andrade, em Macunaíma, tratará das divergências entre os tipos de personagens do século XVI ao XX, a segunda, As Metamorfoses do herói sem nenhum caráter será analisada a obra e as modificações do protagonista Macunaíma.

I. A PERSONAGEM DE HORÁCIO A MÁRIO DE ANDRADE, EM MACUNAÍMA

Vitor Manuel de Aguiar e Silva (1994) afirma que a personagem é uma estrutura fundamental do romance, sem ela não existe uma real narrativa. Já Brait(2004) diz que esse é o principal ingrediente do romance de ficção,apesar de fictício é vista como um ser antropomórfico,cujo ponto de partida de avaliação é o ser humano que supõe imitação. Horácio entende a personagem não só como cópia dos seres vivos, mas como moldes a serem imitados, reconhecendo personagem-homem e eficácia e advogando para esses seres o estatuto de moralidade do ser humano que supõe imitação.

Horácio, o poeta latino, acredita que a personagem deve surgir e ser avaliada a partir dos moldes humanos.

Durante os séculos XVI e XVII, a personagem apresentou características virtuosas, "[...] as artes têm valor na medida em que conduzem a uma ação virtuosa, e que a personagem deve ser reprodução do melhor do ser humano". (BRAIT,2004,P.36).

As personagens romanescas se dividem em dois pólos um está o herói que é o protagonista ou personagem principal, em outro pólo está os comparsas que são as personagens secundárias. (SILVA, 1974).

O herói apresenta no decorrer dos séculos várias faces que são explicadas e denominadas de acordo ao momento histórico, a realidade e principalmente pelo estado do "eu" na sociedade. "O conceito de herói está estreitamente ligado aos códigos culturais, éticos e ideológicos, dominantes numa determinada época histórica e numa determinada sociedade" (SILVA,1974,p.30).

O protagonista algumas vezes obtém lugar de destaque no romance, o que facilita a sua identificação. No caso de Macunaíma, o herói sem nenhum caráter, o nome da obra já evidencia bastante quem é o herói da narrativa.

As divergências ou o distanciamento de um tipo de herói para outro é muito significativo, o que acompanha as mudanças na literatura ao longo do tempo. Salvatorie D'onofrio(2006) expõe duas classificações de herói:o herói "apolíneo" e o herói "dionisíaco".

[...] o herói "apolíneo", qualificado para uma nobre missão e revestido de atributos eufóricos (beleza, valor, nobreza de sentimentos, etc.) que tem a função de expressar o triunfo dos valores sociais de estabelecer ordem no cosmo, de desvendar os mistérios da vida, de apaziguar o homem consigo mesmo, com a sociedade e com a divindade, de outro lado, o herói "dionisíaco", caracterizado por semas disfóricos(fraco, súcubo de paixões),que luta pela afirmação de sua axiologia, ou seja, o critério de valores individuais, com base na vida,vivida segundo o instinto e na visão carnavalesca do mundo. (D'ONOFRIO,2006,p.92-93).

Esses dois tipos de personagem principal são controversos entre si, refletindo características dispares em que um está a conformidade e no outro a revolta contra modelos impostos pela sociedade. Os romances da Idade Média, século XVIII, têm em seu enredo, por exemplo, o herói "apolíneo". Já o herói dionisíaco aparece em romances picarescos, com histórias engraçadas, em que este passa a ser um anti-herói que é bem representado a partir do século XIX e inicio do XX.

Os protagonistas aparecem na literatura há muito tempo, apresentando formas diversas. O herói clássico é um personagem idealizado que se posiciona de acordo ao que lhe é disponibilizado, aceitando tudo e buscando ideais sociais diante da força de vontade, alcançando assim honra e glória. "Um herói que encarna os ideais sociais,baseados na crença de que o homem,pela luz da razão e pela força da vontade,consegue vencer os obstáculos e alcança honra e glória"(D'ONOFRIO,2006p.94).

O herói romântico é um protagonista que não se acomoda diante das falhas existentes, ao contrário do herói clássico ,ele se revolta com a realidade imposta pela sociedade vigente e não diz sim a tudo, não se deixa alienar e acredita em suas verdades.

"O herói romântico, [...] expressa a revolta do indivíduo contra valores institucionalizados pela religião oficial, pelo estado e pelos costumes sociais." (D'ONOFRIO,2006,p.94). A concepção desse herói envolve exclusivamente a psique da personagem. "O herói interessa a Dostoievski como ponto de vista particular sobre o mundo e sobre ele próprio,como a posição do homem que busca a sua razão de ser e o valor da realidade circundante da sua própria pessoa.(BAKHTINE Apud SILVA,1974,p.36).

O herói realista não está no patamar do clássico, muito menos do romântico, ele é um homem que vive e sofre com as suas mazelas.

O herói do realismo e, mais tarde, do naturalismo e do verismo, não é um ser superior à média humana nem por nascimento nem por destino (como o herói clássico), nem superior por rebeldia ou por complexidade psicológica (como o herói romântico), mas um homem qualquer, que carrega o peso das misérias biopsíquicas e das injustiças sociais. (D'ONOFRIO,2006,p.95 ).

O protagonista do século XIX ao XX é uma representação do anti-heróismo. A transição entre esses séculos foi marcada pela criação dos novos romances com personagens descentradas, para coerência ética e psicológica instáveis e indeterminadas (SILVA,1974)

O herói problemático, [...] denominado demoníaco, está ao mesmo tempo em comunhão e em oposição ao mundo, encarnando-se num gênero literário, o romance, situado entre a tragédia e a poesia lírica, de um lado, e a epopéia e o conto de outro. Nesse sentido,a forma interior do romance não é senão o percurso desse ser que, a partir da submissão à realidade despida de significação,chega à clara consciência de si mesmo.(BRAIT,2004,p.39).

A personagem do século XX é o anti- herói, de múltiplas faces que assume posturas diferentes, dando vivacidade e humor a esses romances que representam o novo. O herói da rapsódia de Mário de Andrade se enquadra nessas características e permite classificá-lo também em personagem redonda ou round, como o crítico Forster que denomina esta como aquela que exibi uma complexidade cheia de funções que surpreende a todo momento o leitor.

As personagens classificadas, por sua vez, são aquelas definidas por sua complexidade, apresentando várias qualidade ou tendências surpreendendo convicentemente o leitor. São dinâmicas, são multifacetadas, constituindo imagens totais e, ao mesmo tempo, muito particulares do ser humano.(BRAIT, 2004, p.41).

SILVA(1974) chama a personagem redonda de modelada,a qual corresponde a multiplicidade de traços.

Assim, analisamos as possíveis faces da personagem,especialmente do herói no decorrer dos séculos e percebe-se que a cada escola literária ligada ao seu momento histórico,propiciou a presença de novas características nesse elemento romanesco,refletindo a posição do homem na sociedade e sua visão de mundo.

II. AS METAMORFOSES DO HERÓI SEM NENHUM CARÁTER

Macunaíma, o herói sem nenhum caráter (1928), apresenta uma narrativa fantástica, em que o maravilhoso, o sobrenatural habitam em todo o enredo da obra modernista, como um sinal do novo e como quebra dos modelos antigos, Mário de Andrade muda essa rotina baseando-se nas vanguardas e cria esse personagem único e de grande repercussão na literatura brasileira.

O protagonista Macunaíma é considerado um herói excepcional pela variabilidade do seu ser, que não assume uma única face. As transformações do herói refletem essa diversidade o que pode explicar a sua falta de caráter.

"Mas assim que deitou o curumim nas tiriricas, tajás e tropoerabas da serrapilheira,ele botou corpo num átimo e ficou um príncipe lindo".(MÁRIO DE ANDRADE,Macunaíma,I,p.14).

Essa primeira mudança do herói, tem relação com a necessidade dele virar homem para poder "brincar", ou seja "transar" com a mulher de Jiguê, seu irmão,já que ele ainda era um menino.Isso apresenta um indicio de um dos seus defeitos que é a de trair o irmão. A principiante transformação mostra a necessidade que o herói tem de modificar-se de acordo a situação vivida.

O herói depois de muitos gritos por causa do frio da água entrou na cova e se lavou inteirinho.Mas a água era encantada porqueaquele buraco na lapa era marca do pezão do Sumé, do tempo em que andava pregando o envangelho de Jesus pra indiada brasileira. Quando o herói saiu do banho estava branco,louro e de olhos azuizinhos,água lavara o pretume dele. E ninguém não seria capaz mais de indicar nele um filho da tribo retinta dos Tapanhumas.(MÁRIO DE ANDRANDE,Macunaíma,V,p.40).

A modificação de raça, etnia que Macunaíma sofre nesse excerto relata bem o sentido nacional que é caracterizado pelo retrato de um povo que têm muitos componentes rácicos e culturais em si, no caso os brasileiros.

- vou virar aimará de mentira pra enganar bife. Quando ele me pescar e der a batida na minha cabeça então faço 'juque' enganado que morri. Ele me atira no samburá, você pede o peixe grande pra comer e sou eu.

Fez. Virou num aimará pulou na lagoa, o inglês pescou-o e bateu na cabeça dele. [...] o aimará virou Macunaíma outra vez. Assim três vezes, inglês sempre tirando o anzol da goela do herói. [...] -vou virar piranha de mentira e arranco anzol da vara.

-Virou piranha feroz pulou na lagoa arrancou o anzol e desvirando outra vez légua e meia abaixo no lugar chamado Poço do Umbu onde tinha umas pedras cheias de letreiros encarnados da gente fenícia sacou o anzol da goela bem contente[...](MÁRIO DE ANDRADE,Macunaíma,XI,p.96-97).

A esperteza de Macunaíma leva-o a mais uma transformação, agora em peixe, isso intensifica o que foi exposto anteriormente, que o momento, a circunstância determina de certa forma a personificação, a modificação que ele irá sofrer,percebendo assim que a necessidade de se tornar,de virar-se em um pássaro ele assim faria.

Segundo Calvacanti Proença (1973,p.10), o herói se chama hipodigma, "por não ter existência real. É um tipo imaginário, no qual estão contido todos os caracteres encontrados nos indivíduos até então conhecidos da mesma espécie."A aglomeração de personalidades ajuda Macunaíma em um determinado momento,sendo possível utilizar cada face em uma situação diferente e ao mesmo tempo o prejudica por torná-lo um ser confuso por ser um individuo indeterminante.

A narrativa é entrelaçada por uma visão do maravilhoso, sobre-humano, o que explica a falta de realidade em Macunaíma, por ser tudo e ao mesmo tempo nada, pois exibi vários tipos humanos e esse conjunto de seres, o torna banal.

O último ato de transformação de muitas metamorfoses que o herói realiza é quando ele vai para o vasto céu como a Ursa maior. "[...] virou Macunaíma com todo o estenderete dele, galo galinha gaiola revólver relógio, numa constelação nova. É a Ursa Maior." (MÁRIO DE ANDRADE,Macunaíma,XVII,p.159). Ir para o céu como uma constelação "[...] representa o cúmulo do abandono da condição heróica de Macunaíma" (Bandeira et al. apud Moisés,ano,p.61). A grande e possível explicação para a ocorrência das transformações de Macunaíma é a sua falta de caráter, que é dita por Ronald de Carvalho como uma forma de defini-lo: "E é justamente essa ausência de caráter que lhe dá um grande caráter sobre-humano onde se refletem no tumulto de aparente indisciplina as energias elementares" (CARVALHO Apud PROENÇA,1974,p.9).

O herói é, portanto, uma controvérsia surrealista das suas várias personalidades, um fiel exemplo do experimentalismo modernista e principalmente uma representação do novo.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

A possibilidade de o herói mudar de formas com artifícios mágicos se relaciona direta ou indiretamente com a sua falta de caráter, as metamorfoses seria o indício dessa ausência.Outra explicação poderia partir do pressuposto de que Mário de Andrade quis criar um ser que tivesse em si todos os tipos humanos brasileiros, devido a sua pesquisa folclórica a qual foi um suporte para o surgimento de Macunaíma. Mas como o subtítulo a qual foi empregada a obra determina o herói como sem caráter a primeira possibilidade é a mais viável.

O acúmulo e o exagero do protagonista da rapsódia modernista, de Mário de Andrade, de metamorfoses e atitudes múltiplas evidenciam o fantástico presente em tudo, seja nas transformações, como também nas suas incríveis histórias que Ele conta para os outros personagens mostrando assim a presença aparente do mítico.

Com este artigo podemos perceber que a obra de Mário de Andrade, Macunaíma (1928) tem em si uma grande diversidade cultural, devido ao processo de industrialização brasileiro e o crescente número de imigrantes, que é demonstrada a partir das personalidades que habitam no herói, um fator discutível e questionável, já que todas as formas humanas estão nele, o que o torna maravilhoso e irreal, já que o ser humano admite apenas uma face, ao contrário de Macunaíma que é multifacetado, o que o caracteriza como sem caráter e comprova a hipótese do anti-heróismo que o protagonista apresenta como marca do tipo de personagem do século XX e a explicação das suas metamorfoses.

BIBLIOGRAFIA

ANDRADE,Mário.Macunaíma,o herói sem nenhum caráter.33ºed.Belo Horizonte:Líthera Maciel,2004.

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BOSI,Alfredo."Situação de Macunaíma", in Céu e inferno.2ºed.São Paulo:Duas Cidades/Editora 34,2003,p.194.

BRAIT,Beth.A personagem.7ºed.São Paulo:Ática,2004.

D'ONOFRIO,Salvatorie."Nível atorial:a personagem de ficção",in A Teoria do texto 1.2ºed.São Paulo:Ática,2006,p.88-96.

MOISÉS,Massaud."Mário Andrade",in História da Literatura Brasileira.6ed.São Paulo:Cultrix,2001,vIII,p.53-63.

PROENÇA,M.Calvacanti."O herói",in Roteiro de Macunaíma.3ºed.Rio de Janeiro:Civilização Brasileira,1974,p.8-10.

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SILVA,Vitor Manuel de Aguiar e.A estrutura do romance.3ºed.Coimbra:Livraria Almedina,1974,p.24-41.



*Artigo apresentado ao Prof.Dr.Vitor Hugo Fernandes Martins, da disciplina Estudo da Produção literária no Brasil, do Curso de Letras Vernáculas, da Universidade do Estado da Bahia, Campus XXI, como requisito para complementação de nota.

**Discente do segundo semestre, vespertino