Bagno recusa a noção simplista que separa o uso da língua em "certo" e "errado", dedicando-se a uma pesquisa mais profunda e refinada dos fenômenos do português falado e escrito no Brasil.

Ao mesmo tempo, convida o leitor a fazer um passeio pela mitologia do preconceito linguístico, a fim de combater esse preconceito no nosso dia a dia, na atividade pedagógica de professores em geral e, particularmente, de professores de língua portuguesa. Para isso. O autor analisa oito mitos inseridos no primeiro capítulo do livro - A mitologia do preconceito linguístico.

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No Mito nº 1 – A língua portuguesa falada no Brasil apresenta uma unidade surpreendente, em que o autor fala da diversidade do português falado no Brasil e destaca a importância de as escolas e todas as demais instituições voltadas para a educação e a cultura abandonarem esse mito da unidade do português no Brasil e passarem a reconhecer a verdadeira diversidade linguística de nosso país.

Esse é o maior e o mais propagado mito que compõe a mitologia do preconceito linguístico no Brasil. Ele está tão arraigado em nossa cultura que até mesmo intelectuais de renome, pessoas de visão crítica, e geralmente boas observadoras, dos fenômenos sociais brasileiros, se deixam enganar por ele.

Qualquer manifestação linguística que escape desse triângulo escola-gramática-dicionário é considerado sob a ótica do preconceito linguístico, "errada".

Mito nº 2 – Brasileiro não sabe português, só em Portugal se fala bem português, o autor faz uma longa análise levando em conta a história desses dois países e desmistifica mais esse preconceito. Apresenta a concepção torpe segundo a qual o Brasil é um país subdesenvolvido porque sua população não é uma raça “pura”, mas sim o resultado de uma mistura-negativa-de raças, das quais duas delas, a negra e a indígena, são ‘’inferiores’’ ao branco Europeu, por isso nosso “povinho” só pode ser o que é.

Mito nº 3 - Português é muito difícil, o problema é que as regras gramaticais consideradas "certas" são aquelas usadas em Portugal, e como o ensino de língua sempre se baseou na norma gramatical portuguesa, as regras que aprendemos na escola, em boa parte não correspondem à língua que realmente falamos e escrevemos no Brasil. Por isso achamos que português é uma língua difícil.

Todo falante nativo de uma língua sabe essa língua. Saber uma língua na concepção científica da linguística moderna significa conhecer intuitivamente e empregar com facilidade e naturalidade as regras básicas de funcionamento dela.

 O mito nº 4 – “As pessoas sem instrução falam tudo errado”. Na visão preconceituosa dos fenômenos da língua, transformação de L e R nos encontros consonantais, como em Cráudia, chicrete, praca, broco, pranta, é tremendamente estigmatizada e às vezes é considerado até como sinal de atraso mental. Sendo que, essa questão pode ser perfeitamente resolvida por um fonoaudiólogo.

Mito nº 5 – O lugar onde melhor se fala português no Brasil é o Maranhão, diz ser este um mito sem nenhuma fundamentação científica, uma vez que nenhuma variedade, nacional, regional ou local seja intrinsecamente “melhor", “mais pura", "mais bonita", "mais correta" do que outra.

Não sei quem foi a primeira pessoa que proferiu essa grande bobagem, mas a realidade é que até hoje ela continua sendo repetida por muita gente por aí. Esse mito nasceu mais uma vez, da velha posição de subserviência em relação ao português de Portugal.

Mito nº 6 – O certo é falar assim porque se escreve assim. Mais um preconceito analisado é a tendência muito forte, no ensino da língua, de obrigar o aluno a pronunciar “do jeito que se escreve", como se fosse a única maneira de falar português. O que aconteceu é que em toda comunidade linguística do mundo existe um fenômeno chamado variação, isto é, nenhuma língua é falada do mesmo jeito em todos os lugares, assim como nem todas as pessoas falam a própria língua de modo idêntico o tempo todo.

Mito nº 7 – É preciso saber gramática para falar e escrever bem. Para o autor, é difícil encontrar alguém que não concorde com esse mito. Essa afirmação vive na ponta da língua da grande maioria dos professores de português, e está formulada em muitos compêndios gramaticais. Tais afirmações se invalidam, entre outras razões, pelo simples fato de que se fosse verdade, todos os gramáticos seriam grandes escritores, e os bons escritores seriam especialistas em gramática. A gramática, na visão do autor, passou a ser um instrumento de poder e de controle.

Mito nº 8 – O domínio da norma culta é um instrumento de ascensão social, que fecha o circuito mitológico, tem muito a ver com o primeiro, pois ambos tocam em sérias questões sociais. Ora, se o domínio da norma-padrão fosse realmente instrumento da ascensão na sociedade, os professores de português ocupariam o topo da pirâmide social, econômica e política do país, não é mesmo?

Por fim, o autor diz que o domínio da norma culta nada vai adiantar a uma pessoa que não tenha seus direitos de cidadão reconhecidos plenamente e que não basta ensinar a norma culta a uma criança pobre para que ela "suba na vida" Precisa haver um reconhecimento da variação linguística, porque segundo o autor, o mero domínio da norma culta não é uma fórmula mágica que, de um momento para outro, vai resolver todos os problemas de um indivíduo carente.