POESIA, CRÍTICA E PENSAMENTO: INTERDISCIPLINARIDADE

Mestre Rozelia Scheifler Rasia* ? Área de concentração: Estudos Literários ? Universidade de Passo Fundo - RS


A poeticidade, como possibilidade estética, ancora a opção temática deste projeto interdisciplinar como contraponto às dificuldades cotidianas enfrentadas diante da competitividade, descartabilidade mercadológica, apego ao consumo, imediatismo e proliferação da violência, que alunos e professores vivenciam e demais vértices interferentes nas relações interpessoais, na sensibilidade à arte, à poesia, ao belo.
A problematização temática, deste estudo, insere-se na busca de alternativas para a superação da agressividade, das dificuldades de relacionamento entre os alunos, do alto índice de evasão e reprovação e do desinteresse daqueles que chegam à escola - cansados e desanimados - após um dia de trabalho mal remunerado. Neste contexto, lança-se o problema desta investigação:
- Como processar a interligação de poesia, crítica, pensamento e conteúdos curriculares na intencionalidade de humanização da práxis educativa através de atividades criativas para a produção textual?
A sondagem sobre o contexto e sobre os participantes, realizou-se pela abordagem qualitativa a partir dos referenciais de MINAYO (1994) através de entrevistas semi-estruturadas e observação, durante o 4º bimestre de 2006, com alunos e professores de português, inglês, literatura e educação artística de uma 3ª série do curso noturno do Ensino Médio do IEAPD ? Instituto Estadual de Educação Professor Annes Dias.
As respostas às entrevistas indicam que os alunos participantes enfrentam uma árdua rotina de trabalho, pois pertencem à classe assalariada. Por este motivo, a maioria deles, mostrou-se interessada em desenvolver atividades lúdicas de leitura, ilustração e produção de textos poéticos, pois dispõe de limitados recursos sócio-culturais e pouco tempo para o lazer, à arte e à literatura.
Realizaram-se técnicas de leitura sobre temáticas diversas com a finalidade de instrumentalização à (re)interpretação da realidade, da construção de conhecimentos, da fruição do prazer e do belo, da apreciação da literatura e da poeticidade, como interpontos de diversos conteúdos e atividades voltados à criação poética.
A partir dos referenciais desenvolvidos coletivamente, com os sujeitos participantes, sintetizam-se as contribuições dos autores que mais os fascinaram e os incentivaram durante as diversas de pesquisa e produção textual.
As palavras de FAZENDA (1993) esclarecem o complexo termo ?interdisciplinaridade? como a troca entre os especialistas e a integração das disciplinas num mesmo projeto de pesquisa em um regime de co- propriedade, de interação, que irá possibilitar o diálogo entre os interessados. A interdisciplinaridade depende, então, basicamente, de uma mudança de atitude perante o problema do conhecimento, da substituição de uma concepção fragmentária pela unitária do ser humano.
Para que o processo interdisciplinar seja dinamizado é preciso que derive de um projeto político-pedagógico concebido e executado coletivamente a partir de parcerias, integração e totalidade. Isto é, o bom relacionamento entre os profissionais, convívio com as divergências, contradições e conflitos, adoção de valores coletivos em um processo de planejamento participativo para a tomada de decisões e definição de diretrizes gerais da Escola através do diálogo. A totalidade une parceria e integração na articulação entre os "universos simbólicos específicos" para promover um processo de unicidade nas disciplinas e nas grandes áreas, pois trabalha as "partes do todo".
Embora, cada disciplina tente isolar-se, só pode ser compreendida no contexto em que está inserida. Como destaca Gusdorf (1984), "a característica central da interdisciplinaridade consiste no fato de que ela incorpora os resultados de várias disciplinas, tomando-lhes de empréstimo esquemas conceituais de análise a fim de fazê-los integrar, depois de os haver comparado e julgado."
Para complementar os tópicos interferentes nas questões abordadas, cita-se ASSMANN (2000) que salienta: "a educação terá um papel determinante na criação da sensibilidade social necessária para reorientação da humanidade"; estas palavras entrelaçam-se à reflexão de VALÉRY (1999): pensar é criar através da "superabundância de expressões, graça e fantasia que distinguem a poesia, em oposição ao esforço intelectual consciente, à presença da objetividade e à razão do pensamento".
Ao se relacionarem valores estéticos, formais, estruturais e de valoração, cita-se Baudelaire que destaca: a apreciação crítica implica no domínio de diversas técnicas, imaginação e reflexão poética. Este pressuposto é compartilhado por VALÉRY (1999), para o qual poesia e crítica estão estreitamente ligadas: o verdadeiro poeta tem a sua ?veia crítica? assim como o verdadeiro crítico é orientado por sua ?veia poética?.
Neste universo de (re)significação da poeticidade, recorre-se a Bakhtin (1988) que leciona: a poesia é a manifestação de uma consciência poética que vê, imagina e compreende o mundo, não com os olhos de sua linguagem individual, mas com os olhos de outrem. Em sua análise sobre a poeticidade da palavra no romance, este autor afirma que a língua é o meio vivo e concreto onde vive a consciência do artista da palavra, esta evoca um ou vários contextos nos quais emerge, o que sugere a intencionalidade de uma manifestação plurilíngüe em um diálogo de linguagens.
Além dos referenciais atuais, buscou-se o atemporal pensar de Aristóteles, na tradução de BRUNA (1999) que destaca: "a obra do poeta não consiste em contar o que aconteceu, mas sim coisas possíveis no ponto de vista da verossimilhança ou da necessidade"; os alunos ficaram impressionados com a contemporaneidade e com as marcas da presença das palavras de Aristóteles na poesia e na crítica atuais.
Após as leituras individuais e em grupos, os alunos realizaram a produção textual com liberdade de escolha temática; finalmente, realizou-se a análise interpretativa das poesias produzidas, segundo as indicações dos autores já abordados e a categorização estabelecida por BARDIN (1997); também, levaram-se em consideração as características dos adolescentes que se encontram em constante busca/descoberta e, não raras vezes, em conflito consigo mesmo e o mundo.
As categorias conceituais que mais se destacam na produção dos alunos foram: abandono, saudade, solidão, espera, encontro e/ou perda de um amor, ódio, conflitos familiares e político-sociais, violência urbana, desemprego, exclusão, cultura da paz, telurismo, vida e morte.
Em algumas poesias emergem flagrantes ou discretas denúncias sobre as misérias impostas ao povo pela desigualdade social, sob dramas, conflitos não resolvidos, sonhos desfeitos e esperanças vãs. A morbidez, o pânico e o terror dominaram algumas poesias, talvez inspiradas no enredo de filmes que fazem sucesso entre os adolescentes.
Nas aulas de língua e literatura, realizaram-se as leituras, a produção textual e a tradução de poesias; em Educação Artística, os alunos fizeram a ilustração de poesias dos colegas. As atividades realizadas possibilitaram à união de referenciais teórico-práticos e recursos artístico-expressivos para permitir a co-autoria dos alunos como parceiros nesta empreitada cujos desafios esbarram na transposição dos modelos impositivos de resultados imediatos traduzidos em escalas de desempenho.
Pode-se afirmar que as expectativas e objetivos definidos para este projeto, foram além do esperado, pois se formou um sólido lastro epistemológico que influenciou a qualidade, a coerência, a criatividade e a estética dos poemas construídos e, principalmente, incentivou-se a leitura e a produção de poesias; seguramente ocorreu a integração dos conteúdos envolvidos e a interação entre os participantes; pois houve parceria, intencionalidade coletiva para a (re)produção e avaliação dos saberes e de atitudes sócio-culturais pelos laços de amizade e superação da timidez e dos próprios limites individuais.
Espera-se que este estudo possa contribuir com a (re)significação da linguagem, da criatividade, da expressividade nas práxis pedagógicas através da sensibilização, da ternura, da afetividade e interligação de conteúdos, sentimentos e expectativas para a humanização da educação através de concepções sobre poesia e criticidade como atividades presentes no pensar cotidiano.

BIBLIOGRAFIA REFERENCIADA
ARISTÓTELES, HORÁCIO, LONGINO. A Poética Clássica. São Paulo: Cultrix, 1990. Tradução direta do grego e do latim de Jaime Bruna.
ASSMAN H. & SUNG J. Competência e Sensibilidade Solidária: Educar para a esperança. 2. ed. Petrópolis, RJ: Vozes, 2000.
BARDIN, Laurence. Analise de conteúdo. Lisboa. Edições 70. 1997.
BAKHTIN, M. Questões de literatura e de estética: a teoria do romance. Tradução de Aurora F. Bernardini e outros. São Paulo, Hucitec e Fund. para o Desenv. da Unesp, 1988.
FAZENDA, Ivani. Práticas interdisciplinares na Escola. São Paulo, Cortez, 1991.
GUSDORF, Georges. Interdisciplinaire . In Enciclopédia Universales, Paris: Payot, 1984.
MINAYO, Maria Cecília de Souza (Org.) Pesquisa social ? Teoria, método e criatividade. 7ª ed. Petrópolis: Vozes, 1997.
VALÉRY, P. Poesia e pensamento abstrato. In: Variedades. São Paulo: Iluminuras, 1999.