PERFIL FEMININO EM IRACEMA, DE JOSÉ DE ALENCAR, E N’OS MAIAS, DE EÇA DE QUEIRÓS. 

Flávio Loiola Frota*

Maria Edinete Tomás** 

RESUMO: 

O presente artigo analisa a personagem idealizada de Iracema, que nomeia um romance de José de Alencar, comparando-a com personagens femininas antagônicas, do romance Os Maias, de Eça de Queirós. Objetiva, com isso mostrar a realidade da sociedade em que foram criadas as personagens e destacando as críticas pretendidas pelos autores José de Alencar e Eça de Queirós. Na obra alencarina destaca-se a personagem Iracema e sua construção ideológica, de modo a observar a sua personificação desenvolvida por José de Alencar. Em Os Maias a análise é feita através de duas personagens femininas típicas do século XIX, luxuosas e traidoras, provocando luxúria, mostrando suas caracterizações pertinentes ao realismo. O estudo pretende a partir da análise de trechos escolhidos e autores consagrados como Moisés (1975) evidenciar as alusões pretendidas pelos autores Alencar e Eça.

 

Palavras-chave: Iracema. Os Maias. Personagens femininas.

 

 

1 INTRODUÇÃO

             O referido artigo tem como objetivo identificar a relação de pertinência entre estilo de época e o perfil de personagens de romances ambientados nesses estilos. Para tanto, analisa o perfil feminino de personagens centrais de dois romances, como adianta o título desse artigo. Essa análise acha-se subsidiada pelo pensamento de estudiosos como Brend (1992), Cal (1969), Moisés (1975), Moreira (2010) e Ribeiro (2008).

            O enredo de Iracema se dá quando Iracema vai a uma caçada, e encontra-se com os europeus, atirando uma flecha em Martim, por quem se apaixona, imediatamente quebra a flecha selando a paz entre os dois. Martim é convidado para se hospedar em sua tribo, e acaba por se apaixonar pela índia, destruindo o pensamento do pajé, pois ela é pura e não pode ter relações. Acaba fugindo com Martim e tendo um filho escondido, Martim a deixa, Iracema acaba morrendo de chorar e por ter que alimentar seu filho sozinha, amando muito o seu amado mesmo abandonada acaba morrendo.

             No enredo d’Os Maias é descrito toda a trajetória de uma família e a estirpe das personagens femininas da obra. O romance se desenvolve em duas linhas de ação: a primeira, em torno dos amores incestuosos de Carlos da Maia; a segunda, em torno da vida da alta burguesia lisboeta. A narrativa inicia-se com Pedro da Maia, filho de Afonso da Maia, educado, conforme enfatiza o narrador, de acordo com padrões românticos. Pedro da Maia casa-se com Maria Monforte, filha de um traficante de escravos. Dessa união nascem dois filhos: Maria Eduarda e Carlos. O casal se separa logo depois. A menina fica com a mãe, e o menino com o pai, que se suicida. O romance gira em torno de toda questão incestuosa de Carlos e Maria Eduarda, descrita por Eça como uma personagem profana, terminando ai com uma frieza da mesma quando sabe do incesto.

             Em Iracema, a índia é a personificação da América por isso é exaltada idealisticamente; e em Os Maias, as personagens femininas exaltam a crítica ao romantismo e à sociedade do século XIX.

            A expectativa deste estudo é promover novas discussões sobre obras consagradas da literatura possibilitando ao leitor iniciante visualizar as expressões características de cada personagem, assim saber a relação existente entre concepção de arte, suas intenções e suas manifestações no âmbito dos estilos de época.

 

2 MATERIAIS E MÉTODOS

              O método utilizado neste artigo foi a análise do fato literário, subsidiada por pesquisa bibliográfica. A pesquisa bibliográfica é a leitura e análise de livros acerca de um determinado assunto, essa pesquisa é uma das etapas fundamentais de um artigo científico, comparadas de acordo com Brend (1992), Cal (1969), Moisés (1975), Moreira (2010), Ribeiro (2008), os quais foram utilizados para produção do mesmo. O fato observado foi a relação de pertinência entre o perfil de personagens romanescos e estilo de época.

             O estudo assume perspectiva comparativa e toma personagens de ficção de dois romances de diferentes autores (José de Alencar e Eça de Queiroz); nacionalidades (brasileira e portuguesa) e estilos de época (romantismo e realismo). Esse procedimento, baseado na relação de semelhanças e contrastes, foi adotado para melhor possibilitar a compreensão da relação entre concepção de arte e manifestação artística, relação essa definidora dos estilos de época.

            A abordagem comparativa é o método de comparar as obras de autores diferentes, ou de diferentes estilos de época, para resolver a problematização exposta por cada autor. Assim realizando uma comparação e verificando como cada autor expõe suas ideias a respeito do tema.

            Como foco analítico foi adotado o perfil feminino, a nosso ver, o mais elementar para a discussão do tema pretendido por concentrar o maior volume de caracteres denotadores de cada estilo de época. Parti-se do pressuposto de que Iracema representa o ufanismo romântico e o novo continente americano, metonimicamente representado pelo Ceará, berço natal do autor. Em contrapartida, Maria Monforte e Maria Eduarda d'Os Maias, romance adepto do Realismo, contrapõem-se frontalmente ao perfil idealizado da heroína romântica, isso sendo compreendido como uma crítica do autor ao Romantismo. 

             A metodologia empregada foi o estudo das obras dos autores José de Alencar e Eça de Queirós, a seguir uma breve explanação com os pensamentos de autores consagrados como Brend (1992), Cal (1969), Moisés (1975), Moreira (2010), Ribeiro (2008), através deles comprovar a tese de que as personagens femininas são a pura consequência de fatos metódicos do cotidiano. O estudo assume ainda outro procedimento metodológico: privilegia os caracteres do perfil feminino a partir da relação das personagens na sua relação com o sexo oposto.   

              O objetivo desta análise é destacar as principais caracterizações nas personagens femininas de Iracema e Os Maias, retirando passagens que comprovem e as analisando, assim explicar o romantismo e realismo, suas críticas e abordagens.

  

3 RESULTADOS E DISCUSSÃO

 

            Neste tópico a análise básica é a comparação dos caracteres estilísticos das personagens femininas em Iracema e n’Os Maias, focando como seus autores constroem suas personagens femininas e o que se esconde por trás de cada uma.

          Um dos mais belos romances da literatura romântica, Iracema é considerado um poema em prosa. A trágica história da bela índia apaixonada pelo guerreiro branco é contada por José de Alencar com o ritmo e a força de imagens próprios da poesia.

          Em Iracema, José de Alencar construiu uma alegoria perfeita do processo de colonização do Brasil e de toda a América pelos invasores portugueses e europeus em geral. O nome Iracema é uma anagrama da palavra América. O autor demonstra, já a partir do título, um evidente trabalho de construção de uma linguagem e de um estilo que possam melhor representar, para o leitor, a singeleza primitiva da língua bárbara, com termos e frases que pareçam naturais na boca do selvagem, ou seja, começam as descrições singelas de Iracema.

         Os Maias é uma obra complexa de Eça de Queirós, composta por 18 capítulos bem elaborados, com descrições minuciosas dos seres e objetos. A obra adquire uma magnitude da época, no panorama da vida social do século XIX.

          A obra realista critica principalmente a burguesia, clero e Estado. As figuras femininas na obra são representadas por um estereótipo, ou seja, um tipo próprio. O romance é organizado como meio de demonstrar as fragilidades da época, que eram impostas pela sociedade romântica, em que o principal alvo de ataque é a Burguesia e o Clero, organizado em praticamente todas as obras de Eça de Queirós.

           O realismo de Eça não é apenas um trabalho literário, mas também um profundo método de criação e traços de cientificidade, em que o autor procura explicar teses, em personagens e descrições, ou seja, os romances de Eça são basicamente teses comprobatórias da fragilidade humana, e adaptando o raciocínio lógico da tese à estética realista, esses determinados relatos da vida burguesa resultam certamente na podridão social que precisa ser curada na sociedade do século XIX.

           Eça de Queirós procura fidelidade ao estilo, e com caráter próprio tem controle da técnica narrativa “criando obra pessoal, acima das correntes científicas e filosóficas em moda” (MOISÉS, 2006, p.191).

            De modo particular, Eça descrevia os objetos e personagens em sua obra. Os Maias reflete, a partir de descrições minuciosas, o aspecto mais subjetivo daquilo analisado, até que o leitor se sinta parte da denuncia de sua obra.

Segundo Cal (1969, p.275):

 

Seus textos possuem unidade super-refinada e transparente, cuja superfície, pura e tranqüila, nos dá a falsa sensação de simplicidade e de felicidade – quando na verdade, esconde uma trabalhada complexidade, e é o resultado de um esforço de criação férreo e angustioso.

             Esse é o jeito próprio de escrever de Eça de Queirós, visto na aparente simplicidade das coisas, escondendo a complexidade dos objetos e sensações.

            Já em Iracema quando José de Alencar a idealizou, tinha em mente um ousado projeto criar uma literatura que demonstrasse a identidade brasileira e que ao mesmo tempo despertasse o orgulho de uma nação.

            Através de Iracema, o autor idealiza toda uma nação, contando através dela todo processo de colonização do continente americano e principalmente do Estado do Ceará, terra natal do autor, em que o mesmo vai relatar as consequências desastrosas desse processo.

            Ribeiro (2008) em seus estudos levantou a hipótese de que Iracema poderia tratar-se de um anagrama da palavra América, já que ambos os nomes têm as mesmas letras. O que nos leva a acreditar nessa teoria é o fato do autor não mencionar em hipótese alguma o nome da mãe de Iracema, iniciando o enredo da seguinte forma: “Além, muito além daquela serra, que ainda azula no horizonte, nasceu Iracema” (ALENCAR, 2007, p.10), dando-nos a entender que ela nasceu da própria terra americana, sendo constituída da própria natureza, como as palmeiras, o mel, a graúna, como se percebe no início do capítulo II “Iracema, a virgem dos lábios de mel, que tinha os cabelos negros como a asa da graúna e mais longos que seu talhe de palmeira [...]” (ALENCAR, 2007, p.10).

 

3.1 O PERFIL ROMÂNTICO       

 

             A forma com que Alencar descreve o primeiro contato da índia com o homem branco, relata inicialmente a forma com que o continente e o estado começaram a ser colonizados:

 

            Foi rápido, como o olhar, o gesto de Iracema. A flecha embebida no arco partiu. Gotas de sangue borbulhavam na face do desconhecido [...] Porém a virgem lançou de si o arco e a uiraçaba, e correu para o guerreiro sentida da mágoa que causara. A mão que rápida ferira, estancou o sangue que gotejava. Depois quebrou a flecha da paz. (ALENCAR, 2007, p.15)

 

            Nesta passagem percebe-se que os índios reagiram ao branco, colonizador, por extinto natural e mostrando-se vulneráveis ao colonizador, rendendo-se aos seus encantos.

           Ribeiro (2008, p.225) sintetiza da seguinte forma:

 

O co-protagonista Martim - um português, branco e colonizador – invade o espaço físico, cultural e nacional de Iracema – uma brasileira, indígena e colonizável – para aí levar a língua, a cultura e a dominação branca.

 

 

            Vários são os exemplos encontrados no decorrer da obra que remetem a esse pensamento de dominação dos índios brasileiros, a forma com que Iracema é descrita nos traz a ideia de exaltação da pátria, e podemos ver através do seguinte fragmento:

 

Iracema, a virgem dos lábios de mel, que tinha os cabelos mais negros que as asas da graúna, e mais longos que seu talhe de palmeira. O favo da jati não era doce como seu sorriso; nem a baunilha recendia no bosque como seu hálito perfumado. Mais rápida como a ema selvagem, a morena virgem corria o sertão e as matas do Ipu, onde campeava sua guerreira tribo, de grande nação tabajara. O pé grácio e nu, mal roçando, alisava apenas a verde pelúcia que vestia a terra com as primeiras águas. (ALENCAR, 2007, p.10)

            Podemos observar que com uma maestria impressionante, o autor faz o uso frequente de comparações das características físicas da personagem com elementos na fauna e na flora do continente americano e mais especificamente aos elementos naturais presentes nas terras cearenses, mostrando claramente a busca de um elemento nacional através da personagem indígena.

          Segundo Ribeiro (2008, p.226):

 Num sistema contínuo de comparações, a personagem é fundida e confundida com a própria natureza americana, num movimento característico de nosso romantismo que, em geral, sobrepunha ao conceito de paisagem.

            Assim como a pátria é exaltada através da figura da índia, é por meio dela que Alencar prevê o fim da raça indígena, pois Iracema ao final da obra morre para que seu filho Moacir, que representa a mistura das raças, a origem do nosso povo passa a sobreviver e assim funda toda uma pátria. Um dos aspectos importante da obra é o afastamento da cultura indígena, como o batismo do índio Poti, que ao ser batizado, troca seu nome e suas crenças para seguir apenas a cultura de seu amigo europeu.

            A  literatura romântica, em que se insere José de Alencar, buscou consolidar um projeto que não se inicia em tal momento literário, mas muito antes, e que galga destaque apenas no romantismo, que é de criar uma literatura originalmente brasileira que se distanciasse dos moldes portugueses e que traduzisse uma tessitura literária que refletisse elementos verdadeiramente nacionais. É importante frisar que Iracema, de José de Alencar, constitui-se dentro do projeto nacionalista dos românticos. Candido considera “a atividade literária como parte do esforço de construção do país livre, em cumprimento a um programa, bem cedo estabelecido, que visava a diferenciação e a particularização dos temas e modos de exprimi-los.” (1981, p.26).

            Para se criar uma nação brasileira era necessário pensar essa nação a partir de elementos que reunissem a verdadeira identidade deste novo país. Essa identidade é construída por meio do índio e da natureza, e em um primeiro momento a nação não pode ser pensada a partir da instituição independente que acabava de emergir, mas era preciso pensar em um momento glorioso para se criar a nação.

 

3.2 O PERFIL REALISTA

 

           Em Os Maias, a caracterização das personagens femininas, Maria Monforte e Maria Eduarda, é bem mais complicada, pois ora o autor as qualificam e ora mostra sues defeitos, destacando a crítica da sociedade burguesa do século XIX, sobretudo criticando a hipocrisia romântica através das fantasias sentimentais.

           A crítica sobre o romantismo é muito aparente em Os Maias, seja através de ironias ou indiretas das personagens, como no fragmento “[...] essas coisas de realismo e romantismo, histórias... Um lírio é tão natural como um percevejo.” (QUEIRÓS, 2008, p.208).

          Com base em Moisés (1975, p.230), as personagens analisadas são planas:

 

A personagem plana depende do meio para adquirir sua individualidade, ainda assim relativa; moldada pelo ambiente social em que vive, dele recebe sua linguagem, seus gestos, seu porte, seus hábitos, e mesmo seus modos de pensar e de sentir. Por isso, funciona como uma espécie de índice-social [...].

             Enfim, essas personagens são seres sobre os quais se processam o exagero de uma tendência caracterizada, pelos tipos e caricaturas.

           Um dos aspectos de criação dessas duas personagens é a observação, uma estratégia da época, “sempre o ficcionista extrai as personagens de dentro de si, pois mesmo quando emprega a observação ou a memória, transforma tudo em matéria própria” (MOISÉS, 1975, p.234), ou seja, o autor toma como observação e recria uma personagem própria para sua obra.

            Desse modo, percebe-se que em Os Maias, no primeiro capitulo o narrador descreve a personagem Maria Monforte como uma deusa, para expressar suas características e encantar Pedro da Maia, o iludido da obra:

Sob as rosinhas que ornavam o seu chapéu preto os cabelos louros, de um ouro fulvo, ondeavam de leve sobre a testa curta e clássica; os olhos maravilhosos iluminavam-na toda; a friagem fazia-lhe mais pálida a carnação de mármore, e com o seu perfil grave de estátua, o modelado nobre dos ombros e dos braços que o xale cingia, pareceu a Pedro nesse instante alguma coisa de imortal e superior a terra. [...] Mas era no camarote, quando a luz caía sobre o seu colo ebúrneo e as suas tranças de ouro, que ela oferecia verdadeiramente a encarnação de um ideal da Renascença, um modelo de Ticiano. (QUEIRÓS, 2008, p. 27 e 28)

             Pedro logo se apaixona pela beleza e o encanto de Maria Monforte, pois sua beleza transcendental é desenhada a partir de traços da renascença, tais características remetem à imagem de deusas da mitologia grega. Essas características vêm descrever a personagem como uma crítica endeusada ao romantismo e às mulheres do século XIX, na qual toda essa beleza descrita, no decorrer da obra, é desfeita mostrando os defeitos e atrocidade da personagem.

            Num contexto real, Maria Monforte era alguém sem estirpes na sociedade da época, alguém que vinha de uma família baixa, seu pai era negreiro (comerciante de escravos), era chamada de “negreira” e odiada por Afonso da Maia, pois a julgava má e perigosa, opondo-se ao casamento dela com o filho.

            Monforte queria apenas subir na vida e a família Maia era a melhor opção, “ela queria mostrar-se a Lisboa pelo braço desse sogro tão nobre e tão ornamental, com suas barbas de Viso-Rei” (QUEIRÓS, 2008, p.36), esta é uma de suas características, conquistar a nobreza.

           O casamento de Pedro e Monforte chega ao fim logo após o nascimento do segundo filho, quando ela foge com sua filha Maria Eduarda e um italiano, deixando Pedro em uma depressão que o leva a morte.

            Seguindo para a análise da caracterização da próxima personagem, Maria Eduarda, filha de Maria Monforte e Pedro da Maia.

         Maria Eduarda é uma mulher divinamente bela, retratada em especial, por sua pureza, que no decorrer do enredo vai sendo subvertida, também de modo semelhante à sua mãe.

          Maria Eduarda segue uma descrição estereotipada da mulher romântica, que manipula as pessoas, por conta de interesses. Em várias passagens para designar a beleza da moça, há comparações com deusas: “seu belo ar claro de Diana loura [...]” (QUEIRÓS, 2008, p.187).

          O narrador descreve a beleza, na cena em que Maria Eduarda é apresentada à Carlos no Hotel Central, que logo se apaixona:

 

[...] uma senhora alta, loura, com um meio véu muito apertado e muito escuro que realçava o esplendor de sua carnação ebúrnea. Craft e Carlos afastaram-se, ela passou diante deles, com um passo soberano de deusa, maravilhosamente bem feita, deixando atrás de si, como uma claridade, um reflexo de cabelos de ouro e um aroma no ar. Trazia um casaco colante de veludo branco de Gênova, e num momento sobre as lajes do peristilo brilhou o verniz das suas botinas (QUEIRÓS, 2008, p.134)

 

            Esses detalhes enaltecedores ao longo da história, vão demonstrando no interior da beleza, a ironia dos elementos fúteis sonhados pelas mulheres do realismo de Eça. Com isso vai destruindo o modelo de beleza romantizado, que recobre a mulher apenas exteriormente, destruindo o seu caráter, dessacralizando a deusa, que na verdade é profana.

            Esse detalhe é percebido através dos objetos de Maria Eduarda, no modo de observação do narrador:

 

E ao lado, em cima do toucador, entre os marfins das escovas, os cristais dos frascos, as tartarugas finas, havia outro objeto extravagante: uma enorme caixa de pó-de-arroz, toda de prata dourada, com uma magnífica safira engastada na tampa dentro de um círculo de brilhantes miúdos, uma jóia exagerada de cocotte, pondo ali uma dissonância audaz, de esplendor brutal. (QUEIRÓS, 2008, p. 219).

 

 

            Eça mistura a beleza e a audácia de Maria Eduarda, de modo a caracterizá-la como fútil, uma mulher idealizadora de coisas profanas, de sensualidade externa.

            Outra passagem que revela a caracterização da personagem como profana e adúltera é quando ela supostamente casada com o senhor Castro Gomes, cede facilmente aos encantos de Carlos da Maia, aceitando a proposta de fuga para um lugar longe em Lisboa.

 

3.3 COMPARANDO PERFIS E INTENÇÕES 

           Como se percebe em Iracema, a índia permanece até o seu fim amando Martim e cuidando de seu filho, no contexto do nascimento do filho de Iracema, ao qual o pai Martim tem que se ausentar. A índia fraca e solitária tem que cuidar e alimentar o filho, sendo que seu leite havia secado, devido as lagrimas que foram derramadas, “as lagrimas de Iracema percorrem a parte final do romance, num pathos que faz da heroína épica uma vitima da tragédia” (MOREIRA, 2010, p.127). Iracema recorre a uns cachorrinhos na mata para ter que alimentar Moacir (filho da dor), que é nutrido com o sangue da raça guerreira que luta até a morte. Compreende-se claramente esta passagem na obra:

 

Iracema arrastando o passo trêmulo [...] aí parou: quando o grito da jandaia de envolta com o choro infantil a chamou à cabana, a areia fria onde esteve sentada guardou o segredo do pranto que embebera. A jovem mãe suspendeu o filho à teta; mas aboca infantil não emudeceu. O leite escasso não apojava o peito. O sangue da infeliz diluía-se todo nas lágrimas incessantes [...] Põe no regaço um por um os filhos da Irara [...] os cachorrinhos famintos sugam os peitos avaros de leite [...] Iracema curte dor [...] mas os seios vão se intumescendo, e o leite ainda rubro do sangue de que se formou, esguicha [...] mata a fome do filho, ele agora é duas vezes filho de sua dor, nascido dela e dela também nutrido. (ALENCAR, 2007, p.91-92).    

           A índia faz de tudo para nutrir e fortificar seu filho, para que ele possa crescer forte. A pobre mãe quase sem forças nutre o miscigenado com seu próprio sangue, para que funde com seu pai um novo mundo. Quando Alencar escreve “Além, muito além daquela serra que ainda azula no horizonte” (2007, p.10), começa a tecer bases que vai levar o leitor a organizar o lendário e a convenção ideológica presente na obra e no romantismo brasileiro, “a literatura atua em determinados momentos históricos no sentido da união da comunidade em trono de seus mitos fundadores, de seu imaginário ou de sua ideologia, tendendo a uma homogeneização discursiva” (BREND, 1992, p.21).

           Contudo, o autor constrói a simbologia e a origem de sua terra natal, a mãe nutridora, as metáforas que identificam Iracema como mito fundador do povo cearense, que surge aí “dois mundos: o da velha civilização européia e o Novo Mundo da América” (MOREIRA, 2010, p.121), então, toda descrição de Iracema é para exaltar a índia como a pátria amada.

           Maria Monforte é o estereótipo da mulher romântica, é a crítica à sociedade de Lisboa do século XIX, é descrita como deusa e idealista, uma musa inatingível tal como as mulheres do romantismo. A crítica começa quando o autor quebra todo esse conceito, com a traição e a fuga com outro homem, deixando seu marido, que morre de desgosto.

           O comportamento comprometedor de Maria Eduarda, dá-se por conta da personagem ser uma crítica sagaz do romantismo; a omissão de certos detalhes à Carlos, a manipulação dos homens, e dos tons de voz sensuais, faziam-na a verdadeira profana do realismo, em que no romantismo essa concepção é um pouco diferente, a mulher é subserviente do amado até a morte, atraindo-se apenas a um homem.

          O autor comprova a tese de que o romantismo é uma deturpação da educação, onde há impossibilidade de realização amorosa e consequentemente um escapismo.

          O objetivo específico desta analise foi desenvolver uma abordagem crítica, às personagens de Iracema e d‘Os Maias, e toda a estruturação de suas idealizações feitas pelos autores, que tem objetivo de endeusar e ao mesmo tempo quebrar conceitos e criticar.

 

 4 CONSIDERAÇÕES FINAIS

 

            A análise feita em Iracema permite perceber que a heroína romântica é idealizada de modo a tornar-se a América personificada, tentando criar os fatos e detalhes próprios da natureza na própria índia, assim mostrando a descrição da mulher romântica como sempre linda e submissa ao seu amado. Em Os Maias, a caracterização é dotada de endeusamentos e feições próprias das mulheres da burguesia, em que se tornam profanas no final da obra, criticando o romantismo e a sociedade do século XIX.

            Num movimento de escapismo, o artista romântico evade-se para os universos criados em sua imaginação, ambientados no passado ou no futuro idealizado, em terras distantes envoltas na magia e no exotismo, nos ideais libertários alimentados nas figuras dos heróis. A fantasia leva os românticos a criar tanto mundos de beleza que fascinam a sensibilidade, como universos em que a extrema emoção se realiza no belo. Os escritores realistas procuram fazer o romance de revolução, pretendendo reformar a sociedade por meio da literatura crítica, analisando as personagens psicologicamente, fazendo crítica através do comportamento das personagens.

            Contudo, é de forma simples que se percebe a literatura romântica, pelo bom senso do autor em expressar a personagem e também pela linguagem clara, José de Alencar expressa totalmente os sentimentos de uma boa mulher em Iracema, até que ela sem forças morre pelo amor eterno de Martim, essa é a característica básica do romantismo. Eça de Queirós idealiza a mulher de forma bipolar, expressando a sua corrupção perante a sociedade, buscando denunciar as mazelas da sociedade do século XIX. Contudo, os romances podem ser considerados úteis para denunciar o conflito idealizador da mulher, a definição concreta de mulher nos dois estilos literários, mulher é sempre a idealizada e demonstra que tem uma utilidade na sociedade.

           

 

 

 

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

 

ALENCAR, José de. Iracema: Lenda do Ceará. São Paulo: Paulus, 2ed, 2007.

BREND, Zilá. Literatura e identidade nacional. Porto Alegre: Ed da UFRGS, 1992.

CAL, Ernesto Guerra Da. A originalidade estilística de Eça de Queiroz. In: Língua e estilo de Eça de Queirós. Rio de Janeiro: Universidade de São Paulo, 1969.

CANDIDO, Antônio. A literatura e subdesenvolvimento. In:______ Educação pela noite e outros ensaios. São Paulo: Ática, 1981.

MOISÉS, Massaud. A literatura portuguesa. 34. ed. São Paulo: Cultrix, 2006.

______. A criação literária: introdução à problemática da literatura. 7 ed. São Paulo: Melhoramentos, 1975.

MOREIRA, Viviane Pinto. Mito e Literatura: Academia Cearense de Letras. Fortaleza: Expressão Gráfica Editora, 2010.

QUEIRÓS, Eça de. Os Maias. São Paulo: Martin Claret, 2008.

RIBEIRO, Luis Felipe. Mulheres de papel: um estudo imaginário em José de Alencar e Machado de Assis. 2ed. Rio de Janeiro: Forense Universitária: Fundação Biblioteca nacional, 2008.

 



* Acadêmico do 6° período do Curso de Letras, Licenciatura Plena com Hab. em Língua Portuguesa da Universidade Estadual Vale do Acaraú – UVA.

** Professora do componente curricular Literatura Brasileira I e orientadora do referente artigo científico.