O poema “Os sapos” de autoria do escritor brasileiro Manuel Bandeira foi publicado no livro Carnaval em 1919, considerado produção da primeira fase do escritor modernista, mas que já aponta nesse poema, elementos defendidos nas produções de diversos integrantes do movimento modernista no Brasil.

Manuel Bandeira revelou-se um autor capaz de apropriar-se da tradição, instaurar a ruptura e inaugurar o novo, o moderno. Considerado um dos pioneiros do movimento modernista brasileiro, este escritor apresenta o novo a partir de uma simples mudança de enfoque, de contexto; um poeta que se insubordina contra as figuras sempre repetidas do Parnasianismo e oferece o inusitado, a surpresa, elementos estéticos resultantes do leitor curioso e obsessivo e do vasto conhecimento adquirido em diversas áreas, sobretudo Artes, Música e Literatura.

Participou indiretamente da Semana de Arte Moderna colaborando com os planos traçados por seus companheiros no desejo de difundir uma arte que valorizasse o verso livre e anúncio da arte nacional.

O poema metalingüístico “Os sapos”, lido no segundo dia do evento acima citado, foi alvo de severas críticas, pois, procura discutir como a poesia não deveria ser, ou seja, de forma irônica, o autor se utiliza de recursos dos próprios parnasianos para satirizar a poética destes.

Iniciado com uma cena em que alguns sapos saem da penumbra e enfunados de orgulho se põem a conversar. Os termos sapo-boi, sapo-tanoeiro, sapo-pipa são metáforas para o que podemos chamar de “tipos” de poetas e o teor da conversa é a poesia que eles defendem e com a qual estão em conjunção. O sapo-torneiro, cuja enunciação domina metade das estrofes, descreve o seu cancioneiro, a sua poética com preceitos da poética parnasiana, ironicamente descrito pelo autor como um “parnasiano aguado” pelos elogios e exaltações que faz a essa poesia, uma espécie de julgamento positivo do seu “fazer poético” destinado à sociedade literária de uma determinada época e a integração dos valores de um determinado grupo.  

O sapo cururu, figura o poeta não-parnasiano, por isso, desintegrado, (longe dessa grita (...) sem glória, sem fé (...) solitário), versos das últimas estrofes, fundamenta o movimento integração versus transgressão. Sua representação de uma ação inglória de valores de descontinuidade e ruptura, enfoca a contenção de uma tradição longa que, ironicamente, nega o que o enunciado afirma de um tipo de fazer poético parnasiano em oposição a poesia “livre de amarras”.

A utilização da figura dos sapos como metáfora dos poetas, trata-se de certo grau de humor cujo objetivo do autor é conduzir, indiretamente, a desconfiar da aparente ideia de exaltação das formas e normas da poesia parnasiana. Termos como “parnasiano aguado, cancioneiro bem martelado, comer os hiatos, verso bom”, evidenciam ironicamente, a presença de palavras eruditas, difíceis ou pouco utilizadas, prática comum entre os poetas parnasianos.

Bandeira segue o percurso figurativo com os próprios tipos de sapos empregados para representar os poetas. Enquanto os poetas parnasianos são apresentados como tipos de sapos menos conhecidos concernente aos termos encontrados na poética parnasiana (enfunado, cognatos, frumento, perau), a utilização de um tipo bastante comum de sapo e a intertextualidade com uma cantiga de roda “Sapo cururu”, remetem ao cotidiano e à simplicidade do poeta não-parnasiano e da temática da poesia modernista instaurada por diversos artistas posteriormente.

No entanto, a ironia se configura com maior ênfase na forma de compor o poema. O autor cria versos de cinco sílabas, porém, em redondilhas menores, ou seja, uma forma mais simples de compor sílabas poéticas, além dos quartetos, formas consideradas populares abomináveis para os parnasianos que prezavam pela sofisticação e pelos sonetos.

Logo, o poema “Os sapos” faz uma crítica contundente ao parnasianismo de modo irônico e sarcástico, valendo-se do tema e da própria forma poética na construção poética.

 

ALMEIDA, Dayane Celestino de. Análise Semiótica do poema “Os sapos” de Manuel Bandeira. Cadernos de Semiótica Aplicada. Vol. 5. nº 2. São Paulo: USP, 2007.