O pessimismo na obra Memórias Póstumas de Brás Cubas, de Machado de Assis¹

                                           Susana Ramos de Vasconcelos Batista²

RESUMO: O presente trabalho propõe uma investigação da característica do pessimismo na obra Memórias póstumas de Brás Cubas, de Machado de Assis, através de pesquisa bibliográfica. Pesquisamos sobre as possíveis origens do pessimismo machadiano: a vida do autor, Machado de Assis, e as influências oriundas de suas leituras sobre alguns pensadores e filósofos. Analisamos o distanciamento entre a aparência e a essênciahumana que desencadeiam o seu ceticismo, levando em consideração as características doRealismo, escola literária na qual pertence a obra. A pesquisa bibliográfica foi fundamentadanos autores BOSI (2006), CANDIDO (1975), COUTINHO (1940), NUNES (1993),MACHADO DE ASSIS (1997), entre outros.

PALAVRAS-CHAVE: Memórias póstumas de Brás Cubas. Pessimismo. Mesquinhez humana. Aparência. Essência.

1 INTRODUÇÃO

O intuito deste trabalho é tentar esclarecer a característica do pessimismo dentro da obra Memórias póstumas de Brás Cubas, de Machado de Assis, como sendo oriunda do contraste entre a exterioridade e a interioridade humana.

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¹ Artigo científico elaborado na disciplina: Literatura Brasileira I, ministrada pelo professor Ângelo Bruno e solicitado como requisito necessário para a conclusão da referida disciplina no curso deLetras habilitação em língua portuguesa da Universidade Estadual Vale do Acaraú, 2012.2.

² Acadêmica do curso de Letras da UVA habilitação em língua portuguesa, regularmente matriculadana disciplina em epígrafe no semestre letivo 2012.2.

A relevância deste trabalho está firmada no aprofundamento do estudo da obra e nas singularidades do movimento literário na qual a mesma pertence, além da investigação das origens do pessimismo machadiano, dentro da obra citada. 

Memórias Póstumas de Brás Cubas, publicada em 1881, é a obra que marca o inicio do Realismo no Brasil, introduzindo o romance psicológico na Literatura Brasileira.

Seu foco principal não está direcionado para a exterioridade, para a ação ou para a descrição de ambientes, mas sim, para o fato de tratar da caracterização interior dos personagens, analisando-os psicologicamente e evidenciando suas contradições e seus problemas existenciais. Assim como afirma Fujyama (1971,p.80) “a ação se transfere para o mundo interior e em todos os seus romancespassam os enredos a ter menos importância, porque o que é fundamental para êle(Machado) é a história profunda das almas”. Portanto, Machado realiza um desvendamento íntimo dos personagens e os mostra como são na realidade, exteriorizando o caráter predominante na raça humana.

A contribuição deste estudo levará os estudantes do curso de Letras Habilitação em Língua Portuguesa da Universidade Estadual Vale do Acaraú – UVA a compreender a importância de uma análise fundamentada em duas vertentes: a obra e a escola literária. E também levará os acadêmicos a conhecer mais sobre afilosofia pessimista e sua influência na obra Memórias póstumas de Brás Cubas, de Machado de Assis.

2 AS ORIGENS DO PESSISMISMO MACHADIANO

O pessimismo pode ser definido como a descrença na vida, odesencantamento no mundo, ou seja, uma visão negativa das perspectivashumanas em relação a sua existência, que por sua vez é condicionada a acontecimentos trágicos, porém, com algumas nuances de humor, sempre acarretando no sofrimento dos indivíduos.

Uma das maiores influências machadianas foi a do filósofo alemão Arthur Schopenhauer com sua filosofia pessimista. Para ele a filosofia tinha como função a elucidação do sentido do mundo.

Mas o duplo rosto da vida humana não deve nos iludir. Quando o filósofo escreve que o sofrimento é o fundo de toda vida, não pretende opor sofrimento e tédio. São duas flores do mesmo mal, um mal metafísico, ao qual se deve chegar para compreender a contradição envolvida pela fórmula “vida feliz”, e a cruel desilusão infligida à inteligência que alimenta o erro inato de crer que existimos para sermos felizes. (PERNIN, 1995, p. 147).

De acordo com Schopenhauer, a vida se resume ao sofrimento e que este nos leva ao tédio, que é o sentimento de morte incluso na vida, pois todos os nossos desejos, nossas aspirações de felicidade se constituem no campo externo, no que se refere ao material, daí resulta a miséria da condição humana. Segundo Pernin (1995, p.149), a “nossa felicidade está situada inteiramente fora de nós; seu lugar é a cabeça dos outros”, isso resulta na não concretização da satisfação de nossas vontades, levando-nos a “um vazio interior”.

O pessimismo é uma característica constante na obra de Machado de Assis. Assim como afirma Bosi (2006, p.176), Machado de Assis “abraçou como fado eterno dos seres o convívio entre egoísmos”, ou seja, na obra Memórias Póstumas de Brás Cubas, ele a utiliza para evidenciar a sua desilusão nos seres humanos e nas relações sociais que são sempre motivadas por interesses.

“seu equilíbrio não era goetheano – dos fortes e dos felizes, destinados a compor hinos de glória à natureza e ao tempo; mas o dos homens que, sensíveis a mesquinhez humana e à sorte precária do indivíduo, aceitam por fim uma e outra como herança inalienável, e fazem delas alimento de sua reflexão cotidiana”. (BOSI, 2006, p.176)

Nesse contexto, observamos que o pessimismo na obra machadiana advém de certo determinismo, ou seja, de uma pré-disposição na qual todo homem está fadado à miséria e a infelicidade pelo simples fato da natureza humana condicioná-lo a ser medíocre. 

Machado de Assis foi um homem que passou por muitas provações na vida: era mestiço, pobre, gago, epilético, e provavelmente fora alvo de muitos preconceitos, devido essas suas características inapropriadas à sociedade fluminense da época.

Foi sobre essas dificuldades que se construiu o grande nome, possivelmente o maior, da literatura brasileira. Apesar disso foi um autodidata, apreciador da boa literatura, foi bastante influenciado pela filosofia niilista, além das idéias de Pascal, Montaigne, Nietzsche, dentre outros grandes filósofos e pensadores que lhe deram suporte psicológico para desvendar a psique humana.

[...] Leitor assíduo de Pascal, e no entanto privado do consolo da religião,[...] restou a Machado de Assis, sem o socorro da fé cristã, a visão desventurada da existência – o pessimismo congênito, que selou a sua afinidade eletiva com o de Schopenhauer, a julgarmos como elemento afetivo, como mood de caráter fluido, tanto pertencente à vida quanto à obra, à biografia e a escrita, passando de uma a outra [...]. (NUNES, 1993, p. 129)

Podemos perceber que a vida, além de suas experiências adquiridas com a leitura de grandes autores, fez de Machado de Assis, um homem triste, irônico e sem dúvida um verdadeiro pessimista e que ele transmitiu para suas criações toda angustia vivida e presenciada. Assim como afirma Cândido, (1975, p. 55) “a criação literária corresponde a certas necessidades de representação do mundo, às vezes como preâmbulo a uma práxis socialmente condicionada.”

Deste modo, percebemos que Machado de Assis recriava a realidade por ele experimentada e observada, transformando a sua visão de mundo em ficção, fazendo críticas a sociedade de sua época de maneira sutil e que só seriam percebidas por um leitor atento aos detalhes que fazem das obras machadianas obras-primas.

3 O PESSIMISMO NA OBRA MEMÓRIAS PÓSTUMAS DE BRÁS CUBAS, DE MACHADO DE ASSIS

A condição do narrador, defunto-autor, permite-lhe analisar o comportamento humano e avaliar suas próprias atitudes. Brás Cubas em sua narrativa faz revelações sobre a sociedade hipócrita em que vivia. Os comportamentos individuais e sociais não escapam à sua implacável reflexão crítica, pois já não necessita seguir o que dita as convenções sociais.

Desde o inicio da obra, em sua dedicatória em formato de epigrafe, podemos perceber o seu pessimismo, Machado de Assis, (1997, p.15) “Ao verme que primeiro as frias carnes do meu cadáver dedico como saudosa lembrança estas memórias póstumas”, pois quando dedicamos algo procuramos sempre fazer homenagens a pessoas amadas, queridas, dignas do nosso respeito e da nossa admiração. Brás Cubas faz exatamente o contrário, dedica sua obra a um verme colocando-o em posição superior em relação as pessoas com quem conviveu. Ao longo da obra Brás Cubas nos mostra que ninguém foi digno de sua admiração, pois todos possuíam interesses encobertos e que ninguém o tratou tão desinteressadamente como este verme, cujo único interesse era de se alimentar de seu cadáver, de modo que se mostrava como de fato era, exteriorizava a sua essência, ou seja, existia uma igualdade entra a aparência e a essência.

O pessimismo de Brás Cubas se dá pelo fato dele ter sempre rondado a periferia do poder, de ter passado pela vida sem ter conseguido nenhuma conquista que o enaltecesse perante a sociedade. É no último capítulo do livro que Brás Cubas faz uma síntese de suas negativas e de seus fracassos e nos expõe mais uma vez o seu pessimismo.

[...]. Não alcancei a celebridade do emplasto, não fui ministro, não fui califa, não conheci o casamento. Verdade é que, ao lado dessas faltas, coube-me a boa fortuna de não comprar o pão com o suor do meu rosto. [...] ao chegar a este outro lado do mistério, achei-me com um pequeno saldo, que é a derradeira negativa deste capítulo de negativas: ---- Não tive filhos, não transmiti a nenhuma criatura o legado de nossa miséria. (MACHADO DE ASSIS, 1997, p.234).

Brás Cubas vai enumerando seus fracassos e vangloria-se do fato de nunca ter precisado trabalhar para se sustentar. Ele se julga um perdedor, não venceu na vida, porém ele não lutou se acovardou diante das dificuldades. Aí também observamos seu pessimismo, pois sabemos que todo homem digno deve viver de seu trabalho e que este é que dignifica e enobrece o homem. Mais a frente afirma que se achou com um pequeno saldo de não ter tido filhos, nota-se aí, que ele de certo modo se vinga da vida, pois sendo o sentido dela a continuação da espécie, ele não repassa para ninguém herança da qual todos nós somos herdeiros, a natureza humana, que em sua essência é vil, mesquinha, preconceituosa e interesseira, deixando claro sua antipatia pela raça humana.

3.1 A APARÊNCIA X A ESSÊNCIA

Machado de Assis, ao longo da obra vai evidenciando as reações psicológicas de seus personagens, revelando a manifestação da natureza humana em sua essência. Demonstra sua descrença na humanidade, elucidando o grande distanciamento existente entre a aparência e a essência humana. 

O pessimismo de Machado é a tradução exterior da falta de saúde espiritual. Revela-se nas criações artísticas por um ódio sistematizado da vida e da humanidade, uma ausência total de simpatia para os homens e deconfiança neles, uma indiferença completa para os seus sofrimentos, amarguras e desesperos. (COUTINHO, 1940, p. 40)

A aparência é tudo aquilo que é exigida pela opinião pública e como o próprio nome já diz, se refere ao que é exteriorizado, e que necessariamente não precisa condizer com a verdade. E a essência é a verdade de cada ser, como ele é realmente, interiormente, sua índole, as suas vontades, seus pensamentos, seus sentimentos.

Percebemos através das reflexões de Brás Cubas a cerca de si próprio e dos outros personagens, que tudo o é exposto não condiz com que é pensado ou sentido por eles, ou seja, todos se utilizam de máscaras para viver em sociedade, pois sem elas seria praticamente impossível a convivência. 

Assim como Machado de Assis (1997, p.76), nos explica em sua obra através de um conselho repassado de pai para filho: “Teme a obscuridade, Brás; foge do que é ínfimo. Olha que os homens valem de diferentes modos, e que o mais seguro de todos é valer pela opinião dos outros homens.”, percebemos que, o que importa é o que os outros acham. O valor que você tem é o valor que os outros lhe atribuem. É preciso se adequar aos padrões estabelecidos pela sociedade para se atingir uma posição de destaque e consequentemente usufruir de sua notoriedade. É preciso mascarar seu verdadeiro “eu”, e assumir personalidades que estejam de acordo com as mais diversas situações, para que através delas se possa tirar o maior proveito possível.

Todos interpretam papéis para esconder a sua verdadeira face, que é individualista, egoísta, ambiciosa, vil, covarde, preconceituosa, dentre todas as outras características e sentimentos politicamente incorretos que são típicos dos homens, mas, que precisam ser escondidos, afim de que seja mostrado apenas o que possa garantir a inclusão e a permanência dentro da alta camada social.

3 CONCLUSÃO

O pessimismo machadiano estudado na obra, Memórias póstumas de Brás Cubas, é evidenciado com base no desconforto, na frustração, no descontentamento perante o mundo, a vida e a mesquinhez humana que é a essência do indivíduo e que esta é permanente e repassada a todos nós como herança na perpetuação da espécie, fadando-nos ao sofrimento,ao tédio e consequentemente à infelicidade.

Portanto, podemos corroborar mediante a pesquisa realizada que a contrariedade entre a aparência e a essência é o que desencadeia a desilusão na vida e nas relações humanas e propicia ao desmascaramento do verdadeiro caráter das pessoas, na qual é escondido, revelando-nos os homens como de fato são: egoístas, vingativos, interesseiros, falsos, preconceituosos, etc.

Nesta perspectiva, a incredulidade do autor na raça humana emana das

influências advindas da filosofia pessimista e do negativismo, além das suas próprias experiências: o convívio com a doença, sua origem humilde do morro do Livramento, o preconceito devido sua cor, de modo que essa descrença é repassada às suas obras.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

BOSI, Alfredo. História concisa da literatura Brasileira. ed 43. São Paulo: Cultrix, 2006.

CANDIDO, Antonio. Literatura e sociedade. São Paulo: Editora Nacional, 1975.

COUTINHO, Afrânio. A filosofia de Machado de Assis. Rio de Janeiro: 

FUJYAMA Y. Noções de literatura brasileira. São Paulo: Ática, 1971.

NUNES, Benedito. No tempo do niilismo e outros ensaios. São Paulo: Ática,1993.

MACHADO DE ASSIS, Joaquim Maria. Memórias póstumas de Brás Cubas. São Paulo: O Globo/Klick Editora, 1997.

PERNIN, Marie-José. Schopenhauer: decifrando o enigma do mundo. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 1995.