O início de Mário Faustino:
Análise crítica de seus primeiros poemas

O presente estudo apresenta uma análise crítica dos primeiros poemas do escritor piauiense Mário Faustino, estando embasada no entendimento do professor Francisco Paulo Mendes acerca da poética de Faustino. O objetivo desta análise é, dessa maneira, abordar os principais aspectos dos primeiros poemas do poeta (Auto-retrato, Elegia, Ode, 1º motivo da rosa, 2º motivo da rosa, Aqui jaz, Auto-retrato, Poemas do anjo, Poema), todos datados do ano de 1948, destacando suas preferências poéticas ? escolhas de temas, de estruturação, de vocabulário, etc.
O entendimento que perpassa os primeiros poemas de Mário Faustino ? entendimento este que foi abordado por Francisco Paulo Mendes em seu texto O poeta e a rosa: primeira notícia sobre a poesia de Mário Faustino ? é o de que todo poeta é um homem de seu tempo, retratando, pois, em sua poesia, não apenas a realidade na qual está imerso, como também, o seu drama interno, espiritual. Para tanto, o poeta utiliza-se de uma linguagem e uma forma (estrutura) poética adequadas à matéria de sua poesia; essa é a questão fundamental para que um poeta não se submeta ao convencionalismo, estabelecendo suas escolhas como princípios e leis, uma vez que deve ele apenas ser fiel à matéria poética com a qual trabalha, tendo "como seu único princípio a procura incansável da forma adequada à matéria da sua poesia" (MENDES, 2001: 195).
Assim sendo ? e tendo em mente que a poesia contemporânea caracteriza-se pela busca do poeta por um equilíbrio e consolidação poéticos por meio da utilização de todos os recursos já existentes, sejam eles de origem Clássica, Romântica, Parnasiana, Simbolista ou Moderna ?, mesmo que, aparentemente, os primeiros poemas de Mário Faustino possam demonstrar um retorno ao passado, mais especificamente às escolhas poéticas simbolistas, de acordo com o que postula Mendes, fica claro que, na realidade, o fato de Faustino ter optado em escrever do modo como escreveu, utilizando os recursos amplamente de que se serviu o Simbolismo, em nada exclui a veracidade de se afirmar que sua produção é contemporânea, uma vez que é justamente isso que caracteriza esta poesia: essa mistura, mescla entre os recursos apresentados e excessivamente utilizados no passado com aqueles mais atuais, atingindo, assim, a plenitude poética.
Em síntese, afirma Mendes (2001: 194) que:

O que pressentimos, certamente, é nos dirigimos para um momento de plenitude poética onde vai consumar-se, de modo perfeito e integral, toda a poesia que até agora tem jorrado, dos românticos revolucionários aos contemporâneos revolucionários, exuberante, e tumulturiamente.

E acrescenta (2001: 195):

A questão não é discutir se o poeta pode ou não pode versificar à antiga, e sim saber se a sua poesia exige ou não, no momento, essa versificação, se pela sua matéria ela pede para si uma forma ordenada e disciplinada. Como toda linguagem, o verso tem que ser adequado à natureza da matéria que ele exprime.

Posto isso, é possível compreender por que se utilizou Mário Faustino de recursos essencialmente simbolistas: pelo simples fato de serem eles os mais adequados para demonstrar, retratar o conteúdo de seus poemas ? e, consequentemente, o drama espiritual que o poeta vivia na época em que os escreveu ?, sendo Faustino, assim, exatamente como Mendes afirmou que deveria ser um poeta; fiel a si mesmo.
Analisando que nasceu Mário Faustino em 1930 e datando seus primeiros poemas de 1948, o poeta os escreveu aos 18 anos de idade, ou seja, durante a adolescência. Logo, seus primeiros poemas são recheados dos dramas e crises naturais de todo e qualquer adolescente, daí uma explicação para o uso de uma linguagem tão melancólica, de um vocabulário extremamente sugestivo (alma, mistério, ocultismo, anjo, rosa, etc.), da constante presença de imagens, da realidade subjetiva ? enfim de uma linguagem simbólica que, essencialmente, foi o recurso mais utilizado durante o Simbolismo, mas que foi a linguagem que o poeta identificou como a mais adequada à matéria de sua poesia, não excluindo a contemporaneidade da mesma.
Sua poesia primeira denota, pois, a crise da adolescência que se refere à etapa de transição do desaparecimento do mundo puro e inocente da infância com o universo áspero, mau, insensível e indelicado da vida adulta.
A esse respeito, Francisco Paulo Mendes comenta que (2001: 196):

É o drama espiritual dos adolescentes demasiadamente delicados e sensíveis e, por certo, nada mais do que o drama da pureza do homem, drama que no seu paroxismo pode gerar, como no caso de Rimbaud, segundo Daniel Rops, o desespero e a revolta.

Entretanto, diferentemente da maioria dos outros adolescentes, Faustino expressa sentir que ainda possui certa pureza, denotando um lado benigno de toda essa situação. É justamente essa pureza a responsável por permitir a auto-descoberta de sua personalidade, possibilitando a elevação de sua alma e a permanência e exteriorização (por meio da poesia) de seus sentimentos mais castos e sublimes. Mesmo com as decepções, Faustino conseguiu reservar em seu âmago sua beleza, pureza e delicadeza.
Abaixo encontram-se algumas marcas que sugerem as considerações desse seu drama espiritual da transição infância-vida adulta, de sua auto-descoberta e da presença da pureza e de sentimentos mais elevados em sua alma, em seu âmago.

a). o mais triste dos homens / embora nunca tenha sido o pródigo / Sou apenas uma pobre criança / pela primeira vez diante de si própria / E que tem medo ? do poema Auto-retrato, de 25/02/1948;
b). Ouço o teu canto pobre anjo decaído / mas estou preso e o abutre me contempla ? do poema Ode, de 07/03/1948;
c). A beleza é apenas a passagem divina / impiedosa e fugaz ? do poema 1º motivo da rosa, de 02/04/1948;
d). Veio para que o poema nascesse como suas pétalas sensíveis: / intocável e úmido do orvalho ? do poema 2º motivo da rosa, de 02/04/1948;
e). Não conhecer nem mesmo a rosa e o lírio / Ter medo e ter vergonha ajoelhado / Querer ser puro e sempre ver-se impuro / [...] E depois de tanta dor e tanta angústia / Pensar ter dado a luz a algo vivo / E levantar-se apenas com o poema ? do poema Auto-retrato, de 18/04/1948;
f). Hoje / Vejo-me através de meu rosto / Neste momento sem sei se sou poeta / ou apenas uma pobre criança pela primeira vez diante de si mesma Hoje / Vejo-a através de meu rosto / [...] Infância adormecida que ainda não passou / Hoje / Em chamas crescem os pecados por meu rosto / [...] Hoje eu me vejo / [...] Transbordo em volantes imagens que em mim não cabem mais ? do poema Auto-retrato, de 25/04/1948;
g). o pássaro feliz esvoaça em meu seio / afugentando as sombras com seu canto - do poema Poema, com data apenas do ano de 1948.

Ademais, é necessário fazer menção ao recorrente uso dos símbolos anjo e rosa em sua poesia, símbolos estes que, mesmo já tendo sido profundamente e constantemente explorados por outros poetas, Mário Faustino os utilizou com denotação(ões) diversa(s) da(s) anteriormente empregada(s).
A respeito do anjo, Faustino trabalha com o princípio da perda do anjo que cada um traz em si: "Querer ser puro e sempre ver-se impuro" (do poema Auto-retrato, de 18/04/1948). Apenas a figura do anjo pode simbolizar com tanta suavidade e delicadeza o amor de que trata Mário Faustino em sua poesia; um amor sublime. Além disso, essa busca pelo amor, pela glória e pelo sonho é constantemente acompanhada pelo ideal de pureza.
Quanto ao símbolo da rosa, Mário Faustino o utiliza como referência à questão da beleza, enquanto coisa rara, preciosa, delicada, que se esvai ao primeiro contato e que não se submete a um domínio ou a uma exploração; simplesmente entrega-se a quem não a força e/ou não a violenta. Nas palavras de Mendes (2001: 199), "ela é do artista que a ama e não dos sábios que a querem analisar e dissecar". Ademais, Faustino contrasta a beleza estável (in absentia) e a beleza efêmera (in presentia).
A título exemplificativo, percebe-se tal utilização, principalmente, em seus poemas 1º motivo da rosa e 2º motivo da rosa.


Poema 1º motivo da rosa, de 02/04/1948

Da rosa somente a pétala inconsútil
Inamissível lembrança

Onde o perfume a cor incompassiva?

A beleza é apenas a passagem divina
Impiedosa e fugaz


Poema 2º motivo da rosa, de 02/04/1948

A rosa adormecida sonha sonha e sonha
Por que surgiu a rósea rosa sonhando sonhando?

Veio para que o poema nascesse como suas pétalas

[sensíveis:
intocável e úmido de orvalho

Veio para que ficasse a sonolenta imagem
de qualquer coisa livre livre livre
voluntariamente presa a um caule
apenas para uma noite de sono.


Desse modo, procurou-se apresentar, sinteticamente, neste trabalho, os principais aspectos da poética primeira de Mário Faustino, tendo por referência, conforme já mencionado, o entendimento do professor Francisco Paulo Mendes.
A melhor maneira encontrada para desenvolver as considerações finais desta análise é uma citação de Mendes (2001: 200) que denota a beleza e poesia da produção de um jovem de, à época, apenas 18 anos de idade.

Há, principalmente, na sua poética [...] um vocabulário moderno e belíssimo que resulta de um altamente adequado e sugestivo emprego do adjetivo, compondo expressões de um potencial poético muito capaz de nos forçar, de repente, aquele estado de hipnose de que nos falam alguns teoristas da poesia pura: "súbita beleza", "transparentes anjos", "frágeis caminhos", "pegajoso mar", "alma esquecida", "mãos balbuciantes", "rosa assassinada", "anjo desambientado", "presença frágil", "pétala inconsútil", "inamissível lembrança", "cor incompasiva", etc.

Referência:

MENDES, Francisco Paulo. O poeta e a rosa: primeira notícia sobre a poesia de Mário Faustino. In: NUNES, Benedito (Org.). O amigo Chico: fazedor de poetas. Belém: SECULT, 2001.