Quem já leu a obra Shakespeare A Megera Domada? Nem precisa. Você pode se divertir com os plágios descarados que já foram exibidos nos canais abertos de televisão como, por exemplo, o filme norte-americano "Dez coisas que odeio em você", ou a novela "global" "O Cravo e a Rosa". Ambas as produções matem, mais ou menos, fielmente a essência do que quis transmitir, Shakespeare em sua obra, que segundo alguns historiadores poderia também ser um plágio. "A trama, relativamente simples, teria sido coletada por Shakespeare de antigos contos da tradição oral"*. Era costume dele pegar histórias populares, ou de outros autores menos conhecidos, "adaptá-las" e "assiná-las", by Shakespeare, mas isto não vem ao caso.
Nesta obra Shakespeare fala de uma donzela, Bianca, que pretende se casar, mas por ser a filha mais jovem da família, seu pai, impõe como condição para o seu desposamento, primeiramente, o casamento de sua filha mais velha, Catariana, "a Megera". Catariana, porém se impõe a vontade do pai. Ela não quer se casar, pois não quer viver sob tutela de um homem. Neste instante surge Petrucchio, um nobre falido a procura de um bom casamento, que aceita o desafio de "amansar" (domar) a fera e, então, casar-se com ela. No final, depois de submeter Catarina a série de humilhações disfarçadas ele consegue o que pretendia. Ele a amansa e a transforma numa esposa melhor que sua irmã, Bianca.
Como pode ser notado nesta pequena sinopse. Catarina pretende ser uma mulher não submissa aos atuais padrões sociais de sua época. Diferentemente de sua irmã que aceita tudo isto passivamente. Confira no próprio texto shakesperiano a discrepância no comportamento de ambas.
"BATISTA - Senhores, calma. Não altero nada. Bianca, vai para dentro. (Sai Bianca.) Como eu sei que a maior delícia dela consiste em música, instrumentos, versos, vou chamar professores que lhe possam instruir a mocidade. Signior Grêmio, ou vós, Hortênsio, caso conheçais algum, mandai que me procure logo. Sou sempre amigo das pessoas cultas, nada poupando para dar às filhas gentil educação. E agora, adeus. Catarina, ficai, pois ainda tenho de conversar à parte com Bianca. (Sai)
CATARINA - Como! Não ficarei. Por que motivo? Quem me impõe hora disto, hora daquilo? Não saberei orientar-me, acaso? (Sai.)"**

A Conpanhia Rústica em Busca de Shakespeare falam que nesta obra Shakespeare quis fazer um louvor ao feminismo, uma vez que ele retratou este modo rebelde de Catarina se socializar. "Acreditamos que é uma comédia festiva que celebra o amor e os movimentos vitais que transpassam a rigidez das regras sociais, afirmando e valorizando o poder feminino".*** Porém o que se ver claramente é uma ridicularização do feminismo pretendido por uma mulher do século XIII ou XIV. Veja que embora Catarina se comporte como uma feminista imbatível, ela sozinha não consegue se sobrepor a ordem vigente da época que era a total submissão da mulher perante o homem, tendo em vista que a sociedade daquele tempo era patriarcal, isto é, embora a mulher exerça, naturalmente, um domínio sobre o homem como atesta o próprio Rousseau, na sua obra Emílio ou Da Educação, em pleno século XVIII, as sociedades de outrora, bem como algumas atuais, têm na mulher um ser inferior ao homem e que por isso deve ser passível de dominação por este. Isto é bem claro em países como o Afeganistão, onde o regime talibã impõe as mulheres daquele estado uma vida de penúria e humilhações.
Catarina nem ao menos é ouvida. Ela é tratada como uma doente. Como se o que ela dissesse não fizesse nenhum sentido. No final da obra, quando Petrucchio consegue "domar a fera" fica claro uma certa intenção de Shakespeare em deixar claro que nenhum tipo de atitude feminista será tolerado. Não se trata aqui apenas do jeito rude de Petrucchio em não aceitar este tipo comportamento. Trata-se, realmente, de toda uma sociedade que vê nesta prática a melhor maneira de se autoconduzir para um melhor desenvolvimento. Observa-se que, na obra, enquanto Catarina se impõe aos desígnios do pai, sua irmã os acata sem nenhuma resistência, assim como todas as outras mulheres daquela sociedade ou, pelo menos, a maioria delas.
Sendo assim fica difícil compreender como é possível uma interpretação feminista desta obra de Shakespeare, uma vez que a peça é finalizada com a total submissão de Catarina a Petrucio, quando este a ordena a Catarina se desfazer de uma trouca e esta o faz sem revidar. Atitude completamente reprovada por Bianca.
"BATISTA - Sejas muito feliz, caro Petrucchio. Ganhaste a aposta; acrescentar resolvo sobre teu lucro vinte mil coroas, um novo dote de uma nova filha. Tão mudada ela está, que parece outra.
PETRUCCHIO - Quero ganhar ainda melhor a aposta: ela irá dar mais provas de obediência, da recente virtude e deferência. Ela aí vem vindo e traz vossas esposas renitentes, vencidas pela sua persuasão
feminina.(Entra Catarina com Bianca e a viúva)Catarina não te assenta essa touca; joga-a fora; calca aos pés semelhante bugiaria!(Catarina arranca a touca e joga-a longe.)
VIÚVA - Oh Deus! não quero ter motivo, nunca, de lamentar-me, enquanto rebaixada não me vir a tão néscia dependência.
BIANCA - Fora! fora! Que estúpida obediência!"****

Ainda nesta cena Petruccchio ondena a Catarina que pronuncie um longo discurso às mulheres presente em sua casa de como elas deveriam tratar seus maridos. Entre elas estava Bianca, sua irmã, que reprova veementemente o comportamento subserviente de Catarina.
Vê-se aqui que ao contrário do que afirma outros estudiosos. Nunca houve a intenção de Shakespeare em afirmar positivamente o feminismo. Tendo em vista os bons costumes da época. Muito provavelmente o que ele pode ter tido como intenção ao escrever esta peça, foi mostrar o que poderia passar uma mulher ao atrever se sobrepôr ao homem.