O Engajamento político-social no poema “Morte do Leiteiro” de Carlos Drummond de Andrade*


Emanuela Mendes Kruschewsky**



RESUMO:


O presente artigo objetiva analisar o poema “Morte do Leiteiro”,de Carlos Drummond de Andrade,tendo como linha temática poesia e política do poeta.Deste modo,o poema vem confirmar a poesia participativa do autor,assim como,expressar o pertencimento de uma coletividade a cerca da poesia participante de Drummond.


ABSTRACT:


This article aims to analyze the poem "Death of Dairy," by Carlos Drummond de Andrade, with the subject line of poetry and politics poeta.Then, the poem confirms the author's participatory poetry, as well as express the belonging of a community about the poetry of Drummond participant.


PALAVRAS-CHAVE:



Poesia; engajamento social; Carlos Drummond de Andrade.


KEYWORDS:


Poetry, social engagement, Carlos Drummond de Andrade



A problemática social se instala no espaço da descontração rítmica e métrica. É nesse ponto de sua trajetória que desabrocha, com veemência serena e cauta, a temática política e social. Engajado, o poeta utiliza o verso como arma em prol da causa redentora: ”Morte do leiteiro”. Nem por isso, todavia, o lirismo se lhe ausenta da paleta: posto que autêntica, a emoção fraternal pela morte do moço inocente vibra uma nota olímpica, que se diria emanada da reserva natural do poeta ou do inato pendor para o transcendentalismo. (MOISES. 2005, p.448)




CONSIDERAÇÕES INICIAIS



O poema resulta da elaboração da linguagem, cujo processo de manipulação das palavras é feito com o alvo de obter um determinado efeito e assim, expressar certa visão do real.

Deste modo, Carlos Drummond de Andrade, um dos maiores nomes da Literatura brasileira, tornou-se um cânone, por escrever uma literatura que apresenta flashes poéticos, circunscrito no tempo objetivo em que viveu e ao espaço brasileiro que lhe serviu como experiência no mundo, se tornando umas das maiores figuras do Modernismo, assim também na nossa história literária.

Em vista disto, este artigo tem como objetivo estudar o poema “Morte do leiteiro”, com o intuito de estudar algumas características peculiares que compõe um lado mais engajado e politizado do poeta e analisar essas características no poema supracitado. Nesta fase política e social, Drummond expõe a relação entre o eu e o mundo, onde ele insere seus textos em um quadro mais extenso levando o poeta a necessidade de posicionamento diante dos fatos que aconteciam na época.

Sendo assim, dividiu-se o artigo em duas partes, a primeira, intitulada “Poesia engajada drummondiana”; a segunda, intitulada: ”Análise do poema “Morte do leiteiro” de Carlos Drummond de Andrade”, comprovando assim marcas da fase engajada do poeta itabirano. A poesia política expressa por meio de um poema narrativo, por que Drummond usa essa temática política e social em um poema narrativo?






I. POESIA ENGAJADA DRUMMONDIANA



Obra de linguagem poética com participação social pouco difundida e comentada no meio literário, poesias que falam da realidade humana, do cotidiano e principalmente fazendo críticas e denúncias sociais. Estão presentes duas conquistas decisivas para a evolução da literatura: o realismo social, individualmente perspicaz e que não se restringe, apenas ao lirismo da poesia engajada, mas ao envolvimento do “eu” com o “outro”.

A função do poeta é produzir emoção, é despertar sentimentos em que o lê, sobretudo sentimentos de união no leitor.A vida mostra complexidade e não se limita à restaurar direitos democráticos ou uma ordem em que as pessoas respeitem a natureza humana. Se os temas dos poetas expuserem, também, os problemas do mundo atual,isso faz com que o leitor sinta a emoção,o sentimento de dor do “outro”.

A disposição para o engajamento político e social acendeu uma ansiedade indefectível sobre a função da poesia. Didaticamente, pode-se provocar uma discussão indicando dois temas expostos no livro de Drummond, o social e a metapoesia, termo usado para definir o poema que reflete sobre a própria poesia. E não só Drummond o fez, mas também, João Cabral de Melo Neto, com poemas dramáticos; o “poetinha” Vinícius de Moraes utilizaram o poema como meio de expressar essa temática participativa. Se a temática social era vista como uma obrigação do poeta, a utilização da metapoesia era quase uma necessidade. Esse tipo de poesia veio pra mostrar que nem só de temas como amor, desilusões e sofrimento, desde Platão e Aristóteles que a relação entre poético e político é escrito, afirma Lima (2001):



Tal dialética instaura uma política da escrita no fazer poético, e pode-se dizer que toda poesia é sempre política. Pois forma no leitor, no ouvinte, no espectador, ainda que de forma indelével, uma nova consciência do sensível, criando palavras que sejam a expressão desta sensibilidade e que correspondam a novas formas de percepção da realidade. (LIMA, 2001, p.76)



Nos seus primeiros livros, Drummond escreve poesias sobre o passado, em um segundo momento poesias que falam sobre o amor e em seu terceiro momento poesias sobre o cotidiano. Embora vários textos de tema social retratem a vida diária com grande alento e uma dedicação participante do poeta, dá aos versos uma grandeza explicitamente engajada. Algo encontrado nesses poemas de temática cotidiana, neles, o autor narra ou conta histórias quase como um repórter de linguagem apurada, geralmente, são os de leituras mais acessíveis, o que não lhes arrancam a beleza.

De certa forma, é possível distinguir nos poemas uma espécie de seguimento lógico, eles se enquadram nas inquietações sociais, anunciadas no livro, mostrando certa angústia e a transformando em engajamento e compromisso com o outro, revelando mudanças de astúcia do poeta ao fenômeno social vivido. Este processo temático não é parecido, encontrará nos poemas: a culpa e a responsabilidade social, política injusta, perspectiva de uma nova sociedade e a esperança de uma nova sociedade.



II. ANÁLISE DO POEMA “MORTE DO LEITEIRO”, DE CARLOS DRUMMOND DE ANDRADE.



No que diz respeito à obra de Drummond, poderíamos falar em quatro momentos: o primeiro seria o Eu maior que o mundo, em que o poeta vê os conflitos sociais mais se mantém um pouco distante. É o que ocorre em Alguma poesia (1930), seu primeiro livro. A partir da segunda fase em que o poeta se volta para o Eu menor do mundo. Nesta fase, Drummond muda o rumo de sua poesia explicitando o seu lado social, enfocando o mundo injusto e brutal, a guerra e o sofrimento e a impotência do homem diante do mundo. Os poemas desta fase encontram-se na obra Sentimento do Mundo (1940). Na terceira fase, Eu igual ao mundo, o itabirano manifesta-se entusiasmado pela política, focalizando o mundo e o homem após a Segunda Guerra Mundial. A obra que se destaca neste período é A Rosa do Povo (1945). Passando da fase da euforia política e social, Carlos Drummond de Andrade, volta-se para seus mitos, ingressando na metapoesia. Nesta fase o poeta tornou-se mais reflexivo, desenvolvendo em seus textos um conjunto de interrogações sobre o vazio à espreita do ser humano. A obra que se sobressaiu neste período foi Claro Enigma (1951).

O poema Morte do leiteiro representa uma poética de participação drummondiana, evidenciando traços da personalidade do poeta, a questão trabalhista aparece como algo fundamental e atravessa várias etapas,no auge de sua poesia participativa,Drummond toma cuidado ao dispor os poemas em A Rosa do povo que formam blocos expressivos que se interpenetram e se superpõem. O poeta vale-se tanto do estilo padrão elevado da língua culta quanto do estilo misto (linguagem elevada e linguagem coloquial). Os versos, em geral breves, em relação as obras inaugurais, tornam-se mais longos. Há um predomínio do versos livres e dos versos sem rimas.

No entanto o poema mostra uma cidade que ainda adormece que parece não se importar com a luta ‘brava’ e diária que a própria exploração do leiteiro alimenta. Apesar de despertado, o canto, Drummond mostra que esse “canto” revolucionário do trabalhador não chega aos homens sonolentos graças ao sono da mercadoria. Está enfatizada, assim, que há uma falta de consciência dos homens da cidade acerca da condição daqueles que são explorados e da exploração em geral. O poeta exibe que o privilégio de beber o ‘melhor leite’ é ele próprio indicador de que o homem está imerso na ordem do produto, que ninguém está livre dela.

Morte do leiteiro” trata de possibilidades e impossibilidades de restituição sobre as relações humanas, o leitor fica perante a narrativa de um homicídio, não exclusivamente do leiteiro, mas das possibilidades perturbadoras do país. Iniciado com orações sem sujeito termina com a intensa dor íntima do dilema em que se encontram tanto o leiteiro quanto narrador de sua história. Existe, deste modo, uma variedade de vozes, no poema narrativo, que representam as diversas esferas da sociedade brasileira.

A primeira estrofe é feita daquilo que se poderia nomear por ‘legendas’ seguindo uma terminação utilizada pelo poeta. São frases impessoais, mas que, por sua vez, determinam e marcam a vida “designada” de uma sociedade que se apresentará nos versos seguintes:


Há pouco leite no país, é preciso entregá-lo cedo. Há muita sede no país, é preciso entregá-lo cedo. Há no país uma legenda, que ladrão se mata com tiro. (ANDRADE,2005,p.108)



Nesta estrofe o narrador retrata a realidade vivida por um Brasil capitalista, onde trabalhadores acordam cedo pra saciar as vontades dos que possuem maior poder aquisitivo. A frase “é preciso”, mostra a urgência de se produzir, de se ter mais, como se o leite fosse um combustível para mover o país inteiro e a denúncia de se aponta é de uma justiça social. No último verso da primeira estrofe, expõe-se a violência que é usada para a defesa em casa de um assalto, mostrando uma critica sobre desigualdade social, a violência, a produção excessiva e a proteção da propriedade privada.


Então o moço que é leiteiro de madrugada com sua lata sai correndo e distribuindo leite bom para gente ruim. Sua lata, suas garrafas e seus sapatos de borracha vão dizendo aos homens no sono que alguém acordou cedinho e veio do último subúrbio trazer o leite mais frio e mais alvo da melhor vaca para todos criarem força na luta brava da cidade. (IDEM,2005,p.108)



O termo “então”, que inicia a segunda estrofe, apresenta que dada a edificação de um cenário social a partir das legendas, não existe outra saída a não ser narrar um tormento. É uma conexão coerente e conclusiva da qual não se pode fugir, o que contraria a primeira estrofe. Mas aborda um sujeito cuja humanidade é precária pela exploração sofrida, o personagem do martírio não é designado por substantivo próprio, mas pela palavra que lhe indica a função na divisão do trabalho, sendo isso comum em uma sociedade capitalista, onde homens são tratados conforme sua colocação social. Sabe-se que é leiteiro que é moço e que vem do último subúrbio, trazer sua mercadoria para todos criarem forças pra enfrentar a luta da cidade. De qualquer forma, é uma personagem que invade certo espaço que não lhe pertence e, por isso, pagará caro, ainda que esteja desempenhando apenas o seu “trabalho”, o poema mostra o leiteiro se movimentando, como se o leitor pudesse “enxergar” cada passo do personagem, por outro lado, não se “ouve”, há falta de voz do leiteiro, não é ele que proclama sua vinda, mas sim o barulho da ‘lata’, da ‘garrafa’, os ‘sapatos de borracha’, divulga aos homens ‘no sono’ o trabalho do leiteiro.

Na terceira estrofe não só o leite engarrafado é uma apenas mercadoria, mas também o que própria poesia reflete. Por isso, a expressão como “impulso de humana compreensão” serve ao mesmo tempo na união e afastamento entre quem narra e a personagem. Nesta estrofe, pela primeira vez, o poema traz a primeira pessoa evidente:


Na mão a garrafa branca não tem tempo de dizer as coisas que lhe atribuo nem o moço leiteiro ignaro, morados na Rua Namur, empregado no entreposto, com 21 anos de idade, sabe lá o que seja impulso de humana compreensão. E já que tem pressa, o corpo vai deixando à beira das casas uma apenas mercadoria.( IBIDEM,2005,p.108)


O trabalho do leiteiro não lhe dá tempo de descrever ou compreender as coisas que o poeta lhe atribui, a questão central abordada por Carlos Drummond de Andrade é a questão do tempo e sua especificidade na divisão social do trabalho, como vende seu tempo, o leiteiro não tem tempo de compreender sua situação, ignaro significa tanto desconhecido como desconhecedor, quem desconhece a sua própria situação é o leiteiro, pouco se sabe dele, quem ele realmente é, de onde ele veio,como o personagem não fala, é a sua condição de apenas mercadoria (leite) que falará e é isso que deixa o leiteiro à beira das casas e à beira do poema: sua vida se resume, apenas mercadoria.

Na quarta estrofe é iniciada pela conjunção “e” pode ser lida em certos contextos tanto como conjunção adversativa como aditiva. A poética assume a primeira pessoa do plural, aproximando leitor, narrador e leiteiro. Trata-se, enfim, de um afastamento coletivo “nosso tempo” para o problema entendido na narrativa. Se implicar que a porta dos fundos esconde alguém que também precisa de leite,mas que não pode pagar por ele, contudo, é o crime do leiteiro, ele deixa de ver o leite como mercadoria e o transforma em apenas leite, alimento para a humanidade.

E como a porta dos fundos também escondesse gente que aspira ao pouco de leite disponível em nosso tempo, avancemos por esse beco, peguemos o corredor, depositemos o litro... Sem fazer barulho, é claro, que barulho nada resolve. (IBIDEM, 2005, p.109)





As palavras: “escondesse”, “beco”, “sem fazer barulho”, utilizadas pelo poeta, remete a um ato de clandestinidade, aparentemente um ato de solidariedade em relação ao próximo, sendo que os verbos utilizados na estrofe estão na primeira pessoa do plural. Não se trata apenas da entrega do leite engarrafado a quem não pode pagar, mas sim uma retribuição de seu valor de uso como alimento.

Na quinta estrofe retorna a primeira pessoa com a presença do pronome possessivo “meu” leiteiro, essa marca expressa tanto o leiteiro como coisa dentro da narrativa quanto traduz o desejo de aproximação com o outro de classe distinta. Demonstrando que o trabalhador pode estar próximo de uma outra classe,que não é só a sua.O uso de “sutil”, com “deslizamentos”, “sem marcha”,entende-se por um desenvolvimento que precisa ser feito na surdina, deslizando-se,às escondidas.

Meu leiteiro tão sutil de passo maneiro e leve, antes desliza que marcha. É certo que algum rumor sempre se faz: passo errado, vaso de flor no caminho, cão latindo por princípio, ou um gato quizilento. E há sempre um senhor que acorda, resmunga e torna a dormir. (IBIDEM,2005,p.109)



Termos como “é certo” e “sempre” reforçam a ideia de que pode ocorrer algum tipo de empecilho no caminho do leiteiro podendo ser na propriedade e para a segurança do proprietário, no sentido de protegê-lo de ladrões ou outros importunos, e qualquer irregularidade na propriedade alarmará os itens de segurança do dono: o cão que late ‘por princípio’, o gato quizilento, alarmes que buscam acordar os homens do sono da noite. Apesar de parecer acidental, a descoberta do desvio feito pelo leiteiro e sua “invasão de propriedade” está dada pela grandeza do conforto garantido pela propriedade. É sendo assim a palavra ‘senhor’ assume também o sentido daquele que domina, no sentido da unificação e da garantia da propriedade.

A morte do leiteiro, num poema marcado pela vida fantasmática Da personagem, se dá também por elas, sem agente individual evidenciado. O revólver “salta” para a mão do senhor “os tiros” matam o leiteiro, que apenas cumpria seu papel diário de entregar o leite. A morte narrada perde contornos de acidente particular e torna-se destino coletivo, encravado numa ordem social em que as coisas vivem mais do que o homem. Por isso, a vida do leiteiro permanece incógnita para o narrador e o leitor. É ‘tarde para saber’ e talvez seja dificílimo saber, embora se alcance no poema, junto com ele realiza-se o homicídio de um trabalhador e a morte das possibilidades de entender sua verdadeira condição humana de reorganizar as coisas fragmentando o mundo em que o “senhor” que manda.

Mas este acordou em pânico (ladrões infestam o bairro),não quis saber de mais nada.O revólver da gaveta saltou para sua mão.Ladrão? se pega com tiro.Os tiros na madrugada liquidaram meu leiteiro.
Se era noivo, se era virgem,se era alegre, se era bom,não sei,é tarde para saber.(
IBIDEM,2005,p.110)



A penúltima estrofe narra um leve desespero do “assassino” do trabalhador, que morreu, e com sua morte quais quer possibilidades de realizações de sonhos. Iniciada com “mas”, outra conjunção adversativa, indicando novos rumos ao fim trágico do leiteiro. Censurando, de certa forma, a relação rico versus pobre, onde o “senhor” tem certos privilégios que marca a sequência ,utilizando a voz do “senhor” que justifica-se da morte do rapaz trabalhador,uma maneira de não se auto punir de um crime.

Mas o homem perdeu o sono de todo, e foge pra rua.Meu Deus, matei um inocente.Bala que mata gatuno também serve pra furtar a vida de nosso irmão.Quem quiser que chame médico,
polícia não bota a mão neste filho de meu pai.
Está salva a propriedade. A noite geral prossegue,a manhã custa a chegar,mas o leiteiroestatelado, ao relento,perdeu a pressa que tinha.
(IBIDEM, 2005, p.111)



No verso “[...] Bala que mata gatuno também serve pra furtar a vida de nosso irmão.”, demonstra o “alívio” de uma culpa, ou seja, se ele não tivesse matado o “gatuno”, talvez o ladrão matasse alguém de seu meio, seja ele social ou familiar. Afirmando o verso na primeira estrofe em que existe no país uma legenda que ladrão se mata com tiro, matando o ladrão, o gatuno, impedindo que ele faça mal a alguém. A apreensão afetuosa com o bem-estar do rapaz sugerida pela palavra “médico” encobre, mas o texto revela, o intuito de se desobrigar da responsabilidade por parte do “senhor”;ele não espera a polícia, para não ser preso, e não porque é mais importante naquela ocasião um médico que socorra a vítima,já morta.

Outra palavra que sugestiona uma volta a realidade, é o verbo “custar” volta-se a dois sentidos, o sentido de tardar, mas também, o sentido de “preço” dessa nova manhã que o ‘senhor” espera.

Na última estrofe, a narrativa continua referindo-se ao leiteiro, aos seus objetos, fala sobre a confusão que se instala com as misturas das garrafas quebradas, do leite derramado e do sangue que se misturam.



Da garrafa estilhaçada. No ladrilho já sereno
escorre uma coisa espessa que é leite, sangue... não sei Por entre objetos confusos,
mal redimidos da noite, duas cores se procuram, suavemente se tocam, amorosamente se enlaçam, formando um terceiro tom a que chamamos aurora.(
IBIDEM,2005,p.111)



O leite que escorre das garrafas quebradas é apenas mercadoria e misturado com o sangue, não serve mais de alimento para a cidade que ainda dorme, e torna-se um terceiro tom, que um sujeito oculto em segunda pessoa do singular, denomina de aurora, uma variação, um enlace de cor que mistura o branco do leite com o vermelho do sangue do leiteiro.



CONSIDERAÇÕES FINAIS



Se estilo significa escolha, opção consciente, além de sensibilidade, emoção, inteligência e vontade de se exprimir poeticamente, então não resta dúvidas sobre a visão poética que Carlos Drummond de Andrade proporcionou por meio do poema “Morte do leiteiro”.

Cenário político perturbador, dentro e fora do país, levava os artistas de esquerda a se manifestarem,narrando as dores do “outro”. Não havia neutralidade possível, e a expressão da luta política na própria criação artística era encarada como a melhor contribuição que esses intelectuais poderiam dar. Ou seja, a obrigação de engajamento político era uma constante. A poesia, portanto, também adquiria caráter agressivo e as palavras, sugestionavam reivindicação de luta contra a ditadura e o totalitarismo da época.

Assim, Drummond participou desse processo escrevendo A Rosa do Povo, obra criada como declaração de um engajamento político que contém algumas das criações mais significativas da fase madura de Drummond, sendo por isso considerado um de seus livros mais importantes. Portanto, em A Rosa do povo, em alguns dos seus poemas, Drummond observa e narra sua reação diante da dor coletiva e a desgraça do mundo moderno, com mecanismo, materialismo e desumanidade. Essa fase enriqueceu a essencialidade poética e emocional, e, por meio da profunda consciência artística, o poeta atingiu a plenitude, em que o itabirano mergulha profundamente na província de seus antepassados, para melhor compreender a máquina do mundo, a agonia de seu tempo, o desarvoramento do homem moderno, com um largo sentimento de fraternidade.




REFERÊNCIAS


  • ANDRADE,Carlos Drummond de.A rosa do Povo.33ed.Rio de Janeiro:Record,2005,p.108-111.


  • BOSI, Alfredo. ”Carlos Drummond de Andrade” in História concisa da Literatura Brasileira. 41 ed.São Paulo:Cultrix,1994.p.440-446.


  • MOISES, Massaud. ”Carlos Drummond de Andrade” in História da Literatura Brasileira(moderno).São Paulo:Cultrix,2007.p.262-274;

________. A criação Literária. Poesia. 16 ed. São Paulo. Cultrix: 2003.p.120-159;

  • _________.A Literatura Brasileira através dos textos. São Paulo.Cultrix:2005.p.448


  • LIMA, Carlos. ”Quem tem medo de poesia política?” in: 100 anos de poesia: um panorama da poesia brasileira do século XX. RODRIGUES, Claufe e MAIA, Alessandra (orgs.). Rio de Janeiro: O verso Edições, Vol.II, 2001, p.76-81.


  • RAMOS,Péricles Eugênio da Silva.”Carlos Drummond de Andrade” in A literatura no Brasil.COUTINHO,Afrânio(org.),6 ed.São Paulo:Global,2001,V.5,p.440-446.