Amor cortês foi um conceito europeu medieval de atitudes, mitos e etiqueta para enaltecer o amor, e que gerou vários gêneros de literatura medieval, incluindo o romance.

 A transição da Idade Média para a Moderna serve de inspiração para o dramaturgo inglês Willian Shakespeare adaptar um velho poema e transformá-lo numa peça trágica, é um drama que fala muito de amor, mas um amor verdadeiro e o amor em voga na época; O “amor cortês” é mencionado como que para ressaltar a diferença de um para o outro.

O presente artigo pretende mostrar o tipo de amor vivenciado por Romeu e Julieta e como ele se distancia do amor cavalheiresco da época medieval, levando seus protagonistas a sacrificaram a própria vida em nome desse amor.

No primeiro momento da peça, Romeu proclama para tudo e para todos o seu amor por Rosalina, uma jovem que não aparece na peça, mas que serve para destacar o “amor cortês”, que acometia os cavalheiros medievais, Romeu não foge à regra como se com prova no diálogo de Romeu com Benvólio:

ROMEO: Bid a sick man insadness make his Will:

A word ill urg’d to one that is so ill:

In sadness cousin, I do love a woman.

BENVOLIO:  I aim’d so near, when I suppos’d you lov’d.

ROMEO: A right good mark-man, and she’s fair I love,

BENVOLIO: A right fair mark fair coz in soonest hit.

ROMEO: Well in that hit you miss, she’ll not be hit

With  cupid’s arrow, she hath Dian’s wit:

And strong proof of chastity well arm’d

From love’s weak childish bow she lives uncharm’d.

 (Romeo and Juliet, I. I, pág. 39)

Na conversa entre Romeu e seu primo Benvólio estão presentes os indícios desse amor que o faz sofrer, pois quando Romeu fala que o Cupido não acertou o coração de Rosalina, ou seja, ele não é correspondido, e logo em seguida destaca a sua beleza, sabedoria e castidade. Porque no amor convencional a dama deve manter-se distante, fria, insensível, arrogante e até cruel, com o propósito de arrasar o coração de seu admirador e, portanto acompanha o pobre rapaz que fica alheio à realidade, suspirando e declamando poesias submersas no fracasso do seu amor. Para Romeo, Rosalina é como uma tela onde ele vai projetar seus anseios amorosos, ela é uma amor ideal, ele a ama simplesmente porque a ama, não é porque é uma necessidade, seu amor por ela não é profundo, não é sincero, ele é apenas uma vítima do Deus do amor.

 No devaneio de Romeu por Rosalina, está inserida a visão petrarquiana da mulher perfeita, idealizado pelos poetas da renascença, e como no caso do cavalheiro trágico de Shakespeare que só existe na imaginação de seu idealizador. Como diz (Frye, 1999, pág.:34) ... “O apaixonar-se é involuntário e instantâneo, tão romântico como ser atingido por um tiro.” O homem é atingido pela flecha de Cupido, o Deus do amor, e a partir daí, “torna-se escravo do deus do amor, devotando sua veneração à mulher como se fosse uma Santa no pedestal, onde permanece distante, inatingível”. É assim o amor de Romeu em relação à Rosalina um amor que denota uma postura poética do amor e não um amor verdadeiro.

“ O papel convencional da mulher da senhora do amor cortês era ser orgulhosa, arrogante e “cruel” repelindo todas as investidas do amante” e assim o era Rosalina, pois com todas essas características, o faz Romeu sofrer.

O contraste entre o primeiro amor de Romeu por Rosalina e o segundo por Julieta é visível logo no momento em que ele vê pela primeira vez no baile dos Capuleto:

ROMEO: What Lady’s that which doth enrich the hand

Of yonder knight?

SERVANT: I know not sir.

ROMEO: O she doth teach the torches to burn bright:

 It  seems she hangs upon the cheek of night,

As a rich jewel in a Ethiop’s ear:

Beauty toorich for use, for earth toodear:

So shows a snowy dove trooping with crows,

As yonder Lady o’er her fellows shows.

The measure done, I’ll watch her place of stand,

 and touching hers, make blessed my rude hand.

Didi me heart love till now, forswear it sight,

For I ne’er saw true beauty  till this night. (Romeo and Juliet, I. 5, pág. 52)

Nesta fala de Romeu fica claro o amor à primeira vista, e por um momento pode até ser comparado com o amor dele por Rosalina, pela rapidez com que acontece, no entanto, percebe-se uma diferença crucial, ele tem pressa em falar-lhe, quer tocá-la e embora a compare com uma santa, ele tem pressa em falar-lhe, em aproximar-se e ficar sozinho com ela. Romeu transborda poesia, não mais por amar o “amor”, mas por amar a Julieta que é a personificação de seu amor.

ROMEO: If I profane with my unworthiest  hand,

This holy shrine. The gentle sin is this,

My lips two blushing Pilgrins ready stand,

To smooth the rough touch with a gentle kiss.

JULIET: Good pilgrim you do wrong your hand too much

Which mannerly devotion shows in this,

For saints have hands, that pilgrims’ kiss. (Romeo and Juliet, I. 5, pág. 54)

                                                                                                      

Esse diálogo poético entre Romeu e Julieta serve para captar a intensidade da paixão que existe no coração dos dois jovens, paixão que os arrebatas e os leva para uma outra dimensão  da realidade, embora reconheçam que formalmente sejam inimigos por conta da desentendimentos entre suas famílias, mesmo assim eles não  resistem ao amor que os une, e muito mais que isso, os transforma. Até mesmo o amor se transforma, pois a partir do momento que aceita enfrentar a consequências desse amor proibido o amor pode ser tido como uma religião, como algo essencial, se sobrepondo a tudo a família, aos valores sociais, contradizendo, até mesmo, a grande cadeia dos seres.  

Como diz Carpeau “no momento em que a autêntica grande paixão se apodera dos amantes o tom mudo muda: as expressões bombásticas ocultam, agora, sentimentos pouco convencionais, ardentes de paixão sexual...”

O autor refere-se à natureza humana, os instintos primitivos que afloram tanto no cavalheiro, Romeu, quanto na pequena dama, Julieta, que se reconhecem e descobrem apenas um homem e uma mulher; e para vivenciar esse amor, eles decidem enfrentar os obstáculos e desfrutar, mesmo que às escondidas.

Ao analisar os protagonistas antes e depois de se conhecerem, percebe-se uma mudança radical em suas atitudes e até mesmo em seus princípios. Os efeitos do amor, como argumenta Frye, são manifestações principalmente na linguagem. Julieta antes de conhecer Romeu, falava como uma típica mocinha obediente e submissa aos pais e a sociedade de Verona que esperam que as moças se casem, de preferência com um bom partido e seja uma boa mãe e dona de casa. Mas depois que vê Romeu muda totalmente seu discurso:

É notável a diferença que o estímulo do amor faz em Julieta, não só na fala, mas também em sua transformação de menina para mulher.

Já em relação a Romeu, a no início da peça, é um jovem que ama sozinho, que sofre por um amor não correspondido, ou talvez não fosse um amor de verdade, pois assim que ele ver Julieta, tudo aquilo que ele dizia sentir por Rosalina some num passe de mágica, podemos perceber a partir de então uma transformação nele, pois como afirma Frye “depois em decorrência de seu amor por Julieta, ele se torna espirituoso e perspicaz”. E as mudanças são perceptíveis. Pode-se perceber no diálogo de Romeu com seu inimigo Tybalt, primo de Julieta.

TYBALT: Romeo, the love I bear thee, can afoford

No metter term than this thou art a villain.

ROMEO: Tybalt, the reason that I have to love thee,

Doth much excuse the appertaining rage

To such a greeting: villain am I none.

Therefore farewell, I see thou know’st me not.(Romeo and Juliet, III.1, pág. 81)

É importante lembrar que honra era uma riqueza para um nobre e não deve ter sido fácil para Romeu não responder aos insultos de Teobaldo e ele mesmo diz que o fez por amor a Julieta, porque ele já é seu esposo e consequentemente Teobaldo é seu primo também, por fazer parte da família Capuleto.

No entanto, Romeu mata Teobaldo para vingar a morte de seu primo Mercúrio; depois disso é exilado, mas antes de ir para Mântua, Romeu encontra-se com Julieta. É onde acontece a consumação do casamento:

JULIET: Wilt thou be gone? It is not yet near day:

It was the nightingale, and not the lark,

That pierc’d the fearful hollow of time ear,

Nightly she sings on yound pomegranate tree,

Believe me love, it was the nightingale.

ROMEO: It was the lark, the herald of the morn:

No  nightingale: look love what envious streaks

Do lace the severing clouds in yonder East:

Night’s candles are burnet out, and jocund day

Stands tiptoe on the misty mountain tops,

I must gone and live, or stay and die. .(Romeo and Juliet,III. 5 pá.: 99)

Contudo, conclui-se dessa tragédia amorosa que o casal Romeu e Julieta sofreram as consequências de suas escolhas; se descobriram, se amaram, e lutaram contra todos os empecilhos. Percebemos que o amor pode trazer coisas boas e ruins, felicidade e infelicidade. No caso de Romeu e Julieta, o amor trouxe felicidade, mas ao mesmo tempo, infelicidade, por não poder viver esse amor como queria viver, onde ao mesmo tempo descobriram que somente a morte seria a solução. 

 REFERÊNCIAS

FREY, Northrop.1999.Sobre Shakespeare. (Northrop Frey on Shakespeare). Org.: Robert Sandler. Trad.: Simone Lopes de Mello. São Paulo: EdUSP. (Criação & Crítica;).

SHEKESPEARE, William. Romeu e Julieta. Trad. Beatriz Viégas Faria, Porto Alegre:L& PM Pocket,174.