Este estudo tem como objetivo analisar os contos "A causa secreta" e "Noite de Almirante" de Machado de Assis, numa perspectiva de texto narrativo e literário, buscando explorar os aspectos semânticos e leituras interpretativas literárias apresentadas durante as narrativas. Objetiva-se ainda, explorar a relação que existe entre a crueldade, presente no primeiro conto, e a ironia e sarcasmo que aparecem de forma sutil no segundo conto que acima foi citado. Mais especificamente, no conto "Noite de Almirante", os aspectos voltados para as personagens, os indícios inerentes à narrativa, o narrador e a metalinguagem, serão também estudados. Sendo a ironia a temática principal do conto, será um aspecto constantemente analisado em diferentes perspectivas. Em "A causa secreta", a temática da crueldade será abordada em vertentes e olhares diferenciados. Em ambos os contos, Machado apresenta traços da natureza humana que se revelam nos comportamentos das personagens e em seus perfis.
Palavras-chave: Ironia; Sarcasmo; Aspectos semânticos.

A história conta sobre um marinheiro chamado Deolindo que conheceu uma jovem que chamava Genoveva e por ela se apaixonou perdidamente. Antes que ele partisse para suas viagens, os dois fizeram um juramento de amor eterno, ele o fez com bastante empolgação, ela nem tanto, mas também jurou.

O tempo passou e Deolindo se manteve fiel a sua promessa, conheceu outras garotas nos portos onde parava, mas não se envolveu com nenhuma delas, em sua mente e em seu coração morava apenas uma mulher: Genoveva. Sua amada, por outro lado deixou-se levar por um novo amor e se apaixonou por um jovem mascate[1] chamado José Diogo.

Quando o marinheiro retorna a Bragança, para sua "noite de almirante", noite esta em que os marinheiros reencontravam suas mulheres ou namoradas, fica sabendo do que acontecera através da velha Inácia, uma senhora que morava com Genoveva. Imediatamente vai ao encontro dela e confirma pelos próprios lábios de sua amada toda a história. Inicialmente Deolindo sente muito ódio, depois que a encontra surge um fio de esperança, mas após muita conversa resta apenas uma grande desilusão.

Por fim, retorna para seus amigos no dia seguinte, que logo o indagam sobre a grande noite, ele por vergonha e medo de encarar a realidade agiu como se tudo tivesse acontecido como havia planejado. Comportou-se como alguém que viveu uma grande noite de amor.

A temática principal do conto é a ironia que aparece praticamente durante toda história. Machado de Assis é considerado um dos autores que mais se utiliza desse aspecto na maioria de suas obras. A ironia que traz em sua essência a idéia de contradição, logo no título do conto é percebida, pois almirante é o mais elevado posto da Marinha de Guerra, Deolindo, por sua vez, não passa de um simples marinheiro.

Nos nomes das personagens principais é perceptível também o aspecto irônico. Deolindo Venta-Grande. Aqui existe um processo de dizer e em seguida desfazer do que disse. Deo, um prefixo do latim que indica divindade e lindo que se traduz em beleza, são características que logo se desfazem com o apelido de Venta-Grande, que demonstra uma assimetria nos traços.

O nome Genoveva que aparece várias vezes na literatura como uma mulher fiel, honesta, como por exemplo, em Um sonho e outro sonho, um conto também de Machado de Assis, relata a história de umaviúva que não se envolve com nenhum homem por fidelidade ao finado marido, neste conto, Noite de Almirante, essa Genoveva se mostra como infiel, dissimulada e ousada.

Nesta perspectiva, ocorre ainda uma ironia ao modelo do Romantismo, o autor traz uma versão mais realista e menos romântica dos relacionamentos amorosos. Segundo Bosi (2000, p. 126), a perspectiva de Machado é a da contradição que se despista [...]. É preciso olhar para a máscara e para o fundo dos olhos que o corte da máscara permite às vezes entrever. Esse jogo tem um nome bem conhecido: humor.

Muito além dessa ideia de contradição, a ironia machadiana se apresenta em forma de sarcasmo crítico, desdém e também como uma crueldade, seja sutil ou abertamente declarada.

Deolindo é descrito como um homem apaixonado e fiel. De natureza pacífica e esperançosa. Mesmo que tivesse ímpetos de fúria, logo eram amenizados pelas conversas e olhares de Genoveva. O trecho a seguir retrata um ímpeto de Deolindo... Em falta de faca, bastavam-lhe as mãos para estrangular Genoveva, que era um pedacinho de gente, e durante os primeiros minutos não pensou em outra coisa. Observe que o narrador foi específico quando diz que esse momento de fúria durou apenas nos primeiros minutos de contato. Isso fica claro, pois na seqüência da narrativa, Genoveva confirma sua paixão pelo mascate, e mesmo depois de ouvir a verdade, esse ímpeto de raiva é interrompido ou desfeito apenas com um olhar da moça. Ela fê-lo parar só com a ação dos olhos. Após esse trecho ela conta tudo sobre o mascate, inclusive os detalhes da relação, mesmo assim, Deolindo escuta tudo sem reagir. Sua fidelidade é demonstrada no fragmento: Ao mesmo tempo lembra as mulheres que viu por esse mundo de Cristo, italianas, marselhesas[2] ou turcas, muitas delas bonitas, ou que lhe pareciam tais. Concorda que nem todas seriam para os beiços dele, mas algumas eram, e nem por isso fez caso de nenhuma. Só pensava em Genoveva.

Essa personalidade de Deolindo foge bastante do esteriótipo que é posto nos marinheiros, pois são classificados como homens que tem uma mulher em cada porto, estando bem distante da característica de fidelidade.

Genoveva é descrita pelo narrador logo no início do conto como caboclinha de vinte anos, esperta, olho negro e atrevido. Apresenta uma personalidade de instabilidade emocional, e em muitos momentos de dissimulação. [...] Genoveva foi ver sair a corveta[3] e voltou para casa com um tal aperto no coração que parecia que "lhe ia dar uma coisa" [...] Para alguém que sentiu tanto a partida do outro, a mudança foi bem rápida e inesperada pelo leitor.

A personagem apresenta certa frieza nas ações, não parecia se importar com a desilusão de Deolindo, nem tão pouco constranger-se com a situação, não se justificava, apenas assumia tudo que tinha feito sem nenhum arrependimento. [...] Genoveva não se defendia de um erro ou de um perjúrio; não se defendia de nada; faltava-lhe o padrão moral das ações [...]

A própria personalidade de Genoveva, traz uma crítica ao modelo do Romantismo, que sempre apresentou as mulheres como frágeis, sensíveis e fiéis. No trecho: [...] ela vendo um vulto de homem, levantou os olhos e deu com o marujo [...] demonstra que mesmo estando comprometida com o mascate, não exitava em olhar para outros homens. Essa não era uma característica das mulheres no período do Romantismo, uma mulher não poderia agir com tanta ousadia nas suas expressões.

As pistas e dicas que o narrador apresenta durante a narrativa são chamadas de indícios. Através deles, o leitor consegue perceber o que possivelmente irá acontecer no relato da história.

Neste conto, aparece um indício logo no começo da narrativa. No juramento de amor eterno que Deolindo e Genoveva fizeram, paira um ar de incerteza e insegurança, por parte de Genoveva, ela não faz o juramento completo, isso só ocorre após uma insistência de Deolindo. O trecho a seguir retrata isso. [...] Eram oito ou dez meses de ausência. Como fiança recíproca, entenderam dever fazer um juramento de fidelidade.

- Juro por Deus que está no céu. E você?

- Eu também.

- Diz direito.

- Juro por Deus que está no céu; a luz me falte na hora da morte.

Embora não fique completamente nítido quem inicia o juramento, pois não é possível identificar quem jura primeiro, no decorrer do conto percebe-se claramente que a insegurança veio por parte de Genoveva.

Outro indício aparece no momento em que o narrador menciona o par de brincos que Deolindo havia comprado para Genoveva, inclusive com muita economia. A marca forte do indício aparece com a pergunta feita pelo narrador: E ela que lhe guardaria? O narrador instiga o pensamento do leitor. Que novidades Genoveva tinha para Deolindo? Esses questionamentos levam o leitor a imaginar que algo de errado estava para acontecer, ou pelo menos diferente do que Deolindo esperava.

Um novo indício surge quando o narrador diz: [...] voltou pra casa com um aperto no coração que parecia que "lhe ia dar uma coisa". Não lhe deu nada, felizmente; [...] Em outras palavras, o narrador sugere que aquela dor passou rápido, não durou muito, não fez muitos estragos em seu coração. Esse trecho nos remete também a instabilidade da personalidade de Genoveva.

A arte de narrar, em muitos momentos se mistura com o processo de informação, porém a narrativa vai além dessa perspectiva, pois o aspecto psicológico não é imposto ao leitor. O autor Walter Benjamin confirma isso quando declara que

O extraordinário, o maravilhoso, é narrado com a máxima precisão, mas o contexto psicológico do acontecimento não é impingido ao leitor. É-lhe facultado interpretar a coisa como ele a entende – e com isso o que é narrado alcança a amplitude de oscilação que falta à informação. ( BENJAMIN,1980, p.61)

No texto O narrador, considerações sobre a obra de Nikolai Leskow de Walter Benjamin, o autor apresenta dois modelos clássicos de narrador: um narrador sedentário, representado pelo camponês que conta suas histórias de vida, e um narrador nômade que é representado pela figura de um marinheiro que traz seus relatos das viagens que realiza. No conto Noite de Almirante, Deolindo aparece como um narrador nômade, pois tenta através das histórias de suas viagens seduzir a amada Genoveva.

O narrador do conto em questão, deixa nas mãos do leitor as conclusões sobre a história. Isso é perceptível no trecho: Quero crer que o próprio marujo concordou com essa opinião [...] Pode ser que qualquer outra mulher tivesse igual palavra. Essas expressões " Pode ser " e " Quero crer " transmitem uma ideia de não confirmação dos fatos, o narrador permite ao leitor tirar suas próprias conclusões.

Utilizando o recurso de metalinguagem, no conto há uma mudança de foco narrativo. Isso ocorre no final do conto quando o narrador passa a responsabilidade para outra voz que narra as ações que seriam realizadas por Deolindo. A voz que conta essas atitudes finais é a de Genoveva. O trecho a seguir retrata isso com clareza. [...] Sabe o que ele me disse agora? – Que foi? – Que vai matar-se. – Jesus! – Qual o quê! Não se mata, não. Deolindo é assim mesmo; diz as coisas, mas não faz. Você verá que não se mata. Coitado, são ciúmes.

Além desse aspecto da metalinguagem, essa declaração nos remete mais uma vez ao fator da ironia que está presente praticamente em todo conto. Uma ironia que às vezes aparece de forma sutil e em outros momentos de uma maneira bem dolorosa e cruel, coisa que Genoveva o faz sem nenhum remorso ou dor de consciência.



[1] Vendedor que oferece seus produtos de porta em porta.

[2] Mulheres da cidade de Marselha na França.

[3] Navio de guerra de porte médio e boa mobilidade.


2 "A CAUSA SECRETA"

Esse é um dos contos mais fortes do autor. Traz em sua temática principal a descoberta do sarcasmo no comportamento de um dos seus personagens (Fortunato), que era capaz de realizar atos de bondade, desde que seu prazer sádico fosse satisfeito. O conto relata a história de dois homens (Fortunato e Garcia), que se conheceram de uma forma interessante, um salva vida do outro. Algum tempo depois acabam por tornarem-se sócios, o que ocasiona uma sucessão de encontros na residência de Fortunato, que por sua vez era casado com Maria Luísa.

Aos poucos, Fortunato vai apresentando características sádicas, tendências para a tortura de animais, fato que deixa a esposa muito angustiada. Quando ela chega a falecer, o marido presencia a cena do amigo (Garcia) que sofre com a morte de sua esposa e tenta beijá-la na testa, ele saboreia o choro de Garcia, considera-o um traidor e tem prazer no seu sofrimento.

Esseconto é considerado um dos mais fortes de Machado de Assis.Sua estrutura narrativa lembra um pouco a de A Cartomante, com início abrupto, flashback e retomada do eixo em direção ao desfecho. Machado faz talvez um de seus melhores "desenhos psicológicos", mostra que na perfeita normalidade social de Fortunato, um senhor rico, casado e de meia-idade, que demonstra interesse pelo sofrimento, socorrendo feridos e velando doentes, reside, na verdade, um sádico, que transformou a mulher e o amigo num par amoroso inibido pelo escrúpulo.

Este escrúpulo, que proporciona sofrimento ao par, é a causa secreta do prazer de Fortunato e de sua atitude de manipulação de que o rato, no conto, é símbolo. O conto traz uma característica naturalista. Mesmo em ambiente burguês, os personagens parecem ratos de laboratório, uma analogia muito explorada pelo autor, na cena que considero a mais forte do conto, em que Fortunato tortura o rato. O trecho a seguir descreve a cena de tortura com o animal. [...] Na mão direita tinha uma tesoura. No momento em que o Garcia entrou, Fortunato cortava ao rato uma das patas; em seguida desceu o infeliz até a chama, rápido para não matá-lo... Garcia estacou horrorizado.

- Mate-o logo! Disse-lhe.

- Já vai

E com um sorriso único, reflexo de alma satisfeita, alguma coisa que traduzia a delícia íntima das sensações supremas, Fortunato cortou a terceira pata ao rato, e fez pela terceira vez o mesmo movimento até a chama [...].

O lento ritual descrito pelo narrador, prolonga ainda mais o prazer da personagem. O narrador não economiza nos detalhes, não encurta a cena, ele a descreve por inteiro ao leitor, o que possibilita a percepção do comportamento sádico de Fortunato. Em 3ª pessoa, o narrador onisciente constitui uma notável caracterização psicológica em que revela, ao fazer o estudo do personagem Fortunato, o ápice do prazer que é conseguido na contemplação da desgraça alheia.

Durante o conto, o narrador apresenta vários indícios, tanto sobre a personalidade de Fortunato, como também da paixão de Garcia por Maria Luísa. O trecho a seguir retrata um comportamento de crueldade de Fortunato. [...] Ia devagar, cabisbaixo, parando às vezes, para dar uma bengalada em algum cão que dormia [...]. Essa atitude permite ao leitor refletir sobre possíveis atos de maldade que a personagem faria, pois demonstra que se divertia com o sofrimento alheio.

Outros trechos como: Garcia foi lá domingo. Fortunato deu-lhe um bom jantar, bons charutos e boa palestra, em companhia da senhora, que era interessante. [...] Era esbelta, airosa, olhos meigos e submissos [...] Maria Luísa ficou desconsolada com a zombaria do marido; mas o médico restituiu-lhe a satisfação anterior [...] Garcia começou a sentir que alguma coisa o agitava quando ela aparecia. Esses fragmentos do texto demonstram que a trama de um triângulo amoroso estava se formando lentamente. Aparecem como sinais indicativos para o desfecho do conto.

A personagem de Maria Luísa se mostra como uma figura feminina frágil, submissa, sensível e temerosa. Ela detestava os traços de crueldade do marido, sua frieza pra lidar com sangue, com doenças. Ele sempre tentava convence-la de que era normal, ela que era fraca pra essas coisas. Há um trecho no conto em que diz: - Fracalhona! E voltando para o médico: - Há de crer que quase desmaiou? Referindo-se a cena da tortura do rato.

Ao final do conto, com a doença e morte de Maria de Luísa desvenda-se a causa secreta, tanto da possibilidade de traição como da personalidade sádica de Fortunato que se deleita com o sofrimento do amigo. Fortunato, à porta, onde ficara, saboreou tranqüilo essa explosão de dor moral que foi muito longa, deliciosamente longa. Fortunato que inicialmente se mostra dedicado à doença da mulher, esquece-se da dor de uma possível traição, deixando a mostra sua verdadeira personalidade sádica.

É fantástico perceber como o autor deslinda (tornar compreensível, esclarecer) aqui um comportamento doentio que norteia ações que aos olhos da sociedade podem parecer da mais completa bondade e dedicação ao próximo. É um tema muito comum em Machado de Assis a ideia de que a aparência opõe-se radicalmente à essência.

3 RELAÇÃO ENTRE CRUELDADE, IRONIA E SARCASMO NA NATUREZA HUMANA

A sociedade e seus comportamentos sempre foi o foco dos estudos e das obras machadianas. O autor sempre buscou analisar as atitudes de suas personagens como representações de figuras presentes na sociedade. Mesmo, em muitos momentos, mostrando traços da natureza humana, Machado não os via como aspectos negativos, mas sim como naturais. Qualquer ser humano, dependendo da situação a que seja submetido, pode apresentar características, aparentemente, negativas aos olhos da sociedade.

A crueldade, a ironia e o sarcasmo são características, que embora pareçam se distanciar uma da outra, estão bem interligadas. Nos contos em estudo, ocorre uma mescla dos três aspectos, ora em doses mais intensas, ora em doses mais amenas e sutis.

Em "Noite de Almirante", um dos interesses do conto não está apenas na situação do amante traído: está na atitude de Genoveva quando indagada por Deolindo lhe diz toda a verdade. Essa mescla de candura, insolência, ironia, cinismo e porque não dizer uma crueldade sutil. Analisando essa perspectiva, Bosi afirma

Genoveva não se arrepende; antes, confessa abertamente que jurara, é verdade, "mas que vieram outras coisas..."; e isso é tudo. Parece não haver consciência de cul­pa, e é o próprio narrador que, afinal, intervém para expli­car Genoveva aos leitores talvez pasmos de tanta inconsciên­cia: "Vede que estamos aqui muito próximos da natureza".

A situação da jura virou bruscamente assimétrica. O trato verbal foi rompido por um dos lados, e o bem supre­mo que ele selava, o amor de Genoveva, ela mesma o trans­feriu para um terceiro, talvez mais atraente, por certo me­nos pobre. A realidade era assim, para que negá-la? "Uma vez que o mascate venceu o marujo, a razão era do masca­te, e cumpria declará-lo." Essa "simplicidade", essa "can­dura", mantida após a traição, parece ao narrador muito próxima da natureza, que não conheceria pecado, nem cul­pa, nem remorso, apenas necessidades. ( 2000, p.113)

Essa frieza de Genoveva a torna muito mais que sarcástica ou irônica, demonstra uma crueldade camuflada em meio a palavras descontraídas. Essa maneira como encara a realidade e o fato de não querer voltar ao passado são direitos cabíveis a ela, mas o jeito como desdenha do amante frustrado pode ser considerado como bem cruel. Ouvir da pessoa amada o témino de uma paixão e perceber que não havia nenhum arrependimento em sua fala, talvez tenha sido a parte mais dolorosa para Deolindo. Quem já passou por isso sabe o tamanho dessa dor.

Em a "Causa secreta" a crueldade de Fortunato é claramente percebida, o narrador permite ao leitor, através de suas descrições detalhadas, especialmente na cena da morte do rato e na cena final, ver um comportamento que se alegra com o sofrimento alheio. Em "Noite de Almirante" o comportamento de Genoveva não a denuncia como alguém que sentia prazer no sofrimento alheio, mas demonstra claramente que ela não estava preocupada como esse sofrimento, o que a caracteriza como alguém aparentemente egoísta e preocupada apenas com seus próprios sentimentos, que no momento lhe favoreciam muito mais.Até que ponto o comportamento de Fortunato pode ser considerado mais sarcástico, irônico ou cruel que o de Genoveva?

A natureza humana pode ser representada como uma caixa de surpresas, o homem apresenta-se da mais variadas e surpreendentes formas. Ora movido por seus desejos, ora por convenções sociais. As personagens de Machado são também representações sociais, vale analisá-las, refletir sobre elas, questioná-las, mas nunca julgá-las, pois pode ser que em algum momento nos vejamos espelhados e presos a uma realidade já vista na ficção literária.

4 CONSIDERAÇÕES FINAIS

É interessante observar o olhar que Machado tem em relação à sociedade, a maneira como analisa suas personagens e consegue ao mesmo tempo visualizá-las na realidade social. Machado foi considerado um dos melhores autores brasileiros, por sua obra trazer um caráter atemporal, um olhar que enxergava sua realidade e também conseguia ver a realidade futura, a contemporaneidade. Seu objetivo principal de análise e estudo foi o comportamento humano.

Os contos analisados nos mostram as oscilações da natureza humana, a ironia, o sarcasmo e a própria crueldade, características que, embora sejam aparentemente consideradas como negativas, são inerentes ao ser humano. Em alguns, elas se expressam de maneira mais intensa, em outros de forma mais suave, mas não significam que não estão lá. Esse lá que simboliza a própria natureza complexa e surpreendente da humanidade.

Machado de Assis, na maioria de suas obras, cria narradores que sempre deixam que o leitor crie suas próprias interpretações dos fatos narrados, permitindo que suas narrativas fiquem inacabadas ou passíveis a mudanças interpretativas.

REFERÊNCIAS

ASSIS, Machado de. Contos consagrados. Coleção prestígio. Ediouro – s/d.

ASSIS, Machado de. Várias histórias. W. M. Jackson Inc. Editores, 1946.

BENJAMIN, Walter. Os pensadores. São Paulo: Abril Cultural, 1980, p.57-74.

BOSI, Alfredo. Machado de Assis: o enigma do olhar. São Paulo: Editora Ática, 2000. 229p.

BUSARELLO, Raulino. Dicionário básico latino-português. 6 ed. Florianópolis: Ed. Da UFSC, 2003. 289p.

HOUAISS, Antônio; VILLAR, Mauro de Salles. Minidicionário houaiss da língua portuguesa. 2 ed. Rio de Janeiro: Objetiva, 2004.