Nacionalidade

Em meus tempos de criança paulistana, nos anos 1940, ainda restava algo do período áureo de afirmação, no espaço urbano, da primeira geração ítalo-brasileira. Mas, em meio á vasta experiência humana dos milhões de italianos, os descendentes que viveram na cidade, meu horizonte é pobre e limita-se praticamente a 10 ou 20 ruas do bairro do Brás e a pouca coisa do Bexiga. (RICUPERO, 2011, p.20)

Em linhas gerais entende se que a narrativa de Alcântara Machado consiste em descrever a realidade no cotidiano dos imigrantes italianos. Em o conto Nacionalidade o enunciado tem como proposta uma narrativa sobre a naturalização do imigrante, que embora seja fanático pela pátria italiana passara por processo de abrasileiramento atraído pela perspectiva de progresso econômico. No conto as palavras em caixa alta e em negrito é um grafismo que Alcântara utiliza enriquecer e dar ênfase ao texto. Narrado em terceira pessoa o conto apresenta como personagem central o Tranquillo Zampinetti.

Apesar do conto apresentar um tempo cronológico breve, nota que o tempo neste conto se torna mais longo que os analisados anteriormente percebemos esse alongamento é marcado da infância do filho mais novo de Zampinetti, até a formação superior ou seja até a fase adulta, e o tempo também consiste do enriquecimento até o  abrasileiramento de Zampinetti, nos espaços em branco que o livro exibe  nota se um síntese de ações que sinaliza a passagem de um momento para um seguinte. Outra marca de tempo se percebe quando dona Emília e Tranquillo Zampinetti se tornam avós.

 O autor narra a história de um simples comerciante, mas precisamente um  barbeiro proprietário do “Salão Mundial.” Ao relatar sobre o barbeiro Zampinetti, o autor faz do barbeiro uma figura igualmente para relatar o cotidiano de muitos italianos patrióticos, que ansiavam em preservar seus costumes e conservadorismo á pátria que um dia deixara. E como muitos dos seus conterrâneos o Tranquillo Zampinetti sonha em regressar a sua terra natal. A numeração 224-B e a rua do Gasômetro famoso bairro do Brás que o barbeiro se instalara fica subentendido como lugar que abrigara centenas de pessoas, esse tipo de moradia é  vista como cortiço

 

Luciana Facchinetti (2004) nos apresenta uma série de entrevistas pertinentes ao tema da imigração italiana, principalmente a ocorrida após a II guerra mundial. Segundo a autora, os italianos chegaram ao Brasil em decorrência de muitos sonhos terem sido destruídos, pois viveram por muito tempo sob a ilusão dos governantes fascistas.

O Fanfulla, o ilustre jornal reconhecido  pela comunidade paulistana traça um panorama sobre a guerra que a Itália estava vivenciando naquele período, e o entusiasmo de Zampinetti é marcado ao ler no Fanfulla sobre a vitórias de sua pátria, Zampinetti por um certo momento deixava seus clientes amedrontados, por segurar a navalha como se fosse espada.

La fulminante investita dei nostri bravi bersaglieri há ridotto le posizione nemiche in um vero amazzo di rovine. Nel campo di battaglia sono restati circa cento e novanta nemici.Dalla nostra parte abbiamo perduto due cavalli ed é rimasto ferito un bravo soldato, vero eroe che si á aventurato tropo nella conquista fatta da solo di una batteria nemica. (ALCANTARA MACHADO, 2005.p.71)

A partir da fala do italiano percebemos que Zampinetti apesar de estar em terras brasileiras tinha como ideologia preservar a língua italiana. Vimos que tamanha preservação consiste em o italiano não aceitar que os filhos falem a língua portuguesa, o autor aponta que o contrariedade de Zampinetti era um “desgosto patriótico e domestico.” Notamos outro destaque de amor a pátria quando o barbeiro parece cantar a vitória da pátria, para o engraxate e italiano Giacomo, que a Itália vencerá a guerra por força de canhão.”Tripoli sará italiana, sará italiana a rombo di cannone!”

Isso fica explicito,  ao ser descrito quando o pai diz “Tua Madre ti chiama” e os filhos declaram não entender uma só palavra que o pai dissera, notamos a indignação do pai pelas ofensas direcionada aos filhos através de xingamento. -Stai atento que ti rampo la faccia, figlia d’um cane sonzzaglione, che non sei altro!”

Ricupero (2011) afirma que, mesmo distantes de sua pátria, os italianos não fugiam de suas origens e procurava de alguma forma preservar sua cultura e seus costumes, como na culinária e até mesmo através de devoção religiosa. Porém, com a imigração, a culinária também se misturou com a brasileira atingindo um gosto popular.

Percebemos que o nome da esposa de Zampinetti não é de origem italiana, ao referir a mãe Dona Emília, podemos entender que os filhos não falam italiano como era o desejo do pai, por ser filho de brasileira, fica entendido que o italiano ao chegar ao Brasil formou uma família, casando se com brasileira. É possível observar que a família de Zampinetti era pobre, e a mulher ajudava com as despesas da casa.

A rotina do italiano e de sua família é marcada na cena que o autor descreve que logo após o jantar, ficavam pelo lado de fora da casa tomando uma fresca e conversando com alguns vizinhos que também eram imigrantes italianos, notamos serem imigrantes pelos nomes de origem italianas e os assuntos nessas horas eram sempre sobre a Itália e o desejo que cada um tinha de voltar a sua pátria, mas entende se que nessa rodada o italiano considerado mais radical era o barbeiro Zampinetti.

O assunto já sabe: “Itália e mais Itália. Porque a Itália isto, porque a Itália aquilo. E a Itália quer, a Itália faz, a Itália é, a Itália manda”. Esses relatos antecipa a insistência do italiano em defender seu patriotismo em solo brasileiro e fica claro que o barbeiro Tranquillo Zampinetti não se adaptara em terras brasileiras. Mas nessas conversas entre vizinhos há aqueles que não argumentam sobre tal assunto, o que nos parece que estes já se conformaram em viver no Brasil.

A comunicação não verbal é descrita nos gestos de dona Emília ao sacudir os ombros, nessas discussões sobre a Itália nos parece ser a que menos se importa em voltar para a Itália, Dessa forma entendemos que Dona Emília, a esposa de Zampinetti é brasileira.

No fragmento que o candidato Ferrucio foi pedir o seu voto para eleição a  governo de Juiz de paz, percebemos que além de não ser naturalizado brasileiro também não era eleitor, porém depois de muita insistência do candidato o barbeiro aceitou em se tornar eleitor. Interpretamos que o italiano não era bem informado, somente depois que o candidato Ferrucio explica que apesar de Zampinetti  não ser de nacionalidade brasileira, o italiano pode sim exercer sua cidadania.

Na frase que consta que o Tranquillo Zampinetti conseguiu votar,” e votou com outra caderneta” entende -se que o candidato conseguiu comprar o voto, praticando a “corrupção nas eleições.” Depois dessa votação o italiano começou a ter gosto pela politica e até começou a pedir votos. A citação a seguir relata surpreendentemente o progresso de dois italianos após o final da primeira guerra e coincidiu com seu alistamento como eleitor.

A guerra europeia encontrou Tranquilo Zampinetti proprietário de quatro prédio na Rua do Gasômetro, dois na Rua  Piratininga, cabo influente do Partido Republicano Paulista e dileto compadre do primeiro subdelegado do Brás; o Lorenzo interessado da firma Vanzinello e Cia, e noivo  da filha mais velha do Major Antônio Del Piccolo, membro do diretório governista do Bom Retiro; o Bruno vice presidente da Associação Atlética Pingue -Pongue e primeiranista do Ginásio do Estado. (ALCANTARA MACHADO, 2005.p.73)

A partir do fragmento citado acima notamos que o Tranquillo Zampinetti já estava estabelecido, e adquirido riquezas, aproveitando que Zampinetti havia acumulado riquezas,  o amigo Carlino resolve pedir ajuda para a guerra na Itália, quanto as questões relacionada a politica não vimos  interferência da esposa até o momento que ela vê que Tranquillo Zampinetti entusiasmado pelo amigo Carlino a investir dinheiro na Itália, a partir desse ponto notamos uma divergência  entre dona Emília e Tranquillo Zampinetti.

Ao observar que a esposa estava certa Tranquillo Zampinetti segue os conselhos e conversa com o amigo a respeito da caderneta, compreendemos que Zampinetti quer seguir uma carreira politica sem envolvimento com a corrupção. Como vimos anteriormente em que Tranquillo Zampinetti havia obtido a carteirinha  por meios corruptos.

            Como Zampinetti já passara muito tempo no Brasil o conto nos mostra um patriota italiano envelhecido, ao relatar sobre as mãos tremulas não podendo mais trabalhar, o autor descreve que o personagem envelheceu e mudou de profissão, parece já não ter saudades da Itália e estar feliz no Brasil o personagem Zampinetti parece apenas não estar satisfeito com o governo brasileiro. Outra forma de notar o decorrer do tempo nesta narrativa, é no momento em que “Dona Emilia mexendo na cozinha quando o filho do Lorenzo gritou no corredor:- Vovó! Vovó! Venha ver o tio Bruno de cartola”.

            Tranquillo caminhou do desinteresse a guerra na Itália pelo interesse do que era brasileiro, numa trajetória de existências em um processo de influencia por  outra cultura, em que nela se  firmou e progrediu . Vimos que o processo de aceitação a nacionalidade brasileira se deu pela necessidade de o Tranquillo Zampinetti de promover profissionalmente o filho advogado. Neste conto percebemos que o patriotismo de Zampinetti foi perdido pelo interesse econômico que conquistara no Brasil, pois com o passar dos anos Zampinetti adquiriu riquezas e a nacionalização do conservador italiano foi realizada

No entanto, percebemos que no transcorrer da narrativa em que Tranquillo, se divide entre a nacionalização no Brasil, e a perca pelos valores culturais de sua pátria, principalmente quando passou a engajar-se na política brasileira, no processo eleitoral, nas apreensões sociais, porém o processo de nacionalização começa a acontecer quando o italiano deixa de lado a guerra europeia e das notícias de sua terra natal.

O contentamento e a falta de vontade de voltar para a Itália se dá pelo enriquecimento e a formação superior do filho Bruno, notamos a felicidade do pai Tranquillo Zampinetti na formatura do filho. Enfim a nacionalização de Tranquillo Zampinetti acontece já no final do conto em que o filho Bruno se tornara Bacharel em ciências jurídicas.

Observamos no conto que o primeiro serviço exercido pelo filho do italianos foi de requerer as autoridades competente a naturalização do Tranquillo Zampinetti, cidadão italiano residente em São Paulo, ainda observamos que essa foi a proposta que o filho carregou ao longo da vida e que havia nessa família dois sentimento de patriotismo a do pai pela a Itália e a do filho pelo Brasil. Compreendemos que não houve nenhum empecilho por parte do italiano, pois não há referencia que comprove. Apenas entendemos que o Tranquillo Zampinetti se tornou naturalizado brasileiro pelo enunciado do conto “Nacionalidade.”

Como afirma Cenni É esse ambiente de instalação e adaptação dos imigrantes à realidade paulistana que Alcântara Machado retrata em sua obra Brás, Bexiga e Barra Funda, compondo vários contos em que os costumes, a língua italiana abrasileirada, os gestos, a miscigenação, a comida, etc, são descritos com uma linguagem literária modernista