Encontro inesperado

Na estação rodoviária, ele força a vista para se certificar e, ainda meio em dúvida, se aproxima do outro e lhe aponta o dedo.

― Ei, você não é o... o... se lembra de mim?

― Acho que lembro um pouco, mas... ah sim! Lembro, lembro.

― E aí, rapaz? Como é que vai?

― Eu? Tudo bem, e você?

― Tudo. Há quanto tempo hein?

― Pois é. A gente se separa e, quando vê, passou um tempão sem se ver.

― Pois é, né? Por isso que dizem que esse mundo é pequeno.

― E não é? Eu mesmo já reencontrei um monte de gente que já não via há tempos.

― Vem cá, e a faculdade? Você fazia faculdade, né?

― Faculdade? Não, eu não. Fiz curso técnico. Refrigeração.

― Mas me disseram que você tinha feito vestibular e estava em faculdade. Até me inspirei, fiz cursinho e entrei na Universidade. Estou fazendo sociologia.

― É mesmo? Que legal! Parabéns. Soçologia é muito bom.

― Sociologia. Não é uma área muita valorizada, mas eu tinha que fazer alguma coisa pra trabalhar.

― Pois é, é uma área difícil, mas com jeitinho as coisas se ajeitam.

― Pois é, eu queria mesmo era seguir a carreira de jogador de futebol.

― Futebol? Você? É brincadeira, né?

― Não, não. Eu queria mesmo. Eu sempre tive paixão pelo futebol.

― Ah, tá. Isso é. Paixão é verdade.

― E seus filhos, os dois meninos já estão grandes?

― Filhos? Não, não. Tenho uma filha só. A Isabelle.

― Nome bonito. Isabela.

― Isabelle. Com dois eles e e no final.

― Ah, sim. Mas, peraí. Você não tinha dois filhos?

― Eu não. Já disse que tenho uma filha só. Esse negócio de dois filhos é que inventam pra desmoralizar a gente. A patroa sempre vai achar que a gente tem outros filhos por aí, entende? Aí ela sempre fica no nosso pé. Qualquer passo em falso...

― Ah, sim, entendi. Deve ser isso. Mas me diga: tem dado certo esse lance de refrigeração?

― Pois é. Dá pro gasto. Mas é muito puxado. A gente se suja muito, pega muito sol. Pra dizer a verdade é uma droga. Já tô pensando em fazer outro curso. Algo que me faça pelo menos trabalhar em ambiente climatizado. Conserto ar condicionado, mas vivo no calor.

― Sei, sei. Eu tô me virando num almoxarifado enquanto termino o curso de sociologia. Tenho um filho também e as contas não esperam.

― Tem visto a galera?

― A galera? Sim, sim. De vez em quando vejo um. Eles se surpreendem quando digo que não segui a carreira de jogador.

― Peraí, é sério isso? Você tentou mesmo ser jogador de futebol?

― Claro! Fiz teste e tudo. O problema é que no dia do teste senti uma fisgada que me impediu de dar aqueles meus famosos arranques. O que você tá rindo?

― “Famosos arranques”? Essa é boa!

― Não tô entendendo o “Essa é boa”.

― Ora, deixe de bobagens. Você sabe que você não jogava tudo isso.

― Como não jogava? Eu sempre fiz mais gols nas partidas. Minha arrancada era fatal!

― Qual é? Todo mundo sabe que você não tinha o menor jeito pra coisa. Insistia em jogar, mas sempre dava caneladas na bola. Pra dizer a verdade, você era o maior perna-de-pau do bairro. Só jogava por que era o dono da bola.

― Peralá! Como é que é? “Perna-de-pau”? “Dono da bola”? O que você tá dizendo? Nunca imaginei que tivesse tanta inveja de mim! Fui eleito o melhor jogador do bairro vários anos seguidos. Era o maior artilheiro; fiz quinhentos gols em apenas quatro anos. Além disso, você é que era o dono das camisas e arranjava os jogos. Você é que jogava no time sem ter o menor jeito pra coisa.

― Você tá louco? Eu não era dono de nada. Quem era o dono das camisas era o Aurélio. Ele é que arranjava os jogos, mas nunca jogava.

― Que Aurélio? Não me lembro de nenhum Aurélio!

― O Aurélio, oras! O mesmo que te levou às pressas ao hospital quando você chutou o chão e quebrou o dedinho.

― Eu nunca quebrei o dedinho. Quebrei só o pulso e quem me levou ao hospital foi meu primo.

― Não importa se foi dedinho ou pulso; alguma coisa quebrou. Agora, quinhentos gols em quatro anos? Pelamordedeus, larga de ser mentiroso que ninguém conseguiu isso em todo o bairro do Nicodemos.

― Nicodemos? Que Nicodemos? A gente morava no bairro do Mangueirinho, esqueceu?

― Mangueirinho? Como? Nunca morei no Mangueirinho, pô! Você não é o Lopes?

― Lopes? Eu sou o Maurício, cara! Você não é o Didi?

― Não, eu sou o Guilherme!