Na fila                                       

Na fila do banco, os dois idosos sentados e com as senhas de prioridade nas mãos. Um deles, para puxar conversa, diz:

─ Esses tempos, hein? Tudo difícil.

─ É...

─ Pois é. Cá estamos na espera do pagamento de novo. Depois de tantos invernos trabalhando, agora é só esperar o início de cada mês pra receber a aposentadoria. Nem parece que foram 45 anos de labuta.

─ 45 anos? Eu só trabalhei 35. Fui professor.

─ Professor é? Legal. Ensinou muita criança que agora deve ser doutor, né? Eu não; sempre fui peão de obra. Carreguei muito tijolo, areia e cimento. Fiz muitas casas. Até escolas construí, mas não estudei muito não. Cada escola linda de filho de doutor... Mas nunca matriculei meus filhos porque não tinha condições. Parece até aquela música do tal de Zé Barbalho.

─ Zé Ramalho.

─ É, esse aí. Quando ouvi a música, pensei que era eu cantando, uai. Mas quando vi o cantor na TV, tive certeza de que não era eu. Eu não sou tão feio assim.

─ E o senhor só trabalhou nisso então?

─ Não; fiz muita coisa na vida. Quando não tinha serviço em obra, eu fazia uns bicos: jogo do bicho, aposta de porrinha, conserto de portas e torneiras, venda de bilhetes de loteria, desentupimento de fossas, essas coisas. Tinha bocas pra alimentar, não tinha como ficar parado.

─ Pois é. Eu criei três filhos sempre trabalhando como professor.

─ Quem sabe não deve ter dado aula para os meus filhos em alguma escola pública.

─ É, pode ser; trabalhei em várias.

─ E agora é hora de curtir a velhice. Mas tenho um amigo que não tá sabendo fazer isso não. Tá curtindo com uma novinha. Recebe a aposentadoria e vai desfilar com ela no shopping, veja só.

─ Mas que espertão!

─ Que burraldo, isso sim! Eu já falei pra ele: rapaz, larga de ser papa-anjo; essa menina não tá contigo, tá com o teu dinheiro.

─ E ele?

─ Não quer nem saber! Diz que tá “apaixonado”. Onde já se viu um velho babão apaixonado? É um bobão mesmo.

─ Calma. Parece que ele está gostando da aventura.

─ É, mas ele não vai gostar é depois. 18 anos; já pensou? Quem disse que ele dá conta do recado se ele já passa dos 70? Eu que já tenho 65 quase não dou mais. Imagina ele com 70 e tantos! De dia ele passeia com ela e de noite o Ricardão carimba o passaporte. Que besta mesmo!

─ Tem certeza desse Ricardão?

─ Claro que tenho! Eu já vi essa sem-vergonhice dela! Peguei no fraga!

─ Flagra, você quer dizer.

─ É, esse negócio aí. Peguei os dois não faz nem uma semana. Falei pra ele na hora.

─ E o que ele fez?

─ Não fez nada. Não acreditou em mim, o cornão. Disse que ela não faria isso! Imagine só: depois de velho, servir de besta pra uma guria! 18 anos e já sabe passar a perna em velho! Devia denunciar ela, ou não existe mais o estatuto do idoso?

─ Claro que existe. Mas ele não acredita mesmo ou sabe da verdade e não liga?

─ Vai ver é isso. Ele diz que, se fosse verdade a traição, “é melhor comer filé com os outros do que pelanca sozinho”. Besta. Ela é que está comendo o dinheiro dele. Já arrancou dele anel, colar, relógio, roupa, sapato, tudo; até plano de saúde, dentista e clube de lazer. Vai ver ela se encontra com o Ricardão lá também. Diz que vai nadar na piscina e corre prum cantinho pra se amassar com o amante. Eu conheço essas meninas de hoje: são fogo na roupa! Estão contigo, mas tão beliscando o bronzeadão que passa. Elas não me enganam não! Se fosse comigo, só andava acompanhada por mim. Ela diz pra ele que faz curso pré-vestibular à noite e o cornão acredita! Ela disse que ganhou bolsa de 50% e ele paga os outros 50%, mas ele tem que dar o dinheiro na mão dela porque só aceitam o pagamento no próprio endereço do curso; e ele não sabe onde fica! Mas é besta mesmo! Vai ver, o dinheiro é pra pagar o restaurante, o cinema ou até o morredouro com o Ricardão! E o bocó não desconfia de nada! Mas eu aviso pra ele: rapaz, acredita em mim: essa menina tá te levando no bico. Eu conheço essas peças! Mas ele diz que não é nada disso, que ela é direitinha. E aí eu fico maluco! Não acredito que alguém seja tão idiota. Os cabelos brancos dele não lhe ensinaram nada. É o fim do mundo. Aí eu desisto de avisar. Não quer acreditar, não acredita. Fazer o quê? E lá vai ele com a bonequinha de luxo. Vai ser trouxa assim lá na China.

─ Puxa, que coisa. É ruim ouvir que mais um idoso está sendo enganado.

─ Pois é, mas nem todos são. Eu, por exemplo, não deixo ninguém não. Conheço meus direitos e sou esperto. Se mexer comigo, eu me defendo. Ô, se não!

─ E o senhor é casado ainda?

─ Que nada, amigo. Tô separado há muito tempo. Nem sei mais onde anda aquela mocreia. Agora eu tô com um filezinho que só tu vendo. Parece um sonho. Uma belezinha.

─ E essa senhora tem que idade aproximadamente?

─ Que senhora o quê, uai? Eu não falei que é filé? É uma belezura de 19 aninhos! Quero que você veja: só tem olhos pra mim. Modéstia à parte, ela diz que não vive sem mim.

─ Mas... Só 19 anos?

─ Pois é, né? Que é que posso fazer? Ninguém resiste ao vovô aqui. Só foi ela bater o olho em mim que ela se derreteu toda! A gatinha tá doida por mim. E aí me pede pra levar em restaurante, parque de diversão, shopping e o escambau. No meio do mês chego a ficar sem dinheiro algum, mas vale a pena. É até bom que ela aproveita o intervalo de passeios e namoro e dá uma sumidinha por duas semanas mais ou menos. Diz que é pra resolver umas coisinhas; que está estudando pra concurso; uma gracinha. E aí, uns quinze dias depois, ela aparece de novo. Diz que não aguenta de tanta saudade! Aí eu venho aqui receber minha aposentadoria e saio com ela de novo pra aproveitar a vida. Inclusive, daqui a pouco ela vai aparecer aqui pra nós irmos ao cinema. Eu costumo dormir durante o filme por causa do escuro, mas ela diz que gosta assim mesmo. O meu sono é tão tranquilo que chego a achar que, às vezes, ela não está do meu ladinho. Quem diria que com 65 anos eu ainda estaria arrebentando corações novinhos? Agora dá licença que a máquina chamou minha senha.