Bodas de pérolas

O casal chega ao restaurante. Ela está feliz. Há algum tempo que o marido não a convidava para almoçar fora. Vivia trabalhando e ocupado que não sobrava tempo para isso nem no domingo. Na verdade, esse convite até lhe deu certa desconfiança. Ele parecia bem sério. Havia algo. Mas ela resolve quebrar o gelo:

― Ai, amor. Que bom que você encontrou um tempo para almoçarmos juntos. Nem me lembro mais da última vez em que fizemos isso. Bem, eu vou querer...

― Regina, preciso lhe contar algo.

― Eu sabia. Esse encontro não é por acaso. Mas você tinha que estragar.

― Mas eu não falei nada ainda!

― E precisa? Só essa cara já diz tudo. Eu sabia que tinha alguma coisa estranha no ar.

― O que posso fazer? Preferiria que eu escondesse?

― Hoje sim. Mas tudo bem. Diga lá qual é a novidade.

― Eu nem sei por onde começar...

― Ah, para! Nem começa com essa conversa. Começa pelo principal e termina logo.

― Está bem. É... Bem... Vejamos...

― Desembucha, Adalberto!

― Está bem. É que...

― Peraí. Não vai me dizer que é o que estou pensando.

― Sei lá. O que é que você está pensando?

― Não adianta disfarçar que eu já entendi. É o Fernandinho, né? Eu sabia que ele estava usando drogas. Eu bem que desconfiei. Ele te contou não foi? Sim, porque comigo ele não fala nada. Ele se tranca naquele quarto e fingindo que está tocando violino, mas deve é estar fumando um baseado.

― O que você está falando Regina? O Fernandinho é um bom rapaz. Está terminando o mestrado em música, é um dos principais músicos do conservatório. E, francamente, como ele fumaria um baseado no momento em que está tocando? Ele toca por três horas seguidas! Ele só é um pouco introvertido, o que é bem comum entre músicos. Não tem nada de droga nessa história.

― É, talvez você esteja certo... Já sei! É a Sofia, não é? É com ela. Eu sabia que ela estava estranha também. Já entendi. Ela gosta de mulher, né? Ela te contou. Sim, porque comigo ela não conversa nada. Eu sabia que ela estava escondendo algo.

― Regina, você está maluca? A Sofia tem um namorado há quase um ano.

― Só pra disfarçar. Pensa que eu não conheço esses jovens? Eu conheço de longe. Usam óculos para fingir que enxergam mal. Usam roupa rasgada para parecer pobres. Tatuagens para parecer durões. Eu sabia que a Sofia estava escondendo alguma coisa.

― Eu nunca ouvi tanta besteira junta, Regina.

­― A sua filha nos engana e eu é que falo besteira, é?

― Já disse que a Sofia não está escondendo nada. Ela tem namorado e está tudo bem com ela.

― Tá, então o que é que você está escondendo, então? Por que não para de enrolar e fala logo?

― É porque você não deixa, oras! Eu ia dizer que...

― Ah! Agora entendi! Já sei porque você está enrolando pra falar. Já compreendi tudo.

― Como assim, compreendeu? Eu não disse nada ainda.

― E precisa? Pela sua cara de cachorro arrependido eu já entendi tudo Adalberto. Quem é a vaca?

― Como? Que vaca?

― A piranha, Adalberto! A vadia que arrastou as asas pra você! Conta logo quem é. Já sei. É a sua secretária, né? Eu sabia que aquela vagabunda estava dando em cima de você. Aquela carinha de anjo nunca me enganou. Francamente, Adalberto. Eu sabia que você era chegado a um rabo de saia, mas tinha que ser logo a secretária? Na cara de todo mundo da empresa?

― Espera aí, Regina. Não é nada disso. A dona Vanessa...

― Ah, é Vanessa o nome da vagabunda, é? Dona, só se for de sua cueca, né? Sinceramente, tantos anos de dedicação ao nosso casamento, Adalberto. Estive sempre junto nos bons e maus momentos. Tantos sacrifícios por você pra nada.

― Que história é essa de sacrifícios? Você sempre desfrutou de uma vida de luxo. Viagens, joias, vestidos. Sempre fui um marido fiel e dedicado. Não me lembro de termos nenhuma crise séria. Nem sequer problema de saúde. Você fez todas as cirurgias plásticas que quis. Toma um lenço.

― Ah, quer dizer que chegou a hora de falar do meu custo? Isso mesmo. Joga na minha cara! Joga mesmo! Fala que eu sempre te suguei. Parasitei até a última gota de sangue. Fala que eu custei caro pra você. É isso que eu sou. Uma planilha de despesas infinitas, né?

― Não é nada disso, querida. Fale baixo, por favor, que o restaurante todo está olhando pra gente. É que você está falando em sacrifício e eu não vejo onde.

― E você acha que é fácil deitar num leito de cirurgia pra ficar mais bonita pra você? Você acha que não é sacrifício ficar horas no cabeleireiro pra ficar linda e te acompanhar naqueles jantares de lançamentos da empresa! Você acha que não é sacrifício as eternas horas de maquiagem, manicure, academia, yoga, peeling, drenagem linfática, lifting facial, aplicação de botox, colágeno, laser?

― Ora, Regina...

― Não, não. Tudo bem, já entendi. Pra vocês homens, tudo isso é frescura de mulher. Mas não te dou dez anos para aquela vagabunda fazer o mesmo.

― Já disse que não tenho nada com a dona Vanessa. Tire ela dessa conversa.

― Você não me engana Adalberto. Você não vai me enganar dessa vez. Agora eu já sei o porquê daquelas reuniões demoradas. Aquelas “esticadas na empresa”.

― O que você está dizendo, Regina? Aquilo nunca foi mentira. A nossa empresa trabalha com fornecedores do mundo inteiro. Se um fornecedor liga da China e diz que teve um problema na saída das mercadorias de lá, eu tenho que esperar a resposta, resolver o problema. Lá, a burocracia é muito grande. Aqui, as leis alfandegárias mudam a toda hora. As taxas sobem ao bel prazer do governo. Uma vez, um furacão na Ásia...

― Não quero saber desse papo de negócios! Não entendo e nem quero entender nada disso. Já não basta ter que lembrar o capítulo anterior da novela pra entender o capítulo de hoje. Eu, hein?

― Tá vendo? Você nem se interessa pelos assuntos que me dizem respeito. Só por futilidades.

― Eu não falei que assisto futebol e sim novela.

― Eu disse futilidades. É o mesmo que... Ah, deixa pra lá. Eu falei que você só se interessa pelos seus assuntos, sua vida particular. Já eu, sempre me preocupei também com a empresa. Já perdi os cabelos todos por causa dela. É muita preocupação e você só se preocupa com os luxos que ela traz.

― É impressionante, Adalberto! Eu te dei dois filhos lindos, carinho e amor durante trinta anos e você me agradece assim: falando em dinheiro, empresas, Japão...

― China.

― Pra mim é tudo igual. São tudo da África, mesmo.

― Ásia.

― Vai passar o dia todo me corrigindo? Não entendo nada de Biologia.

― Geografia.

― Vamos mudar de assunto? Se não é sobre as crianças nem sobre a piranha que você quer falar, qual é o assunto então? Por que não para de enrolar com outros assuntos e fala logo?

― Mas é você que não me deixa falar e inventa situações que não existem.

― Tá, agora a culpada sou eu se você se enrola todo pra falar?

― Tudo bem. Chega de acusações. O motivo pra estarmos aqui é que...

― Já sei! Você comprou aquele anel novo que eu te mostrei semana passada? Sabia que você não ia esquecer!

― Não Regina, não comprei nada. O motivo é que...

― Ai, você marcou a viagem para as Bahamas! Sabia que a gente iria aproveitar o feriado prolongado. Seu danadinho...

― Não, Regina. Não haverá viagem alguma.

― Muito trabalho de novo? E no feriado? Que povo pra gostar de trabalhar.

― Regina, posso falar?

― Já não está falando? Eu estou esperando e você não fala nada.

― Bem, o fato é que...

― É claro! A nossa festa de trinta anos de nosso casamento! Bodas de pérolas não é pra qualquer um. Já comecei a pesquisar o bolo e....

― Estamos falidos! Pronto, falei.

― O quê? Quê que cê disse? Eu não ouvi direito.

― É isso que você ouviu sim. Es-ta-mos fa-li-dos!

Depois de alguns segundos calados e se olhando, ela solta uma tremenda gargalhada que o restaurante todo parou para ver e Adalberto fica todo constrangido.

― Regina, você está nos envergonhando...

― Adalberto, desculpe. Há, há, há. É que eu não sabia que você tinha tanto senso de humor. Eu aqui preocupada e você vem com essa de “falidos”. Essa foi muito boa mesmo. Há, há, há. Essa foi demais. Eu tenho que contar pra minhas amigas. Há, há, boa mesmo.

― Regina, você não entendeu. Eu disse que estamos falidos e não é brincadeira alguma. É a mais pura verdade.

― Verdade? Você está dizendo que não é brincadeira, Adalberto?

― Não, Regina. Infelizmente, não é brincadeira. É verdade, estamos falidos.

E, depois de alguns segundos de semblante preocupado, ela solta outra gargalhada. Adalberto recolhe os ombros, disfarça e tenta ocultar o rosto.

― Regina, do que você está rindo?

― E não é pra rir? Você me traz aqui e me aplica essa pegadinha com tanta seriedade que ela fica ainda mais engraçada. A sua cara séria me falando que estamos falidos é engraçadíssima. Genial. Obrigada, Adalberto. Nunca ri tanto.

― Regina, você ainda não entendeu o que está acontecendo aqui. Não é pegadinha, não é piada. É sério. Estamos falidos.

Olhando triste para Adalberto, Regina emudece um pouco e, com a voz vacilante, ela pergunta ao marido:

― Então é sério mesmo? Não é pegadinha nem piada? Estamos falidos?

― Sim, Regina. Infelizmente, é sério. Não é brincadeira, estamos falidos.

Depois de alguns segundos calada, Regina cai de novo na gargalhada.

― Não acredito que você ainda está rindo. Não acredita em mim?

― É claro que não Adalberto. Você é muito competente. Detalhista. Perspicaz. Se tem uma coisa que você sabe nessa vida é ganhar dinheiro. Falência? Fracasso nos negócios? Nem pensar. Se surgisse alguma possibilidade de algo dar errado, você se anteciparia. Daria o xeque-mate e não deixaria ninguém lhe prejudicar. Eu te conheço Adalberto. Você não faliria nunca. Esse tempo todo, não notei nada de errado em você. Sequer uma feição de preocupação. Você não me engana.

― Bem, só que, desta vez, eu falhei. É muito difícil admitir, mas eu falhei. E não foi só uma vez, mas vários erros culminaram num erro ainda maior. É verdade que sou detalhista. Por isso é que falhei. Desta vez, não dei muito valor aos detalhes dos negócios. Deixei passar algumas coisas. Deleguei tarefas para pessoas inexperientes. Abusei da minha intuição justamente num momento em que deveria ter conferido dados, planilhas, informações. Deixei de checar advertências, de confirmar avisos de todos os lados. Negligenciei meu papel de líder por puro comodismo, acreditando que não precisava de tanto capricho depois de tantos anos de prática. Agora, estou colhendo os frutos podres dessa negligência.

― Então, é verdade mesmo? A empresa faliu? Acabou?

― Sim, é verdade Regina. Falimos. Tive que vender o que restou dela pra pagar as indenizações. Estamos sem dívidas, mas a empresa não nos pertence mais.

― Mas, os outros negócios vão bem, não é?

― Foram eles que ajudaram a pagar as dívidas. Tive que quitar os empréstimos no banco, os impostos do governo. Tudo para não ficar endividado. Esses negócios não existem mais. Vendi tudo para pagar as dívidas. Não temos mais nada.

― Como nada, querido? E as nossas propriedades, esqueceu? Apartamentos, casa na praia, cinco carros, a Harley Davidson...

― Vendi tudo. Negociei com o banco para reduzir os juros e quitar tudo. Neste momento, os compradores estão recolhendo os veículos e os credores tomando posse dos imóveis.

― Não acredito que foram tantas dívidas assim! E você nem sequer se queixava? Como disfarçou tão bem?

― Eu realmente não queria te preocupar.

― Pra me preocupar agora de uma vez, né? Se tivesse me falado que estava assim a situação, a gente teria vendido tudo e fugido para outro país. Perder as propriedades para banco, francamente... Bem, pelo menos temos aquele dinheiro guardado no exterior...

― Impossível. A auditoria descobriu, o governo checou e obteve autorização para confiscar. Estamos sem dinheiro.

― Meu Deus, Adalberto! Que pesadelo é esse? Como não temos dinheiro? Quem roubou nossa fortuna?

― Já disse. Não roubaram nada. Confiscaram. Se eu não pagasse os fornecedores, funcionários e o banco, a dívida iria crescer exponencialmente a uma taxa exorbitante e nós não conseguiríamos pagar nunca essa dívida. Foi o único jeito.

― Adalberto, eu não acredito. Será que terei que vender minhas joias para pagar minhas despesas agora?

― Suas joias não são mais suas. Infelizmente, eu tive que negociá-las também.

― Não acredito, Adalberto! Eu não acredito! Você quer me matar do coração? Eram minhas joias e não suas. Eu não fiz dívida nenhuma com o banco. Só falta agora dizer que vendeu também os meus cavalos. Você não seria capaz!

― Pois é, os cavalos eu quis deixar pro final...

― Adalberto dos Santos Corrêa! Você não se atreva a dizer que vendeu o Sansão e a Dalila. Sansão e Dalila não, Adalberto! Minhas crianças não!

― Não, Regina, os seus cavalos eu não vendi.

― Ah, bom!

― Eles foram a leilão ontem.

― Não acredito! Você disse que não vendeu! Você falou!

― Mas não vendi! Quem vendeu foi o pessoal do leilão! Eles foram confiscados como parte do patrimônio.

― Mas estavam no meu nome Adalberto! No meu nome! Eu não tenho dívida no banco!

― Aí é que está o problema. Como nosso patrimônio todo estava em seu nome, tive que fazer os empréstimos também em seu nome.

― Mas eu não assinei nada no banco!

― Não precisava. Lembra daquela procuração que você assinou?

― Chega, Adalberto! Não quero mais ouvir nada! Vamos logo vender nossa mansão e comprar um apartamento pequeno pra morar até você abrir outro negócio e acabar logo com esse pesadelo.

― Você disse mansão?

― Claro que disse mansão. A mansão em que moramos. Nossa casa. Deve valer alguns milhões. Compramos um apartamento de meio milhão e, com o resto, você abre uma loja, um escritório, sei lá. Vamos logo acabar com isso.

― Neste momento, estão desocupando a mansão.

― Deixa eu ver se adivinho: o banco.

― Isso mesmo.

― E o Picasso? O Matisse? O Van Gogh?

― Tudo vendido. Não resta mais nada. Estamos sem nada.

― Como assim, sem nada? Adalberto Corrêa! Como assim, sem nada? Vamos morar debaixo da ponte? Viramos mendigos, é isso?

― Calma, Regina.

― Como calma, Adalberto? Como calma? Você me chama pra almoçar e começa a contar um show de horrores. Fala que perdemos tudo o que tínhamos. Nossos sonhos, nossas conquistas, nossa vida. Vendeu tudo o que tínhamos e agora estamos sem nada e me pede calma? Vendeu nossos filhos também? Hein? Vendeu nossa filha pra algum xeique árabe também? Vendeu algum rim ou pulmão meu também? Onde é que eu assino? Ah, lembrei: você assinou tudo por mim. Por acaso, você vendeu a minha alma também?

― Calma, Regina. Não chore. Eu darei um jeito de resgatar alguma coisa. Pare de chorar assim.

De repente, o choro se transforma em risos e, depois, gargalhadas.

― Qual é a graça agora, Regina?

― Ai, Adalberto. Como você é bobo. Acha mesmo que eu iria cair nessa conversa? Você deve saber mentir bem para os sócios, credores, clientes, fornecedores, mas, pra mim, você não mente nada bem. Eu vou ligar agora pra casa e a empregada vai desmentir tudo. Não tem ninguém retirando nada.

― Você quer mesmo passar esse vexame diante da empregada, mesmo que por telefone?

Silêncio. Ela, lentamente, interrompe a chamada e deixa o celular na mesa.

― Então, é verdade mesmo? Não temos mais nada?

― Infelizmente, é verdade.

Silêncio, de repente, ela começa a chorar novamente.

― Não chore Regina. Eu juro que farei algo.

Mais uma vez, o choro vira gargalhadas ainda mais fortes que antes.

― Por favor, Regina. As pessoas estão olhando. O garçom vai pedir para nos retirarmos.

― Ai, Adalberto. Você acreditou mesmo que eu acreditei em você em algum momento?

― Regina, isso já está ficando ridículo.

― Ridícula é essa sua pegadinha de quinta categoria. Que falta de criatividade, hein? Achava mesmo que eu iria acreditar por algum instante nessa história? Você é um péssimo ator. A boca diz uma coisa, os olhos dizem outra, as mãos outra, e assim por diante.

― Olha Regina, eu não sei como é que você queria que eu dissesse tudo isso. Até porque você me interrompeu várias vezes. Mas, é assim que eu sei falar e pronto. Se você não acreditar agora e não se preparar para o que vai ver quando sairmos daqui, será pior.

― Adalberto. Eu sei que está mentindo. Pode parar de fingir.

― Regina, não estou mentindo. É você que não está sendo madura o suficiente para aceitar a realidade. Eu sei que é difícil acreditar e, principalmente, aceitar. Mas, essa é a única forma de encarar os fatos e, realmente, fazer algo a respeito. Ao meu lado, você nunca soube o que é pobreza. É muito difícil aceitar outra situação e é isso que está fazendo você achar que estou fingindo. Você não quer acreditar que perdeu todo aquele luxo. Mas, a mais crua realidade é que eu não vou nem pedir prato algum aqui porque não tenho como pagar. Es-ta-mos fa-li-dos. Aceite isso e tudo será menos penoso.

Regina começa a chorar e, depois de alguns minutos, o choro vira risadas novamente.

― Regina, eu não sei mais o que dizer.

― Não precisa dizer mais nada Adalberto. A cena terminou. Confesso que gostei da sua insistência. Até agora, nem, sinal de admitir a brincadeira. Mas, pra mim, já está bom demais. Essa pegadinha me deu fome. Vamos pedir?

― Você não acredita mesmo em mim, né Regina?

― Ah, querido. Eu te conheço há trinta anos, né? Já deu pra decorar todas as tuas expressões. Mas valeu a tentativa, tá? Quem sabe se você fizer um curso de teatro... Vou pedir salmão.

Adalberto abaixa a cabeça e, imóvel, começa a chorar baixinho. Regina olha e percebe algo estranho. Seu marido, realmente, estava chorando. Não era fingimento. Mas, se fosse, não saberia, pois se lembrou que, em trinta anos de casamento, jamais vira o marido chorar. Nem quando nasceram os filhos, nem quando celebrou os quinze anos da filha, nem quando passaram no vestibular, nem quando casou, nem quando foi homenageado na empresa, nem quando o Flamengo ganhou a Libertadores, nem quando o pai morreu. Nada. Sempre sorridente, alegre, ou sério e equilibrado, contido, mas jamais algo o levara às lágrimas na presença de Regina. E, agora, lá está ele, à sua frente, chorando com uma lágrima em cada lado do rosto. Ele estava falando sério. Por mais difícil que fosse, aquela era a verdade, então. Sentando ao lado do marido, Regina o abraçou suavemente, e falou bem baixo:

― Eu acredito em você Adalberto. Agora sei que fala a verdade. Vamos enfrentar isso juntos. Isso não vai abalar um casamento de trinta anos. Eu estarei com você onde for. Eu vou trabalhar muito. Nós vamos sair dessa. Eu vou ensinar etiqueta, decoração de festa, sei lá, mas não vou deixar você segurar essa barra sozinho, meu amor. Nunca.

E começa a chorar também. Ele a abraça ainda chorando. Depois de alguns minutos ali, ele começa a rir e, logo, os risos se transformam em gargalhadas diante de uma atônita Regina.

― Eu sabia que as aulas de teatro iriam ajudar!! Eu sabia!! Há, há, há! Eu me preparei durante um ano para essa pegadinha, Regina. Um ano!! Há, há, há!

Eram trinta anos de casamento. Bodas de pérolas. Pena que não resistiu a uma pegadinha.