Através dos livros que eu lia, imaginava aquele homem lindo, gentil chegando em seu lindo corcel branco, um verdadeiro príncipe me arrebatando e me colocando em sua garupa, segurando firme em sua cintura, o abraçando fortemente com incrível sensação de estar protegida de tudo e de todos. Levando-me para morar em lindo castelo onde não faltasse nada, desde roupas e sapatos maravilhosos até excelente comida, e que pudéssemos viver felizes para sempre.

Mas, a minha realidade é outra, viver em um país em guerra transformava qualquer sonho em pesadelo, um príncipe em um soldado do governo ou num insurgente nojento, não sabíamos quem era pior os soldados do governo, que estupravam e matavam ou dos insurgentes que faziam a mesma coisa com uma crueldade muito maior, e ainda vendiam as mulheres mais jovens e em especial as virgens para se tornarem mercadoria sexual.

Eu tentava me defender como podia, já que em nossa casa era eu, minha mãe e minha irmã, meu pai foi morto em um conflito, em que ele só estava de passagem procurando emprego, foi morto da forma mais cruel possível, só buscava o sustento de sua família, estava no lugar errado e na hora errada. Não tivemos nem o direito de enterrar o seu corpo, foi enterrado numa vala comum como se fosse um cachorro sem dono e sua cabeça ficou exposta de exemplo para aqueles que desafiam o governo.

Fico imaginando como alguém pode ser tão cruel com o seu próprio povo, estão no poder para ajudar o povo e o que fazem é massacrar aqueles que tinham que proteger, sinto tanto ódio, que a minha vontade era matar a todos. É por isso que muitos ficam do lado dos insurgentes, só que são iguais ou piores, e como meu pai dizia, o governo também foi insurgente antes de se tornar governo. Mas, minha mãe me diz algo que me faz pensar:

-                          Minha filha ódio pode nos levar a cometer injustiças, assim como cometeram conosco.

E eu perguntei o que tínhamos que fazer então, viver debaixo de sofrimento?

Ela me respondeu:

- Não sei, mas viver uma vida de ódio nos leva a viver com tristeza, temos que buscar um sentimento de amor, para confortar aqueles que estão ao nosso lado, por que o amor contagia. E quem sabe conseguiríamos contagiar as pessoas em nossa volta e talvez deixassem o sentimento de vingança e essa guerra acabaria.

Chega a hora do jantar e minha mãe faz uma oração e agradece a Deus por termos o que comer e me pergunta:

-          Por que sua roupa e a da sua irmã estão em caixas?

-          Porque ela quer pegar os homens maus. – responde minha irmãzinha Nadia.

-          Como assim, Lyuba? – questiona de novo minha mãe, dessa vez surpresa e curiosa.

-          Bem, eu vou fazer uma armadilha para que quando os insurgentes ou do governo tentarem pegar a mim e vocês eles tenham uma surpresa. – expliquei com um ar de sabe o que esta fazendo.

-          E nós vamos fugir por uma passagem secreta. – se intromete minha irmãzinha.

-          Você ficou louca, quer morrer? – fica indignada minha mãe.

-          Eles precisam saber mãe, que as mulheres podem parecer ser mais fracas e frágeis, mas não são, somos muito mais inteligentes que eles, não nos curvamos a sua tirania.- respondi com convicção.

-          Menina, não podemos lutar com homens que são mais fortes, e são bem armados, temos que pedir a Deus que nos proteja.

-          Mãe, não adianta ficar só parada esperando a proteção de Deus, temos que fazer a nossa parte, quando eles vêm esquecem de Deus, e fazem coisas do Diabo, então terão as dores também do Diabo.

-          Você fica lendo esses livros, e acha que as coisas são fáceis, que tudo pode ser feito com luta e conquista, minha filha. Mas, a vida real não é assim, é cheia de dores e aflições. Não esqueça o que aconteceu com o seu pai, como ele foi morto sem fazer nada, imagine se fizesse. – diz muito preocupa.

-          Não esqueci e nem vou esquecer do meu pai e do que fizeram com ele, não quero vingança, só não quero que aconteça com você e com a minha irmã o que aconteceu com ele, vocês são importantes demais para mim. E nesses livros mostram que nem sempre a luta por liberdade é vencida e que infelizmente o mal vence, mas sempre se deixa um legado para outros vencerem um dia.

-          Minha filha, não quero que você deixe legado nenhum, só quero você viva? – com um ar de preocupação.

-          Mãe, quando eles vierem não vão ter dó de nós, eles vão ser cruéis, se tivermos uma chance de fugir, eu quero ela, não quero mudar o país, só quero sobreviver, e depois com ajuda de Deus, ter uma vida.

-          O que posso dizer, quando o que você diz é a verdade, tenho esperança que as coisas melhorem, mas isso nunca aconteça, e você tem razão ficar esperando não é a solução, mas lutar também não é. Faça o que esta fazendo para que tenha chance de escapar, tome cuidado para não se machucar e machucar a sua irmã.

Ela nem foi olhar o que estávamos fazendo, para ela era uma coisa simples uma brincadeira de criança, ainda bem, porque se ela visse talvez não nos deixasse fazer. Dei um beijo nela e fomos dormir. Minha mãe sai cedo para o trabalho de agricultura, ela trabalha no sol escaldante o dia inteiro para trazer apenas a comida do dia, ela era meu maior orgulho.

Eu cuidava da minha irmãzinha, íamos para escola de manhã e na hora do almoço voltávamos para casa. Almoçávamos e logo depois continuávamos a construir as armadilhas. Já tínhamos construído nossa fuga pela parede que levava ao túnel que ficava depois do guarda roupa passando a parede, colocamos na entrada deste túnel no teto uma lamina que peguei do seu Joval, ele chamava de guilhotina de uma maquina que cortava papel, era muito afiada. Então quem viesse atrás de nós passando por ali disparava a armadilha, teria seu pescoço degolado como Joana D’arc. A porta do guarda roupa do lado da entrada do túnel preguei com pregos para não abrir.

Trouxemos uma grande quantidade de coisas velhas para o nosso quintal, como nós não tínhamos condições de fazer um túnel debaixo da terra, então fizemos um túnel debaixo dessas coisas velhas, que nos levava para uma mata, e fizemos um esconderijo com vegetação que podíamos nos esconder como minha irmãzinha diz dos homens maus.

Nadia me pergunta:

E a outra armadilha como vai ser?

- Esta vendo esta bola de concreto, vamos cravar no meio dela uma barra de ferro.- expliquei

- Estes pregos grandes, por que tem este montão? – pergunta ela toda curiosa.

- Vamos pegar cinco pregos, quatro deles vamos curvar para sua base não encostando à base, fazendo uma meia seta, juntamos os quatro e no meio deixamos um reto, vai se formar uma ponta de uma flecha, igual eu vi num livro sobre armas de guerra, para que quando entrar na pele dos homens maus, se tentar tirar arranca a pele e tudo mais. Vamos espalhar estas pontas de flechas de pregos pela bola de concreto inteira. - e assim fizemos, demorou uns três dias para deixarmos pronta.

Peguei uma mola bem forte, preguei um lado da mola na parede no fundo do guarda-roupa, peguei a barra de ferro com a bola de concreto, a base da barra que não tinha a bola coloquei uma dobradiça que prendi também ao fundo do guarda-roupa e amarrei a mola no meio da barra e algo que prendia segurando a mola sobre pressão e um dispositivo que quando abria a porta do guarda-roupa soltavam o que prendia a mola de baixo para cima, seria uma grande impacto no homem mau.  Fomos fazer outra armadilha e ela não se contém e pergunta:

- E desta vez o que vamos fazer para machucar os homens maus?

- Vamos fazer arcos e flechas, vamos colocar na parede do fundo do quarto, virado para a porta, colocamos um tipo de um gatilho que se liga aos arcos que ao abrirem a porta dispara as flechas.

- E aquilo que você estava fazendo com o veneno de rato? – pergunta com uma cara de nojo.

- É uma mistura de veneno de rato com querosene e vamos colocar nas pontas das flechas, se não morrerem por serem atingidos, morrem do veneno. - demoramos dois dias para fazer.

Outra armadilha ficaria na porta de entrada da casa, peguei uma outra mola forte, uma ponta colocaria na porta e a outra colocaria na parede, quando a porta estava fechada ficava sob pressão, tinha uma fechadura que deixava a porta fechada. A idéia era que quando eles chegassem e tentassem arrombar a porta com força a mola puxaria a porta e eles cairiam em cima das pontas de lanças que fizemos.

No jantar minha mãe perguntou como estava a nossa armadilha:

-          Esta pronta, os homens maus que vierem nos pegar, vão se arrepender. – diz minha irmãzinha.

-          Você sabe o que esta fazendo, Lyuba? – pergunta minha mãe.

-          Sim mãe, não quero ser heroína, só quero proteger minha irmãzinha e você, estou muito cansada vou dormir.

-          Espere um pouco, estamos sabendo que tem um grupo de insurgentes bem perto daqui, portanto foi decidido que não haverá aula amanhã, não quero vocês brincando muito longe do vilarejo, e mocinha tome cuidado com essas coisas que vocês estão fazendo, se eles vierem fujam para o lado da mata que é mais difícil de acharem, e você obedeça sua irmã Lyuba, entendeu.

-          Sim mamãe. – responde minha irmãzinha Nadia.

Ao amanhecer a minha mãe me acorda:

-          Lyuba, acorda.

-          O que é mamãe? – respondo sonolenta.

-          Hoje não vamos muito longe, parece que tem insurgentes estão por perto, ninguém sabe com certeza, então tome cuidado, se sair com sua irmã fique dentro do vilarejo, nada de brincar para longe, leia seus livros para sua irmãzinha, tudo bem, amo vocês. – e me dá um beijo.

Antes que ela possa sair, ainda meio sonolenta digo:

-          Mamãe, também te amo muito, oro pela senhora todos os dias. – ela me manda um beijo e se vai.

Acordamos tarde, tomamos o café da manhã. Leio uma história para minha irmãzinha, sobre um garoto fraco que vence um gigante, o nome dele é Davi e do gigante era Golias, e ela me pergunta:

-          Será que nós somos o Davi dessa história?

-          Acho que sim. – sem ter muita certeza.

-          Então, vamos derrotar os homens maus, como Davi derrotou Golias? – pergunta toda empolgada.

-          Não sei, às vezes acho que Deus não olha para nós, acho que ele não se importa conosco. Mas, às vezes sinto como Davi, que tinha grande confiança em Deus, e talvez é por isso que ele venceu, quem sabe nós algum dia não vencemos aos homens maus.

-          Quem são os homens maus?

-          São todos aqueles que querem maltratar os outros, são aqueles que se importam só com si mesmo.

-          Os do governo são homens maus?

-          Depende, se eles quiserem nos ajudar não são, mas se quiserem fazer o que fizeram com o papai, ai eles são.

-          Então, como agente vai saber? -  pergunta completamente confusa.

-          Não tem como saber, por isso que é tão difícil, a minha armadilha é para todos que quiserem fazer o mal para nós.

-          Queria que não tivesse homens maus, que o nosso papai estivesse com agente, eu sinto tanto a falta dele, gostava tanto dele, às vezes sinto tanta vontade chorar. – fala com muita tristeza.

-          Eu também, mas um dia nós vamos ser felizes, Deus não nos fez para sofrer, não criou famílias para serem destruídas. – falo com convicção.

-          Não vejo a hora de ser feliz! – exclama com grande esperança.

-          Pense como fomos criados com todas as partes do nosso corpo, o que acontece se nós ficarmos sem a perna?

-          Agente vai cair. – responde como se fosse obvio.

-          Será que morremos? – perguntei.

-          Não. Aquele menino na escola não tem perna e esta vivo, só que anda com muletas.

-          É verdade, Deus nos criou com todos os membros e se faltar um, nós conseguimos viver, vamos ter dificuldades, não vamos morrer se perdermos uma perna, mas vamos ter dificuldade para andar. Eu li em um livro que no passado muito distante, um homem e acho que se chamava Jesus, e era o filho de Deus, curava as pessoas e até os aleijados ele fazia andar de novo. Agora pense, Deus criou o homem com todos os membros, perna, braço, cabeça e tudo mais, para vivermos bem. Agora te pergunto quem criou a família?

-          Não sei. – com o rosto de completa dúvida.

-          Pense um pouquinho.

-          É difícil. – tentando puxar pela memória.

-          Pense.

-          Deus? – chuta a resposta.

-          Isso. Foi Deus. Como é uma família? Quem são seus membros?

-          É fácil. Papai, mamãe e os filhinhos.

-          E se falta um deles?

-          É igual a um homem sem perna, fica mais difícil para andar, mas continua a viver, com a ajuda de uma muleta.

-          Isso mesmo. – respondi.

-          Então, nós somos esse homem sem perna que anda com dificuldade, o papai faz muita falta, eu me lembro que quando ele estava aqui a mamãe ficava mais conosco, ela contava historinha, brincava e até ajudava você nas lições de casa. – falou ela com grande saudade e tristeza.

-          Viu o papai faz muita falta, como estivéssemos aleijadas. Mas o que eu disse que aquele homem fez com as pessoas aleijadas?

-          Que ele curava os aleijados. E nós somos aleijados também, será que ele pode curar agente também? – pergunta como se tivesse uma luz no fim do túnel.

-          O que você acha?

-          Acho que não. – respondeu desapontada.

-          Por quê?

-          Curar uma perna é mais fácil, mas fazer o papai viver de novo acho muito difícil. – responde sem esperança nenhuma.

-          Mas, nesse livro diz que esse homem trouxe de volta a vida outras pessoas.

-          Trouxe mesmo? – pergunta voltando a empolgação.

-          Sim, lá diz que até um homem já tinha morrido alguns dias.

-          Tive uma idéia, genial. – Pulou da cama toda animada.

-          Qual é essa idéia? – fiquei curiosa.

-          Vamos procurar este homem e ele vai trazer de volta a vida do nosso papai. Será que ele mora longe daqui? Não importa, ando quanto for necessário para achá-lo. – fala toda empolgada e esperançosa.

-          Mas infelizmente, nesse livro diz que homens maus o mataram.

-          Esses homens maus, porque eles têm estragar tudo, eu queria que eles não existissem, que fossem todos jogados num buraco bem fundo para que eles nunca conseguissem sair. – ficou muito brava e nervosa.

-          Calma ele diz que Deus o trouxe de volta a vida e ele foi para o Céu.

-          Ufa!! Pensei que não tínhamos mais saídas, e como podemos chegar ao Céu?

-          Não sei, não consegui mais ler o livro, mas com certeza deve ter o caminho.

-          Como você sabe que é verdade? – pergunta duvidando.

-          Sabe sobre Davi e Golias eu li lá.

-          Como saber se realmente é a verdade? – Pergunta com ênfase.

-          Não sei, mas eu sei que temos que acreditar em algo melhor, que alguém bom olha por nós, não é possível que os homens maus vençam os homens bons, tudo que aprendi de Deus nos mostra que ele é justo e olha pelas pessoas boas.

-          É, nós somos as pessoas boas. – responde ela com um sorriso inocente.

Neste instante alguém bate na porta, ficamos com medo e perguntamos quem é?

-          É o seu Joval, abram.

Abri a porta e perguntei:

-          Pois não, seu Joval.

-          Não tenho uma boa noticia para vocês, sua mãe foi captura pelos insurgentes na plantação, e muito outros com ela, e estamos fugindo, porque eles vão vir para saquear o vilarejo. – fala amedrontado e olhando para todos os lados.

Meu coração disparou não sabia o que dizer, Nadia sai correndo para o quarto e começa a chorar, não sei o que fazer e pergunto:

-          Mas é seguro fugir, não temos carro e vamos ter que ir a pé, o Senhor não acha que quando eles chegarem aqui eles vão atrás de nós e vão nos pegar e nos matar?

-          Não sei o que é melhor, mas ficar aqui não é seguro. – responde ansioso e olhando para todos os lados.

-          Fugir também não é. Vamos ficar quem sabe eles indo a trás de vocês não destruam o vilarejo e nós sobrevivemos. – respondi muito brava.

-          Vocês que sabem, nós vamos. – quando se vira Dona Lana aparece.

-          Meninas vamos, é perigoso ficar aqui. – tenta me persuadir Dona Lana.

-          Acho mais perigoso ir com vocês, na estrada não tem aonde se proteger.

-          Estamos perdendo tempo, deixem elas ai. – disse seu Joval, puxando Dona Lana.

E foram embora, eu entrei e fui consolar minha irmãzinha:

-          Vamos nos defender, não vamos deixar que eles nos peguem, levanta.

-          Nossa mamãe, como vamos viver sem ela? – pergunta aos prantos.

-          Não sei, mas ela vai querer que lutemos e fiquemos bem, vamos nos proteger, e quem sabe ela não conseguiu fugir dos homens maus.

-          Será que ela conseguiu? Se ela conseguiu, nós também temos que fugir.

-          Então vamos nos proteger com as nossas armadilhas. – falei toda animada.

Começamos a montar a armadilha da porta da entrada, pegamos a armação de uma cobertura de lona, com muito sacrifício, e com muita dificuldade entramos com ela pela porta. A minha irmãzinha estava muito cansada, já que tínhamos demorado umas duas horas para colocar dentro da casa a armação:

- Vamos descansar, estou muito cansada. – disse minha irmãzinha quase sem fôlego.

- Pode ir, agora eu consigo fazer o resto sozinha.

- Vem descansar também, depois continuamos. – sugere ela.

- Não sabemos a hora que os insurgentes vão chegar, pode ser a qualquer hora, pelo menos essa armadilha tem que estar pronta para termos tempo para fugir, vai descansar, depois você me ajuda nas outras armadilhas.

Ela foi descansar, e eu fui colocar na armação 15 lanças, que fizemos de madeiras afiando a ponta delas, todas voltadas para porta. Fechei a porta e coloquei uma trava para que trancasse, prendi uma ponta da mola na porta e com muita força prendi a outra ponta na parede, quando alguém empurrasse a porta e estourasse a fechadura, a mola puxaria e a pessoa cairá nas lanças.

Deitei um pouco com a Nadia, já que estava muito cansada e acabei pegando no sono, à noite acordei assustada, Nadia já tinha levantado:

- Nadia, por que você não me acordou?

- Você estava muito cansada, e dormia igual um bebe, não tive coragem de te acordar, mas fica tranqüila que fiquei vigiando para quando os homens maus chegassem. – diz ela.

- Você não viu nada e nem ninguém?

- Não esta um silêncio só.

- Vamos fazer assim, temos que vigiar para que os homens maus não nos peguem dormindo e não conseguimos fugir. Como eu dormi agora à tarde eu vigio e você dorme e depois fazemos ao contrário, está bom?

- Mas, não estou com sono, parece que tem uma coisa dentro de mim, que me deixa querendo fazer as coisas. – explica ela.

- Você esta ansiosa, por causa de tudo o que esta acontecendo e por isso não tem sono.

Ficamos quase a noite toda acordadas, lendo livros e brincando, até que não agüentamos e dormimos de novo, acordei de manhã, levantei assustada e Nadia estava dormindo ainda, era umas 09:00h da manhã, olhei para fora estava tudo deserto, o vilarejo parecia fantasma. Só uma coisa eu tinha certeza, minha mãe não havia voltado do trabalho e realmente tinha sido pega pelos insurgentes, e isto me trazia muita angustia, não sabia que poderia acontecer comigo e com Nadia sem ela, era uma dúvida que eu tinha que guardar comigo, e não demonstra-las para Nadia, mas mostrar para ela que podíamos continuar vivendo. Nadia acorda e a primeira coisa que ela pergunta:

- E a mamãe cadê ela? Ela não conseguiu escapar deles? – estava muito aflita e quase chorando.

- Calma, você acha que a mamãe viria para o vilarejo sabendo que eles poderiam estar aqui? – tentei tranqüilizá-la.

- Ela não deixaria agente para trás. – fala com convicção.

- Clara que não, sabe por que ela não veio até aqui? – tento fazê-la raciocinar.

- Não sei – fala chorando.

- Não. Primeiro ela sabe que tem duas filhas inteligentes, segundo sabe que eles poderiam estar aqui e não adianta nada ela ter escapado a primeira vez e ser pega agora, e terceiro sabe que temos armadilhas e um plano para fugir. Sabe aquela cidade que papai nos levou daquela vez?

- Sei, que tomamos sorvete?

- Essa mesmo, é lá que vamos encontrar a mamãe.

- Por que, então não vamos agora? – fala levantando, como querendo já sair.

- Você é muito afobada, temos que esperar os insurgentes chegarem, senão não saberemos para que lado poderemos fugir.

- Como assim? – pergunta toda desconfiada.

- Vou te explicar, sem eles aqui não sabemos de que lado eles vêem, podemos estar fugindo para o lado deles e sermos pegas, e não conseguiremos mais ver a mamãe.

- Entendi, será que eles vão demorar.

- Não sei, mas vamos deixar mais ou menos as armadilhas prontas para quando eles chegarem. – sugiro.

Já é noite e começo a ficar preocupada, porque já não tínhamos nada para comer, penso em abrir a porta e ir às outras casas do vilarejo para ver se alguém não esqueceu algo de comer, quando olho pela janela vejo um vulto passando, ao tentar olhar de novo vejo outros vultos, com certeza eram eles. Meu coração dispara, apago a luz e corro para o quarto, faço sinal para minha irmãzinha para ficar em silencio e sussurro:

- Os homens maus estão aqui.

Levo-a até perto do guarda-roupa, monto a armadilha das flechas que atingem quem abrir a porta, sussurro de novo para ela:

- Vai para o túnel, e me espera, vai rápido.

Quando percebo que ela já entrou no túnel, entro no guarda-roupa, ouço homens gritando, espero um pouco, um grita como se tivesse autoridade:

- Arromba essa porta, e pega quem esta lá dentro, não temos tempo para fazer social.

Ouço o barulho do arrombamento e um grito muito forte de dor:

- Meu Deus é uma armadilha. – grita um.

- O que aconteceu, ai meu Deus, ele esta todo furado, tira ele daí. – ordena outro.

Ouço outro grito de muita dor e eles dizem:

- Esse já era esta morto.

Então me apresso e armo a armadilha do guarda roupa, vou para o túnel e armo a guilhotina,  quando entro os ouço dizendo:

- Desta vez usem a cabeça, um fica do lado esquerdo da porta, o outro do lado direito e o outro não usa o corpo para arrombar é chute, se preparem.

Ouço o barulho do arrombamento da porta e outros gritos de dor:

- Meu braço acertou o meu braço. – grita um.

- Meu Deus, acertou o Ruan bem no peito e Estevam entre os olhos. – Grita outro horrorizado.

- Atirem para dentro deste quarto quem estiver ai vai morrer. – ordena o que deve ser o líder.

Empurro a Nadia, passamos rápido pelo túnel e saiamos na mata, dou uma olhada não vejo ninguém, corremos para o esconderijo que tinha feito com a vegetação, que ficava do outro lado do vilarejo, passávamos com cuidado pelo caminho para não encontrarmos com eles, entramos no esconderijo e ficamos bem quietinhas, Nadia pergunta:

- Por que eles estão gritando tanto? – muito assustada.

- Não sei, eles são uns animais.

- Por que quando agente estava no túnel ouvi gritos de homens e pareciam que eles estavam com muita dor?

- É que nossa armadilha deu certo, pegamos alguns homens maus.

- Será que Deus vai nos perdoar, por termos machucado alguém, apesar de eles serem homens maus? - pergunta ela toda preocupada.

- Quem entrou em nossa casa sem permissão? – pergunto.

- Eles.

- Nós fomos atrás deles para machucá-los?

- Não.

- O que você acha que eles fariam se tivessem nos pegado?

- Eles iriam machucar agente. – fala se estremecendo toda.

- Agimos assim para nos defender, será que é errado nos defendermos, quando nos atacam?

- Não.

- Você acha que Deus é injusto?

- Não, quando você lia as historias sempre o mostrava do lado dos bons.

- O que nós somos?

- Pessoas boas.

- Será que Deus vai nos punir por isso?

- Não, eles que vieram nos machucar, acho que Deus esta do nosso lado.

Ficamos muito apreensivas até que chegou uma certa hora da noite que não agüentamos e dormimos. No dia seguinte de manhã, Nadia bate em mim e eu acordo assustada:

- Os homens maus. – com os olhos bem abertos e apontando para frente

Eles estavam examinando a vegetação para ver se não encontravam alguém, minha irmãzinha fica muito assustada:

- Vamos correr? – pergunta ela toda apavorada.

- Calma, vamos ficar aqui bem quietinhas até eles irem embora e pedimos a Deus que nos ajude.

Eles vêm chegando, cada vez mais perto, cutucando o mato com uma vara e na ponta um tipo de faquinha, e empunhando uma arma.

Vem chegando cada vez mais perto.

Posso sentir o corpinho de minha irmãzinha se estremecer todo, sinto o seu coraçãozinho bater acelerado, a abraço cada vez mais forte a cada passo do insurgente.

Vem chegando cada vez mais perto de onde nós estamos.

Até que ele coloca a vara perto de nós e empurra, ela passa apenas uns10 cmdo meu rosto, neste momento minha irmãzinha se estremece ainda mais, seu coração parece que vai sair pela boca, a abraço com intensidade e tampo com uma mão a sua boca para não gritar.

Ele puxa a vara e empurra de novo.

Desta vez esta bem em nossa direção, a abraço ainda mais forte a minha irmãzinha, o meu coração esta mil, quase não consigo respirar, a minha vontade é gritar bem alto, desce no meu rosto uma lagrima, peço em meu último pedido desesperado que Deus nos salve.