Leleca, a Pipa Sapeca

 

 

Leleca é uma pipa bonita, a mais bela das redondezas; seu papel é como seda, colorido de um azul mais vívido que o do céu, salpicado de bolinhas brancas, como pequenos tufos de algodão e suas varetas de bambu são bem aparadas e polidas levemente de verniz. Tem, ainda, uma linda rabiola, salteada de papéizinhos multicoloridos, longa como o véu de uma noiva.

 

Adora os domingos de sol e céu limpo, quando é empinada contra o vento e sobe ziguezagueando, como se estivesse dançando, sacundindo sua longa cauda colorida, até que o carretel não lhe dê mais linha. Aí, estanca de repente lá no alto, bem acima de todas as outras pipas, paradinha, sentindo apenas o frescor do vento, que lhe mantém soberana, altiva, como se observasse o mundo inteiro, as casas tão pequeninhas e as pessoas, parecendo formiguinhas.

 

Leleca ama isso. De vez quando vai para um lado, às vezes para o outro, bailando sob a imensidão do céu, quase que tocando as nuvens. Dá mergulhos profundos e, logo em seguida, uma guinada novamente para cima, subindo rapidamente até onde lhe permite a linha do carretel.

 

E permanece assim por horas, brincando de voar alto, mais alto que os pássaros, até que chega a hora de descer. À medida que a linha se enrola, Leleca vai perdendo altitude, desce lentamente até encontrar as mãos de seu dono, que recolhe a rabiola enroscando-a na pipa e a carrega com cuidado de volta à sua casa.

 

Leleca sempre esperava ansiosa pela próxima vez e que, quando chegasse o dia, houvesse sol e bastante vento; sabia que o sopro do ar a levava bem alto, sacudia sua rabiola e a fazia bailar no céu. Nada mais era importante: lá em cima Leleca era feliz.

 

Certo domingo, porém, algo estranho aconteceu. Ouviu a meninada comentar sobre um produto que, aplicado na linha da pipa, cortava as linhas das demais: o cerol, que era uma cola com minúsculos pedaços de vidro, aplicado por toda a extensão do carretel. E a criançada estava alvoroçada para testar a novidade!

 

 Haveria, agora, uma verdadeira batalha nos céus, pensou Leleca, contrariada.

 

Leleca não ficou de fora da nova moda e teve a sua linha banhada com aquela cola perigosa; mas ela não era boba, pois sabia que se podia cortar outra linha, também podia cortar gente, e Leleca não queria machucar ninguém.

 

E, naquele dia, mesmo com vento forte, Leleca teimava em não subir. Erguia-se um pouquinho, enroscava-se na rabiola e mergulhava em direção ao chão. Fez isso diversas vezes, sempre acompanhada das outras pipas, que logo perceberam o perigo daquele produto em suas linhas.

 

Naquele domingo, ninguém empinou suas pipas. A meninada, perplexa, retornou para suas casas e não houve diversão.

 

Leleca também estava triste. A brincadeira era muito mais divertida e menos perigosa antes do cerol.

 

No domingo seguinte, Leleca não estava animada. Mantinha o firme propósito de não subir enquanto não arrancassem da sua linha aquela coisa grudenta.

 

Mas a molecada também não era boba; perceberam que se nenhuma das pipas havia subido o motivo seria aquele novo produto e, então, trocaram todas as linhas banhadas em cerol por outras lisas, como eram antes.

 

Leleca, quando percebeu o que havia acontecido, foi a primeira a subir. Lépida, bailou rapidamente em direção ao azul do céu, mostrando a todas as outras que agora não haveria mais perigo. Todas a seguiram, formando um imenso feixe de cores a enfeitar aquele belo dia de domingo.

 

A meninada entendeu, então, que a verdadeira diversão estava em ver a pipa que voava mais alto, eleger a mais bonita ou mesmo a que fazia as manobras mais arrojadas. E Leleca, lá do alto, bem do alto, planava observando o mundo aqui embaixo, imaginando que não precisava cortar ninguém para ser feliz; estar ali já lhe bastava.

 

F I M