GÊNERO: UMA CATEGORIA ÚTIL PARA ANÁLISE HISTÓRICA. Joan Scott. Flávio Henrique da Silva No texto, “Gênero: uma categoria útil para análise histórica” Joan Scott inicia as abordagens referenciando as dificuldades encontradas para a utilização e o emprego gramatical da palavra gênero, apresenta assim diversas conturbações e implicações sobre esta terminologia que já se encontra há algum tempo no meio social. Referencia críticas sobre o caráter descritivo que essa terminologia é analisada, observando assim a necessidade de colocar tal terminologia com o caráter analítico de pesquisas. Menciona também, que bem recentemente alguns grupos feministas têm se esforçado para o emprego “correto” do termo gênero, “[...] as feministas começaram a utilizar a palavra “gênero” mais seriamente, no sentido mais literal, como uma maneira de referir-se à organização social da relação entre os sexos”( SCOTT.p.2)., As abordagens da autora sobre as relações de tratamento gramatical da palavra gênero indicam que há uma permanência nas estruturas sociais no que se refere a essa terminologia. Segundo a autora “Na gramática, gênero é compreendido como um meio de classificar fenômenos, um sistema de distinções socialmente acordado mais do que uma descrição objetiva de traços inerentes. Além disso, as classificações sugerem uma relação entre categorias que permite distinções ou agrupamentos separados (SCOTT.p.3)”. A utilização mais aprofundada do termo gênero se inicia com grupos feministas de norte americanas, a partir da necessidade conceitual que carecia estas abordagens. Indo assim em contraponto ao determinismo biológico que esse termo implicava como, por exemplo, a “diferença sexual” e as definições normativas da feminilidade. Partindo das necessidades conceituais de abordagens sobre gênero, alguns grupos feministas de norte americanas observaram a importância dos estudos de gênero para introduzir de forma relacional homens e mulheres nos vocabulários analíticos “segundo esta opinião, as mulheres e os homens eram definidos em termos recíprocos e nenhuma compreensão de qualquer um poderia existir de estudo inteiramente separado”, buscados assim a compreensão dos sexos e dos grupos de gênero no passado, abrindo assim para estudos que contribuam para análises mais profundas dos papeis sexuais e do simbolismo sexual em diversas sociedades. Além destes postulados sobre o tratamento da termologia de gênero os grupos feministas que defendiam as pesquisas sobre as mulheres acreditavam que as reformulações tanto que gramatical quanto da empregabilidade deste termo poderiam transformar fundamentalmente os paradigmas nas pesquisas sobre as mulheres, “As pesquisadoras feministas assinalaram muito cedo que o estudo das mulheres acrescentaria não só novos temas como também iria impor uma reavaliação crítica das premissas e critério do trabalho científico existente”(SCOTT p.3). Pois segundo elas deveria se ter uma redefinição das noções do que seria tradicionalmente importante nas pesquisas históricas Para que haja essa reconfiguração sobre o que é legitimo ou o que é legitimado nas pesquisas históricas, é fundamental tratar o conceito de gênero como categoria de análise nas pesquisas (e não apenas como categoria descritiva). Inserir o termo gênero na categoria de análise contribuiria de forma significativa para sua compreensão e para a reformulação no que hoje é chamado de uma “nova história das mulheres”. Entretanto, o que ocorre são uma utilização inapropriada nas análises históricas e um descompromisso por parte alguns pesquisadores, fazendo a utilização deste termo amparada em perspectivas que não conseguem dissociar o termo de limites descritivos acarretando assim um não rompimento com o que já foi evidenciando em diversas análises históricas sobre história das mulheres. A autora alerta que a formação dos pesquisadores também contribui para ficar no campo da descrição limitando assim a prática de campo a partir de uma teoria, neste caso o aprofundamento do conceito de gênero. “um desafio teórico exige a análise não só da relação entre experiências masculinas e femininas no passado, mas também a ligação entre história do passado e as práticas históricas atuais” (SCOTT. p.5), Continuando a discorrer sobre a continuidade das abordagens de gênero por parte de grupo de historiadores e alertando para o perigo de continuidade reprodutora do emprego conceitual de gênero, a autora menciona que: As abordagens utilizadas pela maioria dos (as) historiadores (as) se dividem em duas categorias distintas. A primeira é essencialmente descritiva, isto é, ela se refere à existência de fenômenos ou realidades sem interpretar, explicar ou atribuir uma causalidade. O segundo uso é de ordem casual, ele elabora teorias sobre a natureza dos fenômenos e das realidades, buscando entender com e porque aqueles tomam a forma que eles têm. (SCOTT, p. 6) A utilização de gênero nas pesquisas históricas ainda refere-se de forma descritiva, apresentando assim uma associação nos estudos e uma interligação na história entre homens e mulheres. A autora faz o seguinte alerta “no seu uso descritivo o termo” gênero” é, portanto um conceito associado ao estudo das coisas de relativas às mulheres”, essa associação entre gênero, como foi evidenciado não contribui para o rompimento de paradigmas deixando assim a pesquisa histórica nesse campo com o caráter de “mais do mesmo”, segundo Scott (p.8) “O gênero é um novo tema”., novo campo de pesquisas históricas, mas ele não tem força de análise suficiente para interrogar (e mudar) os paradigmas históricos existentes”. Também cabe ressaltar que alguns pesquisadores da área já haviam observado esses problemas e que levou a esforços teóricos conceituais sobre o termo gênero, sendo que alguns esforços se alinham a três perspectivas teóricas Segundo Scott. Os (as) historiadores (as) feministas utilizaram toda uma série de abordagens nas analises de gênero, mas estas podem ser resumidas em três posições teóricas, A primeira, um esforço inteiramente feminista que tenta explicar as origens do patriarcado. A segunda se situa no seio de uma tradição marxista e procura um compromisso com as críticas feministas. A terceira, fundamentalmente dividida entre pós- estruturalismo francês e as teorias anglo-americanas das relações de objeto, inspira-se nas várias escolas de psicanálise para explicar a produção e a reprodução da identidade de gênero do sujeito (SCOTT. p,9) Seguindo cada especificidade exigida por suas correntes teóricas os pesquisadores tentavam fazer “links” conceituais com o termo gênero, no entanto cada um contribuiu de forma substancial para as análises futuras desta terminologia. As teóricas do patriarcado tencionaram as suas pesquisas para a subordinação das mulheres perante aos homens tentando evidenciar assim um sistema de imposição cultural. As pesquisadoras marxistas orientaram suas pesquisas a partir de uma teoria da história, limitando-as, assim, na busca de uma explicação “material” para o gênero. Entretanto, é necessário ressaltar que existem “escolas” marxistas divergentes, de um lado tem a escola marxista em seu nível mais “maleável”, onde as abordagens não se limitam somente à perspectiva econômica e da divisão social do trabalho. Do outro lado se encontra a escola ortodoxa onde as perspectivas analíticas somente são vinculadas a divisão social do trabalho e o movimento histórico a partir das lutas de classe. Estes fatos evidentemente levam a debates sobre qualquer método de análise se sobrepõe ao outro acarretando assim limitações para o rompimento de quaisquer paradigmas no interior das pesquisas históricas que tomam esse rumo nas suas análises. Segundo a Scott (p 11) “no interior do marxismo, o conceito de gênero foi por muito tempo tratado como subproduto de estruturas econômicas mutantes: o gênero não tem tido o seu próprio estatuto de análise”. Já as pesquisadoras que ficaram entre o pós-estruturalismo e a psicanálise se direcionam para a constituição da identidade do sujeito e para o papel central da linguagem e da interpretação de gênero. Essas divergências teóricas conceituais entre os pesquisadores do termo gênero se apresentam como um empecilho no rompimento dos paradigmas nas análises históricas. A autora destaca que as preocupações em colocar o termo gênero enquanto categoria de análise só se evidenciam no final de século XX, no entanto não descarta as contribuições e as tentativas de se lograr um caminho para as pesquisas nesse sentido, apesar de toda sua “confusão teórica conceitual”. Em uma tentativa de se conceituar gênero a autora diz da seguinte forma “minha definição de gênero tem duas partes e várias subpartes. Elas são ligadas entre si, mas deveriam ser analiticamente distintas,” Scott (p. 21) define gênero da seguinte forma “[...] gênero é um elemento constitutivo de relações sociais baseado nas diferenças percebidas entre os sexos, e o gênero é uma forma primeira de significar as relações de poder [...]” No decorrer de sua obra, Joan Scott, apresenta as formas que a terminologia gênero é empregada e consolidada a partir das relações de poder, apresenta também críticas as formas descritivas que tal terminologia é analisada. Mostrando assim que trilhar uma definição consensual entre o que de fato é conceito de gênero é uma tarefa árdua e lenta, e que uma das saídas é colocar esse termo enquanto categoria de análise. Pois a partir desta postura perante o termo será possível romper com paradigmas de análises que impedem a perpetuação e consolidação deste termo. Referencias: SCOTT, Joan. Gênero: uma categoria útil de análise histórica. Educação & Realidade vol., 20, nº 2, 1995, p. 71-99.