FUNÇÃO SOCIAL DA PROPRIEDADE: Função Social da propriedade e as limitações ao direito de propriedade[1]

 

Yuri Rios[2]

Viviane Gomes de Brito[3]

 

 

 Sumário: Introdução; 1. A função social da propriedade como Fundamento do Estado Social. 2. Limitações ao Direito de Propriedade; 2.1. Classificação dos limites ao direito de propriedade; 3. Função Social da Propriedade Pública; Conclusão; Referências.                                                                                      

                                                                                                    

RESUMO

 

A pesquisa aborda de modo conciso um tema de fundamental importância na seara do Direito Civil Brasileiro: a Função Social da Propriedade. Uma nova concepção que nasceu com as chamadas constituições sociais, passando a incluir os chamados direitos sociais. Uma visão mais humana que tenta amenizar os flagelos de um capitalismo, os fossos sociais. Uma necessidade de tentar trazer para a sociedade, a dignidade humana aos excluídos. Daí rediscutir a propriedade não mais como um direito absoluto, mas como um direito fundamental. Assim ocorre uma relativização, um fim social que estabelece limitações ao direito dessa propriedade. Objetivando evitar abusos que podem provocar um desequilíbrio social e econômico.

 

 

Palavras-chave: Função Social; Propriedade Privada e Pública; Limitações do direito de Propriedade.

INTRODUÇÃO

 

O presente trabalho aborda as limitações ao direito de propriedade que está diretamente ligada à função social da mesma. Uma concepção que deu um caráter mais social a propriedade privada.

Influenciada pelas constituições dos Estados Sociais, trazemos para a análise alguns aspectos desse debate como: a função social da propriedade, como ocorre às limitações ao direito de propriedade na legislação brasileira, quais os instrumentos legais e como ocorrem as aplicações no caso concreto. E ainda não poderíamos deixar de abordar o tema de maneira constitucional. Além de estudarmos outros elementos de essencial importância que envolve o direito brasileiro referente às limitações ao direito de propriedade. 

1  A FUNÇÃO SOCIAL DA PROPRIEDADE COMO FUNDAMENTO DO ESTADO SOCIAL

O direito de propriedade, desde o início, foi concebido como direito absoluto, porquanto o proprietário da coisa sempre teve todos os atributos inerentes, como o usar, gozar, dispor e reivindicar. Esses atributos, ou pressupostos, fizeram com que seu titular agisse a seu bel prazer, a fim de garantir o domínio da coisa, não permitindo que terceiro dela se assenhoreasse. Uma concepção que se intensifica com o Liberalismo. Onde o conceito de propriedade passa a ter um sentido mais estrito, dando uma maior significação à acumulação desenfreada de bens. Uma absolutização do direito a propriedade. Algo que levou a uma ilimitada acumulação de propriedade e a produziu um desequilíbrio na sociedade, criando um estado de desigualdade social e econômico.

Neste contexto surgem as desigualdades sociais, consequentemente a discussão da função social como princípio norteador do ordenamento jurídico. Sendo que tal princípio vai influenciar as Constituições dos Estados Sociais.

Esse fenômeno da constitucionalização da função social influenciou significativamente a Constituição Brasileira de 1988. E o direito positivo brasileiro reconheceu a propriedade com um fim social. Atendo à cláusula geral constitucional da função social. Um mandamento de cunho finalístico, porquanto a garantia ao direito de propriedade não será possível, se o proprietário não reunir esforços, no sentido de que esta propriedade atenda à sua função social. Portanto função social se torna mola propulsora do direito à propriedade. Passando a existir no ordenamento jurídico como elemento apaziguador dos conflitos decorrentes da posse sem limites. É uma condição sine qua non, na medida em que, sem ela, não há lugar para se reconhecer o direito de propriedade.

A constitucionalização da função social da propriedade começa a impor a ideia de propriedade privada limitada pelo interesse público, cujo exercício do seu direito deveria ter uma função social. E consagra o dever de dar um fim social à propriedade visando uma existência digna, um bem-estar social, conforme os ditames da idealizada justiça social. Então a Constituição Brasileira de 1988 sofre influência e passa a adotar a função social como princípio norteador, trazendo esse princípio como fundamento das atividades econômica e social (art.5º,XXIII; art.170,III; 182,§2º,  e  186 da CF/88). Percebe-se assim que a doutrina da função social da propriedade está intimamente ligada às Constituições que consagram o bem-estar social. Desse modo, a função social é algo que deve permeia todo direito brasileiro:

Todo direito só pode ser legitimamente exercido de harmonia com a finalidade  para que ele é reconhecido  aos particulares, a  qual  é  sempre  e  necessariamente social [...] O exercício de um direito de modo contrário ao interesse geral é antijurídico e caracteriza o chamado abuso de direito. O Código Civil traduz bem  esta  ideia quando, no seu art. 187, declara que “ também comete ilícito o titular de um direito que, ao exercê-lo, excede manifestamente os limites impostos pelo seu fim econômico e social, pela boa-fé ou pelos bons costumes”. (NORONHA, 2010)

Quando se fala em função social da propriedade entende-se que o interesse do proprietário possa ser valorado, do ponto de vista social, como sério e útil, porque, se isso não acontecer à própria posse da coisa, será antijurídica.

              Sobre essa questão Tartuce reforça o discurso da finalidade social da propriedade:

[...]  pela concepção de um direito de propriedade relativizado, parece que constitui abuso de direito a situação em que o proprietário se excede no exercício de  qualquer um dos atributos decorrentes do domínio, de forma a causar prejuízo a outrem, por exemplo, no caso de danos ambientais e ecológicos. (TARTUCE, 2011, p.351)

2  LIMITAÇÕES AO DIREITO DE PROPRIEDADE

 

O interesse da coletividade, o bem comum, constitui limite á realização dos interesses individuais, subjetivos. Concepção que está vinculada e faz parte da essência da função social da propriedade. Que busca sua concretização através dos instrumentos legais sua aplicação.

Sem dúvida, um dos conceitos que mais evoluiu no Direito Privado é o direito de propriedade que ganhou nova roupagem com o Código de 2002.  O art. 1.228 repete o que estava previsto no art. 524 do CC/16. Que continuam a dar ao proprietário o direito de usar, gozar, dispor e reaver. Atributos que caracterizam a propriedade plena, mas esses elementos encontram limitações na própria legislação civil. Que deixa evidente que a propriedade deve ser limitada pelos direitos sociais e coletivos.

Algo que já era observado pelos romanos e pela teoria clássica e que se intensificou após as revoluções populares históricas que provocou uma maior restrição à concepção de propriedade.

  Diante disso, verificamos como o Supremo Tribunal Federal afirmou em relação à função social da propriedade:

O direito de propriedade não se reveste de caráter absoluto, eis que, sobre ele,  pesa  grave hipoteca social, a significar que, descumprida a função social que  lhe  é  inerente (CF, art. 5º, XXIII), legitimar-se-á a  intervenção  estatal  na  esfera  dominial privada,  observados, contudo, para esse efeito, os limites, as formas  e  os procedimentos fixados na própria Constituição da República.  O acesso  à  terra,  a solução dos conflitos sociais, o aproveitamento racional e adequado do imóvel rural, a utilização apropriada dos recursos naturais disponíveis e a preservação  do  meio  ambiente constituem elementos  de realização  da função  social  da  propriedade   (STF, ADIN 2.213-MC, Rel. Min. Celso de Mello, DJ 23.04.2004).

             

O Código Civil de 2002, como o código anterior, trouxe limitações para a utilização da propriedade, principalmente em relação ao imóvel, que traz previsão do direito de vizinhança que são regras relacionadas com o mau uso da propriedade, dispondo sobre árvores limítrofes, passagem forçada,  as águas e os limites entre prédios.

Outras limitações surgiram, como as previstas nas normas administrativas, que tem planejamento referente à utilização do solo urbano. Além deste, temos o Estatuto da Cidade implantado pela Lei 10.257/01 com grande importância para organização das cidades, regulando algumas limitações de cunho civil e administrativo. E o Direito Ambiental que trouxe outras limitações importantíssimas, relevantes para restringir o direito de propriedade. Essas restrições são impostas para que esse mesmo direito possa continuar a existir. Sem as restrições iria imperar o absurdo, o excesso, o direito absoluto e ilimitado invocado uns contra os outros que provocaria o aniquilamento dessa forma de direito. Daí, relembramos a célebre afirmação: “o nosso direito vai até onde começa o de nosso semelhante”.

 Antunes Varela observa que o nosso Código Civil em seu art.1.229 dispõe sobre os limites materiais da propriedade imóvel colocando o critério da utilidade real acima do princípio do poder ilimitado ou arbitrário. Sendo que atos praticados que não levam em consideração a coletividade, que afete o bem estar social constitui evidentemente um exercício irregular do direito de propriedade.

O direito brasileiro não aprova os atos emulativos, visto que no art.1.227 do CC/02 reprime o uso nocivo ou abusivo da propriedade ao proibir condutas do proprietário que prejudiquem a segurança, a paz pública ou a saúde do outro, ainda que estes atos venham atender aos interesses de quem os pratica. Assim quem exceder a normalidade pode ser demandado por meio de ação judicial apropriada.

As limitações estão relacionadas à relativização do direito de propriedade. Estas vão além dos direitos de vizinhança. Segundo Luciana de Camargo Penteado, o termo limitação à propriedade não é adequado. E demonstra três categorias fundamentais: as limitações, as restrições e os limites à propriedade. Concebendo assim a expressão limitação como gênero (limitação lato sensu) que engloba três categorias. Mas há diversas categorias dadas pelos doutrinadores.

Até aqui falamos em limitações e não podemos esquecer que estas se diferenciam das restrições. Luciana Penteado afirma que a diferença entre ambas estaria em sua origem. “Enquanto as limitações decorreriam da lei, as restrições decorreriam dos negócios jurídicos.” Ela até exemplifica  restrições como:  os pactos obrigacionais registrados em imóveis (de não concorrência, cláusula de vigência de locação), os termos livremente convencionados entre condôminos e que integram a convenção condominial e outros. (PENTEADO, 2008, p. 169).

2.1 Classificação das limitações ao direito de propriedade

           

Segundo Penteado (2008, p.168), as limitações tratam-se de um conjunto complexo de deveres, sujeições, responsabilidades, ônus ou meras compreensões da esfera de atuação do domínio que decorrem da lei.

Maria Helena Diniz tenta abordar o tema de forma mais simples e divide-as em seis categorias:

a) Limitações  Constitucionais,  tais como:  desapropriações  por  necessidade  ou utilidade de públicas  e  interesse  social  (art. 5º, XXV, da CF);  jazidas,  minas  e demais recursos minerais (art. 176 da CF);desapropriação de imóvel rural para fins de reforma agrária (art. 184); b)Restrições administrativas, tais  como: proteção  ao patrimônio histórico e artístico nacional; leis edilícias que limitam o direito à construção; leis de zoneamento, etc; c)Restrições de natureza militar, como por  exemplo: requisição de bens móveis e imóveis necessários às forças armadas e à defesa da população (Decreto – lei nº 5.451/43; restrições às transações de imóveis nas faixas de fronteira (Decreto  – lei nº 6.430/44), etc; d) Restrições destinadas a proteger a lavoura, comércio  ou  a  indústria; e) Limitações decorrentes das  leis eleitorais, tais como: requisições de prédios para locais de votação, etc; f) Limitações baseadas no interesse privado, tais como:  direitos  de  vizinhança;  restrições quanto ao uso da propriedade (arts. 186 e 188 do Código Civil); limitações similares às servidões; passagem forçada; passagem de cabos e tubulações (art. 1.286 do Código Civil); águas;  limites  entre  prédios;  direito  de  tapagem  (art. 1.297  do Código Civil) e; direito de construir (DINIZ, 2002, p. 216-217)                

Enquanto que para outros estudiosos como Rita Cunha (2008) as limitações ao direito de propriedade existentes em nosso sistema jurídico seriam de três espécies: a restrição, que limitaria o caráter absoluto da propriedade privada; a servidão, que limitaria exclusivo e a desapropriação, que limitaria o caráter perpétuo.    

Para Luciana Penteado (2008, p. 221) estas ainda podem ser gerais ou especiais de acordo com o grau de abstração que tiverem. Podem ser geradoras de obrigações de fazer ou de não fazer. Quanto ao objetivo podem ser culturais, de segurança e defesa nacionais, fiscais, econômicas, ambientais, de urbanização, de circulação, de segurança e higiene. “A atuação dos órgãos sancionadores, pode levar à extinção do direito real, representar mera sujeição a poderes da administração, ou ainda implicar atuações de outra natureza, como é o caso das multas pecuniárias por utilização indevida da propriedade, no exemplo tradicional das multas de trânsito”.

Através da análise de vários trabalhos percebemos que não há classificação pacífica na doutrina em relação às limitações ao direito de propriedade.  Mas para facilitar o entendimento alguns preferem dividi-la por conveniência em Limitações de Direito Público e Limitações de Direito Privado.  Então abordaremos as mais relevantes diante dessa complexa questão:

2.1.1 Limitações de Direito Privado

a)      Direito de vizinhança

           

Limitações que são impostas por normas jurídicas ao proprietário com o objetivo de conciliar interesses e reduzir os poderes inerentes ao domínio, regulando assim a convivência social. A doutrina clássica traz os direitos de vizinhança como uma das primeiras limitações ao direito de propriedade. O nosso Código traz uma série de normas que interferem e  regulam a convivência entre possuidores de propriedades. Como exemplo podemos verificar o que diz o art. 1277 e seguintes:

Art. 1.277. O proprietário ou o possuidor de um prédio tem o direito de fazer cessar as interferências prejudiciais à segurança, ao sossego e à saúde dos que o habitam, provocadas pela utilização de propriedade vizinha. Parágrafo único: Proíbem-se as interferências considerando-se a natureza  da  utilização,  a  localização  do prédio, atendidas as normas que  distribuem as edificações em zonas, e os  limites ordinários de tolerância dos moradores da vizinhança.

Percebemos pela leitura e interpretação dos dispositivos que O Código Civil objetiva que a propriedade cumpra sua função social e para atingir essa finalidade traz mecanismos para que esta venha se concretizar. E estabelece que a aplicação das leis deva atender a fins sociais, de acordo com as exigências do bem comum (art.5º, CC/02).

Para Sílvio Venosa (2010) as limitações à propriedade decorrentes dos direitos de vizinhança estariam entre direitos pessoais e os direitos reais. “Isso porque é necessário que um vizinho pratique atos que exerçam efeitos no imóvel de outro, pressupondo a existência de direito real e o surgimento de relação obrigacional (geralmente regida pelo instituto da responsabilidade extracontratual)”.

b)     Condomínio

 

A existência de propriedade em condomínio é também um exemplo de limitação, pois restringe o uso pelo seu titular, e a disposição. As limitações seriam as disposições previstas em lei que interferem nas faculdades inerentes ao direito de propriedade (art. 1314 e ss, CC/02).

Além dessas, podem ser criadas também restrições ao direito de propriedade, por atos de vontade, como por exemplo, através de Convenção Condominial e Regimentos Internos.

 

2.1.2        Limitações de Direito Público

a)      Limitações de direito ambiental

 

Uma das limitações referentes ao direito público são as limitações relativas ao Direito Ambiental que são, ao mesmo tempo, limitações de Direito Público e de Direito Privado. Essas abrangem diversas áreas da nossa vida. E algumas mais importantes serão citadas, como as referentes ao: 1) Patrimônio histórico-cultural (tombamento), que abrange: documentos, obras e locais de valor histórico, os monumentos e as paisagens naturais, obras, riquezas culturais e artísticas; 2) As servidões em terrenos lindeiros às jazidas (Código de Minas); 3) A preservação da flora e fauna (Código Florestal e Caça e Pesca); 4) A observância das normas jurídicas referentes ao zoneamento; 5) A observância das normas jurídicas referentes ao urbanismo; 6) As restrições de emissão de gases e de produtos químicos na atmosfera e nas águas, para proteção do meio ambiente.

As disposições referentes ao Direito ambiental são normas de ordem pública, que subordinam toda a sociedade, e regula especialmente os atos referentes ao uso do meio ambiente, tentando evitar abusos. É uma legislação especial que administra as relações do ser humano com o meio em que vive, seja ele urbano ou rural.

  b) Limitações de Direito Administrativo:

 

Ferreira de Faria define a limitação administrativa  como é meio de intervenção estatal na propriedade privada e nas ações particulares. Intervenção legitimada pela soberania que o Estado tem de intervir e zelar pelo bem-estar social (2001, p. 411).

Estas se diferenciam das restrições das anteriores, pois são de natureza mais geral. Enquanto as restrições administrativas visam à qualidade de vida nas cidades e no meio rural, as limitações privadas se destinam a pessoas ou imóveis de forma mais individual. Impõem obrigações de sentido geral a proprietários indeterminados, em benefício do interesse coletivo, atingindo as faculdades inerentes ao direito de propriedade.

Essas limitações apesar de serem denominadas de administrativas, podem ser estabelecidas por normas de caráter constitucional, eleitoral, penal, mas pelo fato de caber à Administração Pública o dever da limitação, essa classificação seria justificada (Maria Sylvia Zanella di Pietro, 2001).

Algumas modalidades dessa intervenção estatal são: as limitações administrativas, a ocupação temporária, o tombamento, a requisição, a servidão administrativa, a desapropriação e o parcelamento e edificação compulsórios.

c) Limites penais

           

O proprietário não pode se utilizar da coisa como instrumento para a prática de crime. Caso haja abusos, o proprietário perde a coisa e de bens porventura recebidos provenientes da atuação criminosa.  Senise Lisboa (2005, p. 254)

Percebemos assim a existência de limitações penais ao direito de propriedade. Um bom exemplo é a Lei 9.605/98 que dispõe sobre sanções administrativas e penais para punir condutas e atividades abusivas. Há uma instrumentalização da esfera jurídica em todos os ramos do direito para tentar concretizar a função social.

d) Outros tipos de limitações

A complexidade da sociedade de se torna cadê vez maior é algo que desperta para que haja mais leis especificas instituídas para limitar e melhorar o direito de propriedade.

3  FUNÇÃO SOCIAL DA PROPRIEDADE PÚBLICA

           

Até agora, abordou-se os fundamentos da função social e limitações do direito à propriedade (limitações estas direcionadas ao direito de propriedade pública e privada).

O presente capítulo visa acentuar as divergências existentes acerca da função social da propriedade pública. Será que é possível falar em função social da propriedade pública? É uma indagação comum de se dizer, uma vez que a propriedade pública é um bem do estado e sua principal finalidade é atingir o interesse social. Então, por que falar em função social da propriedade pública se aquela já está implícita na própria propriedade pública? Muitos dizem que a propriedade pública é uma função social. Daí, as divergências doutrinárias, pois uns defendem haver tal função, outros não, ditando enfraquecer, diminuir o regime público.

A doutrina da função social partiu do direito à propriedade privada, uma vez que o estado quis atribuir o aspecto social ao individualismo do proprietário. Na propriedade pública tal aspecto já existe, pois são bens de domínio das pessoas jurídicas de direito público (DI PIETRO, 2006. p. 2).

Para a professora Maria Sylvia Di Pietro, é possível sim compatibilizar a função social com a propriedade privada. Em sua defesa, afirma que a nossa Constituição adota expressamente a função social da propriedade privada e implicitamente, a da propriedade pública. Por isso sua definição se dá por meio de diretrizes a serem observadas pelo poder público. Em relação à propriedade privada, tal função é um dever de utilização do patrimônio imposto ao proprietário, protegendo o interesse coletivo e um dever ao poder público, criando direito de natureza coletiva aos cidadãos (DI PIETRO, 2006. p. 3). Falar nesse “dever” da função social significa dizer que o poder público tem o dever de disciplinar, fiscalizar e reprimir as infrações contra a utilização dos bens públicos, garantindo uma cidade sustentável  (DI PIETRO, 2006. p. 6).

A utilização do bem público se dá de forma conjugada entre o uso comum do povo (por exemplo: reconhecimento da liberdade de circular rua, praias,...) e o uso privativo (particulares com diferentes finalidades). A ampliação da função pública à utilização privativa se destina ao uso da Administração para consecução de seus fins, mas desde que não prejudique o fim principal que o bem se destina. Se a ampliação dessa liberdade trouxer utilidade à população, não há o que se negar à Administração que detém o domínio público. [4] Um exemplo poderia ser o uso da água pública, podendo ser utilizada ao uso comum (navegação, pesca,...), ao uso privativo (destinada a fins agrícolas/industriais) e a execuções de serviços públicos como a produção de energia ou abastecimento à população. [5] O poder público pode tanto restringir como ampliar o uso dos bens públicos. Quando se restringe, o estado exerce poder de polícia sobre o patrimônio (impondo regras sobre a circulação, tráfego,...) e quando se amplia, o poder público exerce a função social da propriedade pública, cumprindo com o dever de garantir a utilização dos bens públicos. Essa ampliação tem a finalidade de atender o interesse social de forma mais ampla possível. A discricionariedade da ampliação das modalidades do uso privativo é limitada expressamente em lei, considerando o uso privativo compatível com a destinação principal do bem e o interesse público (DI PIETRO, 2006. p.8).

A professora Nilma de Castro Abe defende a “Inaplicabilidade da função social da propriedade privada à propriedade pública”. Tal função surgiu do direito privado, tendo como pressuposto, a noção de que o titular privado é o administrador e beneficiário do direito da coisa. Afirma que a função social deve ser atendida por todos os particulares e não pelo Estado, pois as sanções jurídicas em caso de descumprimento são imputáveis apenas aos particulares, sendo inadequado punir os entes públicos – devido à inaplicabilidade jurídica de tais sanções contra o Poder Público. Os entes públicos se veem obrigados a cumprir a Constituição Federal e a legislação infraconstitucional que prevê inúmeros usos de interesse público (ABE, 2008, p. 9 - 14). Para Nilma de Castro (2008, p. 15), afastar a função social dos bens públicos não necessariamente significaria que o poder público não tenha dever jurídico em relação ao seu Patrimônio Público. Essa função é um dever jurídico imposta apenas ao proprietário particular, de acordo com o texto constitucional. Não permite ampliação para se chegar na propriedade pública pela inexistência de um regime jurídico unívoco de propriedade pública equivalente ao da propriedade privada, pela impossibilidade do uso exclusivo pelo particular da propriedade pública, pela vinculação do poder público ao cumprimento dos diversos deveres de gestão de seus bens decorrentes de diversas normas que não buscam fundamentos direta/indireta na função social, dentre outros.

 

 

CONCLUSÃO

 

As limitações em geral estão relacionadas a abuso de direito, a má utilização que acaba atingindo outros membros da sociedade. Daí vem a função social como princípio limitador. Que para se concretizar necessita do Estado como Instrumentalizar e aplicador de normas jurídicas voltadas para a limitação do desse direito.

Neste raciocínio destacamos o que diz o art. 1228 do nosso código civil: “o direito de propriedade deve ser exercido  em consonância com as finalidades econômicas e sociais e de modo belezas naturais, o equilíbrio ecológico e o patrimônio histórico, artístico, bem como evitada a poluição do ar e das águas”. Esta é uma demonstração dos contornos, limites que o Estado impõe  contra o mal uso.

Assim com a função social da propriedade, o direito fundamental de propriedade se restringe ao valor econômico e social. Uma vez que a manutenção do bem é determinada pela forma como o proprietário utiliza.

Para facilitar a compreensão destacamos algumas espécies limitações: de Direito Público (Ambiental, Penal e Administrativo), de Direito Privado estudo. Dentre as relacionadas ao Direito Privado, foram estudas a função social da propriedade que está  estabelecida na Constituição e no Código Civil; os direitos de vizinhança, O condomínio. Em relação às limitações de Direito Público, vimos a questão ambiental, e falamos de forma concisa da necessidade dos limites penais (vedação de se utilizar da propriedade para o cometimento de condutas criminosas).

Buscamos os fundamentos na Constituição, no Código Civil e na doutrina  e concluímos que os limites impostos contra o mal uso da propriedade, são mecanismos que cooperam para a construção de uma sociedade mais justa. São necessários para evitar um conflito maior dentro do sistema capitalista (que tem por essência provocar desigualdades). 

Limitações que tem o objetivo de promover o bem estar social, diminuir os conflitos e visa uma dignidade humana mais concreta.

A propriedade não significa mais um ilimitado ius utendi, fruendi et abutendi, nem se reconduz a uma função pessoal. Para Madalena Teixeira este é: um instrumento de realização de uma complexa e poliédrica função social, ressumando, da cópia de limitações que antecede, importantes concretizações de uma nova concepção do direito de propriedade. (MADALENA TEIXEIRA, 2011)

O legislador brasileiro dotou o Código Civil de uma notável qualidade, qual seja: a busca da função social de seus institutos. Limitou-se a propriedade, assim como qualquer outro direito, na medida em que se busca dar um sentido coletivo à sua tutela.

O controle social exercido pelo Estado, consistente na fixação de  limites  ao  direito de propriedade.  Antes esse direito era  amplo, quase que absoluto, pelo que suas  limitações  somente poderiam aparecer ao longo dos  demais artigos, de maneira esparsa.  Mas esta concepção evoluiu e hoje parece haver uma a  conscientização  da  necessidade de   uma  sociedade  mais  justa  que deve visar o bem comum  surgem várias  limitações  de  cunho  social.  Fruto de mudanças e lutas políticas. O texto constitucional busca uma ideal cooperação entre  o  Estado  e  a  sociedade. Onde a sociedade civil organizada deve participar  da  formulação,  implantação  e  da  gestão  de  políticas públicas que visem combater a exclusão social e econômica. Onde todos em conjunto devem se responsabilizar pela efetiva aplicação das leis que disciplinam a limitação da propriedade: Se a legislação, constitucional e infraconstitucional, disciplina e limita a propriedade à satisfação de fins socioambientais, numa crescente configuração de uma teoria das limitações, necessário que a Coletividade corresponsabilize-se pela implementação e consolidação dos institutos jurídico-políticos já existentes, estimulando uma ordem cidadã, onde os direitos e garantias transindividuais, dos quais o direito ambiental faz parte, (re) concilie propriedade, desenvolvimento e conservação de recursos naturais. Assim, consolidar-se-á a evolução do direito de propriedade rumo aos fins sociais, assegurando a plena eficácia das limitações impostas pela legislação em vigor. (FERREIRA, 2008)

A Constituição de 1988 reforça o compromisso com os direitos fundamentais. E amplia sua proteção em relação aos direitos sociais. Constitucionalizando a função social e colaborando com a construção de um Estado Social.

As normas da Constituição dispõem sobre a função social da propriedade possui aplicabilidade imediata, pois tem plena eficácia, porque interfere com a estrutura e o conceito da propriedade, valendo como regra que fundamenta um novo regime jurídico desta, transformando numa instituição de direito público, especialmente, ainda que nem a doutrina nem a jurisprudência tenham percebido o seu alcance, nem lhe dado aplicação adequada, como se nada tivesse mudado. Entretanto, os princípios esculpidos na Lei Maior precisam materializar-se de modo mais consistente no direito positivo. Apesar de a Constituição Federal ter adotado a função social da propriedade, é preciso que os nossos político, legisladores e operadores do direito procurem meios mais  de efetivar a mesma.

Cabe ao princípio da função social, enfim, dar a estabilidade necessária à propriedade privada, tutelando sua integridade jurídica e procurando tornar sua existência sensível ao impacto social do exercício dos poderes concedidos ao titular do domínio. A função social da propriedade informa, direciona, instrui e determina o modo de concreção jurídica de todo e qualquer princípio e regra jurídica, constitucional ou infraconstitucional, relacionada à instituição jurídica da propriedade.

Nesta pesquisa não foi suficiente para mostrarmos a função social em sua amplitude, mas conseguimos perceber que o projeto ou progresso civilizatório tão almejado depende do aperfeiçoamento e da efetividade de um ordenamento jurídico de inclusão social.

 


 

REFERÊNCIAS

 

 

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 FERREIRA, Fábio Félix. Limites ao direito de propriedade: possibilidades de conservação dos recursos naturais. Disponível em:  http://www.datavenia.net/artigos/1999/ferreira.html. Acesso em 30/09/2012.

DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Função Social da Propriedade Pública. Revista Eletrônica de Direito de Estado, Salvador, Instituto de Direito Público da Bahia, nº 6, abril/maio/junho, 2006. Disponível em: <http://www.direitodoestado.com.br>. Acesso em 30 de set de 2012.

GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito civil brasileiro. Volume V: direito das coisas. São Paulo: Saraiva 2006.

PENTEADO, Luciano de Camargo. Direito das Coisas. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2008.

TEIXEIRA, Madalena. As limitações ao Direito de propriedade de bens imóveis no Direito Português. Revista de Direito Imobiliário: RDI.  vol. 71, ano 34. Coord. Luciano Passarelli e Marcelo de Melo. Ed. Revista dos Tribunais. São Paulo, 2011.



[1] Paper apresentado à disciplina de Direitos Reais, da Unidade de Ensino Superior – UNDB.

[2] Acadêmicos do 5º período de Direito noturno da UNDB.

[3] Professora, orientadora.

[4] DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Função Social da Propriedade Pública. Revista Eletrônica de Direito de Estado, Salvador, Instituto de Direito Público da Bahia, nº 6, abril/maio/junho, 2006. Disponível em: <http://www.direitodoestado.com.br>. Acesso em 30 de set de 2012, p. 6.

[5] Idem.