Aspectos psicológicos e jurídicos acerca do filme Divertida Mente

Por Vitor Hugo Jales do Nascimento | 03/04/2024 | Direito

ANDRESSA SAMPAIO MOTA

DANIEL PEREIRA ARAÚJO DE BRITO CARDOSO

DAVI SILVA MOURA

ELAINE VIEIRA PEREIRA

LUIZ ANÍZIO FARIAS FILHO

VITOR HUGO JALES DO NASCIMENTO



 

APECTOS PSICOLÓGICOS E JURÍDICOS ACERCA DO FILME DIVERTIDA MENTE



 

Trabalho apresentado como requisito parcial para aprovação na disciplina Psicologia Geral e Jurídica, do curso de Direito, da Universidade Federal do Ceará.

 

Professora Dra.: Márcia Correia Chagas

FORTALEZA

2021

 

1. INTRODUÇÃO

 

O filme “Divertida Mente”, de 2015, é uma animação das empresas Disney e Pixar, dirigido por Pete Docter, e que contou com o auxílio de Paul Ekman para sua produção, sendo este um dos psicólogos mais importantes hoje na área de estudo das emoções. Ekman é consagrado devido a sua descoberta das microexpressões, as quais são expressões faciais involuntárias, quase imperceptíveis, que, entretanto, passaram a ser muito mais estudadas por agências, como a CIA, a fim de desvendar mentiras em testemunhos. Esse psicólogo também é fonte de referência para figuras públicas famosas no Brasil, como o dono do canal do Youtube “Metaforando”, o qual utiliza dos estudos e das contribuições de Ekman para analisar as microexpressões em diversas situações que viralizam no meio digital, chegando a, inclusive, produzir um vídeo chamado “EMOÇÕES são mesmo assim?” em 2018, no qual compara o papel das emoções no filme “Divertida mente” e na vida real.

 

Seguindo justamente essa área de estudo das emoções como temática principal, a obra traz grandes ensinamentos sobre inteligência emocional e crescimento psicológico durante a vida. A inspiração para o filme surgiu da própria experiência de vida de Pete Docter, que viu a filha passar por uma mudança de comportamento dramática, na qual ficou mais introspectiva e quieta, como explicou o diretor em entrevista ao Metro World News, em 2015. Diante disso, é numa tentativa de entender a mente da filha que ele cria a Riley, uma garota de 11 anos, que, após mudar-se para São Francisco com os pais, vivencia vários acontecimentos que a desapontam, como a decepção com a casa nova, bem diferente da antiga casa na qual morava, que era espaçosa e cercada pela natureza; a experiência traumatizante no primeiro dia de aula na escola, em que acabou chorando em frente de toda a turma ao se lembrar da cidade natal; entre outros acontecimentos. São essas decepções que a fazem ficar mais introspectiva e cabisbaixa, assim como a filha de Docter.

 

A história se passa, majoritariamente, dentro da mente da Riley, onde as personagens Alegria, Tristeza, Nojinho, Medo e Raiva controlam as memórias da menina dentro da central de comando, que consiste em uma sala onde vivem e trabalham as emoções. No consciente da mente ficam localizadas as memórias bases, memórias de curto prazo, o labirinto das memórias

de longo prazo1 e as ilhas da personalidade2, por exemplo. Apesar de alguns desses elementos apresentados no filme, como o labirinto das memórias de longo prazo, não existirem na vida real, eles têm uma função didática muito importante no entendimento da narrativa e do estudo das emoções.

 

Além dos elementos já falados, outros, que também são mostrados no filme, merecem ser ressaltados, como os amigos imaginários, representados pelo Bing Bong, o amigo imaginário da Riley até os seis anos de idade; os trabalhadores do “serviços do esquecimento”, que têm a função de descartar memórias inúteis no lixão da memória; e o subconsciente, o qual é retratado na obra como um lugar onde são guardadas todas as lembranças ruins e traumatizantes da menina, apresentação essa que não é verossímil à realidade, pois o subconsciente, na verdade, armazena também muitas memórias felizes, além de informações importantes para o cotidiano, como números telefônicos e endereços.

 

Destaca-se o papel do personagem Bing Bong na narrativa, pois é com a ajuda dele que a Alegria e a Tristeza, após terem saído acidentalmente da central de comando, conseguem voltar a essa central e recuperar o controle sob a atividade emocional cotidiana da Riley. Os três enfrentam diversos desafios e passam por diversos lugares da mente da menina até que as duas emoções consigam voltar à central. Isso só foi possível com o sacrifício de Bing Bong, que, assim como muitos outros amigos imaginários, tinha o sonho de voltar a ser lembrado, porém, acabou sendo esquecido eternamente no lixão das memórias ao precisar empurrar Alegria novamente para o labirinto das memórias de longo prazo.

 

O filme “Divertida Mente”, apesar de ter como público-alvo, principalmente, crianças, traz diversas lições de vida e conhecimentos sobre psicologia também para adolescentes e adultos, podendo ser facilmente relacionado a conteúdos acadêmicos. Nessa perspectiva psicológica do filme, pode-se extrair conceitos e temas da psicologia jurídica, como o funcionamento das funções mentais superiores e os impactos da formação da personalidade na





 

1 Espaço do consciente, mostrado no filme, onde são armazenadas milhares de memórias de longo prazo em grandes paredes com várias fileiras.

2 As ilhas da personalidade são espaços da mente da Riley onde se localizam importantes características de sua personalidade. Durante a infância, a menina possui a ilha do hóquei, seu esporte favorito; a ilha da família; a ilha da honestidade; a ilha da bobeira, detentora do aspecto brincalhão da garotinha; e a ilha da amizade. Porém, esses espaços não são constantes, por isso, durante o processo de amadurecimento da menina, essas ilhas vão sendo substituídas por outras.

prática e na investigação de crimes, os quais serão detalhadamente abordados a seguir nesta dissertação.

 

2. OBJETIVOS

 

Os objetivos que orientam o estudo deste trabalho são:

 

2.1. OBJETIVO GERAL

 

O trabalho em questão tem o objetivo central de analisar, à luz de conceitos científicos, os principais acontecimentos observados no filme “Divertida Mente” e associá-los, de maneira concisa, aos assuntos abordados durante a disciplina de Psicologia Geral e Jurídica, associando às informações depreendidas e aplicando-as aos fenômenos concernentes à emoção.

 

2.2. OBJETIVOS ESPECÍFICOS

 

  • Analisar o comportamento das personagens da obra e relacioná-las ao estudo das emoções na realidade e à formação da personalidade.

  • Estabelecer uma relação entre os acontecimentos e suas motivações na obra e fatos da vida real.

  • Vincular os aspectos jurídicos depreendidos do filme às matérias estudadas na Psicologia Jurídica.

 

3. JUSTIFICATIVA

 

Entender e identificar os principais aspectos comportamentais estudados no âmbito da psicologia é de fundamental importância no exercício do Direito, influindo, de maneira significativa, nas decisões. O filme, apesar de não ter a psicologia sob a perspectiva jurídica como tema central, permite a compreensão de questões comportamentais cuja indubitável importância de discuti-las contempla diversas características da vida em sociedade.

 

4. METODOLOGIA

 

Utiliza-se, como metodologia de pesquisa bibliográfica para a presente análise fílmica de “Divertida Mente”, sob a luz dos conceitos psicológicos, a compreensão dos aspectos apresentados no filme perpassada por conceitos e fundamentos de teóricos da área, partindo de uma revisão bibliográfica com a consulta de livros, entrevistas, artigos e sites. Assim, tal

revisão bibliográfica possui a finalidade de estabelecer fundamentação teórica entre as cenas do filme e alguns dos conceitos psicológicos, sendo, dessa forma, uma pesquisa pura e de natureza qualitativa, com finalidade descritiva e exploratória.

 

5. DESENVOLVIMENTO

 

5.1. Emoções Básicas

 

A emoção é a função mental superior que se configura enquanto estado mental, diretamente relacionado ao afeto e ao humor, perpassado por mudanças provenientes de estímulos, sendo responsável, segundo Fiorelli e Mangini em “Psicologia Jurídica”, 2020, por delimitar o campo de ação e conduzir a razão, além de ser um aspecto psicológico fundamental em todos os contextos de vivência humana, possuindo influências físicas, hormonais e biológicas, assim como influências do contexto social e suas especificidades. Assim, é possível afirmar a existência de incontáveis emoções vivenciadas pelos indivíduos, havendo a possibilidade de classificá-las para fins didáticos, como a divisão do grupo de “emoções básicas”, formado por seis emoções: felicidade, raiva, tristeza, medo, repugnância e surpresa, recebendo a classificação de “básicas” por estarem presentes em todas as culturas.

 

Dessa forma, é possível observar que há cinco tipos de emoções na mente da protagonista Riley e que essas cinco personagens podem ser classificadas enquanto participantes do grupo de emoções básicas supracitado, inexistindo no filme, porém, o personagem da emoção “surpresa”. É importante ressaltar, também, que essas emoções, ao longo do filme e da trajetória de Riley, irão nortear os seus comportamentos e atos, visto que cada uma possui sua função específica, sendo a personagem “Alegria” responsável por atuar em momentos de prazer e bem-estar de Riley, o “Medo” pela autopreservação em situações perigosas, a “Raiva” por neutralizar adversidades hostis à protagonista, a “Nojinho”, que representa a emoção básica de repugnância, por detectar possíveis ameaças à saúde de Riley, como a ingestão de alguma substância nociva, e, por último, a “Tristeza” que, apesar de incompreendida no início do filme, é responsável por atuar em situações que a protagonista se encontra impotente ou não consegue dar continuidade a nenhuma ação direta para solucionar o que lhe causa sofrimento, havendo, dessa maneira, a redução do nível de atividade para evitar

o gasto de energia em esforços desnecessários.

5.2. Funções Mentais Superiores e as Emoções

 

As funções mentais superiores, segundo Fiorelli e Mangini, “constituem uma espécie de programação por meio da qual os indivíduos desenvolvem imagens mentais de si mesmos e do mundo que os rodeia, interpretam os estímulos que recebem, elaboram a realidade psíquica e emitem comportamentos”, ou seja, são funções estruturantes que possibilitam as atividades mentais e que são formadas pelas seguintes funções: sensação, percepção, atenção, memória, pensamento, linguagem e emoção.

 

É possível, ao analisar o filme sob a ótica dos conceitos psicológicos, observar a demonstração de algumas dessas funções, como a sensação, que representa a forma pela qual os estímulos chegam até o cérebro, a qual pode ser exemplificada pelo contexto envolvendo a Sala de Controle que possui uma tela por meio da qual os personagens que retratam as emoções observam e detectam tudo o que ocorre e é vivenciado por Riley, assim como a percepção, a qual se configura como a forma que esses estímulos são interpretados, função que também é atravessada pelas emoções, visto que esses personagens agem diretamente sobre a reação dela frente aos acontecimentos. Além disso, também é visível a ação da “memória”, tendo em vista que toda vez que Riley dorme, as bolinhas coloridas que foram formadas durante o dia, as quais representam as memórias, são sugadas por um tubo e são enviadas para o labirinto das memórias de longo prazo, verificando-se a noção de que a informação ativa a memória, em que esta representa o conteúdo inconsciente.

 

Outro ponto a ser destacado é a demonstração das outras duas funções mentais superiores: o pensamento e a linguagem. É importante pontuar, em primeiro plano, a cena em que a Alegria e a Tristeza entram na Sala de Abstração, parte do cérebro de Riley, onde há a desconstrução e a compreensão dos conceitos, contexto análogo à função do pensamento, dado que este é responsável pelo processamento e pela compreensão das informações. Ademais, é possível perceber uma ligação entre a função “linguagem” e a cena do filme em que Riley está conversando com seus pais e, dependendo de qual emoção esteja agindo na mesa de controle da sua mente, ela age diferentemente de acordo com cada estímulo emocional predominante, dessa forma, por exemplo, quando a Raiva está no controle da mesa, Riley possui uma verbalização mais agressiva, já quando a Tristeza está comandando, ela se expressa de maneira mais desanimada.

5.3. Ciclos vitais

 

Ao longo do desenvolvimento humano, é possível perceber a existência de ciclos vitais, ou seja, fases a serem vividas pelos indivíduos, que se configuram enquanto processos complexos e que, geralmente, formam conflitos. Tendo isso em vista, a demonstração de como essa mudança de um ciclo para outro traz consigo uma carga psicológica complexa é ilustrada, no filme, pela mudança de cidade que a personagem enfrenta, assim como pela passagem da fase infantil para a adolescência, dando início à problemática central do enredo, o qual está centrado no processo de amadurecimento mental vivenciado pelos indivíduos, em destaque a protagonista Riley, por conta desse novo contexto e momento de transformação que lhe impõe o redesenho dos seus subsistemas, a adoção de novos comportamentos em uma nova casa, estudando em uma nova escola e convivendo com novos colegas, assim como o desenvolvimento de novas formas de comunicação e de enxergar-se frente a um contexto novo e de mudanças significativas.

 

5.4 Personalidade

 

A personalidade diz respeito à “organização dinâmica”, dentro do indivíduo, daqueles sistemas psicofísicos que determinam seus ajustamentos únicos ao ambiente" (CAMPBELL; HALL; LINDZEY, 2000, p. 228). Nesse sentido, no filme, aprendemos que os aspectos da personalidade da Riley são expressos por “ilhas”, que são formadas por determinados valores que guiam suas ações. A “ilha da família” e a “ilha da amizade” representam a maneira como a personagem se relaciona com os indivíduos ao seu redor; a “ilha do hockey” relaciona-se ao fato de esse ser seu esporte preferido; a “ilha da honestidade” é relativa à sua conduta na sociedade; e a “ilha da bobeira” remete ao lado brincalhão da Riley. É evidente que, sob a ótica da Psicologia, a forma como esse aspecto foi tratado pelo filme não passa de ficção, mas ele funciona de forma didática para compreendermos melhor como ocorre a formação da personalidade de um indivíduo. Ademais, a película aborda, também, o papel dos modelos, como pai e mãe, na formação desses traços de personalidade, visto que é a partir desses indivíduos que a criança baseará seus comportamentos (FIORELLI & MANGINI, 2008).

 

Ao longo do filme, vemos essas ilhas em três momentos distintos: primeiro, elas se estruturam a partir das experiências vivenciadas pela personagem; posteriormente, são desconstruídas devido a situação conflitante ocasionada pela passagem de um ciclo vital para o outro; e, por fim, são reformuladas, fato que demonstra a adaptação da personagem a essa

nova fase. Nem sempre o organismo assimila de forma construtiva mudanças, sejam elas exteriores ou interiores. No caso da Riley, esse processo aconteceu de maneira destrutiva, ou seja, a Riley precisou reformular os valores que foram apreendidos na infância para poder adentrar na adolescência.

 

Além disso, é necessário salientar a influência das emoções nos traços da personalidade dos indivíduos (FIORELLI & MANGINI, 2008). Muitas vezes, os indivíduos se deixam guiar pelo “calor do momento”, e isso implica em uma alteração momentânea dos aspectos da personalidade, ocorrendo a predominância de um ou mais aspectos sobre outros. Esse fenômeno não representa uma conjuntura de alteração de personalidade, em que os caracteres que a compõem são modificados em virtude de uma determinada conjuntura, ou mesmo a ocorrência de transtornos mentais em um dado indivíduo, pelo contrário, é um acontecimento que se dá de forma natural ao longo da vida. Podemos constatar essa predominância de uma emoção sobre as demais em certas cenas do filme, em que Riley, ou mesmo seus pais, têm reações exageradas em determinadas situações, que não condizem com sua conduta usual.

 

5.5 “Ditadura da Felicidade”

 

A positividade tóxica é aquela que consiste em evitar, sufocar e silenciar qualquer pensamento negativo, gerando, assim, sofrimento. Diante de situações adversas, as demais emoções, como a tristeza, a raiva e o medo, manifestam-se porque são necessárias para que o indivíduo consiga captar todas as informações do que ocorre ao seu redor, além de auxiliar no processo de construção da resiliência.

 

Nesse contexto, o que se observa na sociedade contemporânea, principalmente a ocidental, é que a positividade tóxica adquiriu uma influência gigantesca dentro das redes sociais, dos ambientes de trabalho, das amizades e das famílias, gerando, assim, a “Ditadura da Felicidade”. Ao estar inserido nesse contexto sufocante, o indivíduo não sente mais a liberdade para expor seus sentimentos que são diferentes da alegria e da positividade, sob pena de sentir- se culpado e inferior às outras pessoas, podendo comprometer, a longo prazo, a sua saúde mental e física.

 

Entretanto, não se deve confundir a psicologia positiva com a positividade tóxica. A primeira se popularizou pelo trabalho do psicólogo estadunidense Martin Seligman, preconizando que o pessimista não nasce, mas sim se cria a partir das circunstâncias da vida. Nessa perspectiva, gera-se, assim, a necessidade de se lutar contra os pensamentos negativos,

transformando-os em mais positivos. Porém, isso não significa evitar e suprimir todos os sentimentos ruins assim como a positividade tóxica impõe. Na verdade, o conceito trazido pela psicologia positiva tem sido distorcido ao longo do tempo, gerando discursos extremistas que prejudicam a capacidade dos indivíduos de enfrentarem situações adversas e de enxergarem a realidade em sua plenitude.

 

De fato, a positividade tóxica, por consistir em um bloqueio e uma negação das emoções diferentes da alegria, pode trazer consequências graves não apenas para a saúde mental do ser humano, mas também para a saúde física, visto que as emoções suprimidas tendem a se expressar de alguma forma, muitas vezes na condição de doenças. Além disso, a visão deturpada da realidade gerada pela positividade tóxica desenvolve indivíduos que são mais vulneráveis às dificuldades do cotidiano, visto que eles tendem a ser mais infantilizados e ingênuos.

 

Desse modo, vale destacar que a “Ditadura de Felicidade” tem ganhado ainda mais projeção por conta de dois fatores: a supervalorização da alegria em detrimento dos demais sentimentos e emoções e a imposição social da positividade tóxica, principalmente a partir das redes sociais e dos ambientes de trabalho. Efetivamente, é preocupante a forma como o sistema socioeconômico contemporâneo têm imposto a “Ditadura da Felicidade” como uma forma de estimular as pessoas a serem cada vez mais produtivas e consumistas, gerando indivíduos padronizados não só com relação a gostos e comportamentos, mas também com relação a enfermidades. Não é à toa que os casos de depressão, de crises de ansiedade e de síndromes, como a de Burnout, têm crescido assustadoramente nos últimos anos. Existe uma demanda social gigantesca para que as pessoas mostrem apenas o lado positivo delas, gerando toda uma ilusão de que os problemas não existem nos outros, mas apenas em si mesmo, devendo o indivíduo esconder ao máximo suas fragilidades para que não seja subjugado ou excluído.

 

Portanto, a sociedade deve reconhecer a importância de todas as emoções para que se tenha uma saúde mental apropriada, seguindo aquilo que a psicologia moderna chama de “coerência emocional”. Nesse contexto, o reconhecimento de que a “Ditadura da Felicidade” é algo puramente artificial e prejudicial para o bem-estar geral geraria uma melhora na saúde de nossa sociedade como um todo, tendo em vista o desenvolvimento da inteligência emocional e da resiliência do indivíduo, as quais são extremamente úteis para enfrentar as adversidades da vida. Sendo assim, o fim da “Ditadura da Felicidade”, em última instância, possibilitaria que mais indivíduos conseguissem alcançar a maturidade emocional, estado no qual é possível

usufruir dos benefícios emocionais e sociais provenientes da inteligência emocional, a qual está em constante desenvolvimento em todos os seres humanos. Nesse contexto, faz parte do processo de amadurecimento emocional aprender a lidar com as diversas frustrações que ocorrem no cotidiano, reconhecer as próprias emoções e as emoções das outras pessoas (empatia), assumir a responsabilidade e as consequências dos próprios erros, saber conceder e mudar certos aspectos da vida e ter autoconfiança. Esses aspectos são fundamentais para melhorar e preservar a saúde mental da sociedade como um todo.

 

Por fim, o filme “Divertida Mente” traz, em sua essência, justamente uma crítica a respeito do papel de protagonismo da personagem Alegria. A todo momento, ela tentava afastar a Tristeza das tomadas de decisão que envolviam a vida da Riley, visto que aquela não entendia como esta poderia ajudar. Apenas depois de muita reflexão, ao se deparar com uma situação de claro desespero no “Abismo do Esquecimento”, a Alegria foi capaz de compreender como a Tristeza pode gerar, no final das contas, sentimentos bons, memórias boas e soluções para as adversidades da vida, permitindo com que essa emoção, antes excluída, pudesse guiar Riley para fora do ônibus e de volta para o seu lar. Nesse contexto, fazendo-se um paralelo do filme com o que se vive na sociedade contemporânea, a “Ditadura da Felicidade” deve ser derrubada para dar lugar à participação de todas as emoções diante das adversidades da vida.

 

5.6 O esquecimento e a sua importância

 

O esquecimento, para o senso comum, é um processo visto como inconveniente e que tende a comprometer as atividades do cotidiano. Contudo, a memória de um ser humano é incapaz de absorver e armazenar tudo aquilo que acontece em um dia, sendo necessário, assim, priorizar aquelas informações e memórias que, de alguma forma, no futuro, auxiliarão o indivíduo a tomar decisões.

 

Nesse contexto, para se entender o esquecimento, deve-se compreender como as memórias são armazenadas no cérebro humano. Esse armazenamento ocorre principalmente nos neurônios existentes na região do hipocampo, a partir de modificações estruturais e funcionais nas sinapses, também conhecidas como as conexões que os neurônios fazem entre si. À medida que a memória é utilizada e recriada de tempos em tempos, a sinapse que a gerou é preservada, sendo, consequentemente, a memória também conservada. Portanto, o esquecimento, nada mais é que uma substituição de conexões sinápticas, as quais ocorrem entre os neurônios associados à memória, por outras que o cérebro julga serem mais importantes,

dificultando ou, até mesmo, impossibilitando o acesso a algumas lembranças. Todavia, esse tipo de esquecimento não deve ser confundido com aquele que ocorre de forma mais usual no nosso cotidiano, o qual está relacionado com o fato de as capacidades de memorização do ser humano usualmente estarem no limite máximo de saturação, além de existirem inúmeras distrações ao redor dos indivíduos, culminando em indagações do tipo: “será que tranquei a porta antes de sair?”.

 

De fato, devido a um período no qual foi negligenciado, o esquecimento natural, ou seja, aquele que não é proveniente de nenhum tipo de patologia neurológica, como a Doença de Alzheimer, teve sua definição, suas causas e seus benefícios indeterminados. Contudo, de acordo com o artigo de PERGHER e STEIN (2003), em 1991, a partir de estudos feitos por Ebbinghaus, o qual contribuiu principalmente em termos metodológicos para o estudo do esquecimento, a Teoria da Deterioração foi proposta por SCHWARTZ e REISBERG (1991), a qual diz que, com o passar do tempo, as memórias enfraquecem, desaparecendo gradualmente até que elas se percam, apagando-se por completo e não restando traços delas. Houve diversas contribuições a essa teoria, entre elas a de que as memórias possuem forças distintas, impactos distintos e utilização distintas, sendo as memórias mais difíceis de esquecer, de acordo com POTTER (1991), aquelas que envolviam emoções mais fortes, impactos maiores e que eram recordadas com maior frequência. Contudo, outras pesquisas refutaram o fato de que apenas o tempo, como define a Teoria da Deterioração, é o responsável pelo esquecimento. Na verdade, o sono (JENKINS & DALLENBACH, 1924) e a similaridade entre objetos a serem memorizados (McGEOCH & McDONALD, 1931) são exemplos de fatores que podem acelerar ou retardar o esquecimento. Porém, mesmo diante dessas refutações, a Teoria da Deterioração não foi rejeitada completamente, existindo, na realidade, um movimento de tentar integrar essa teoria com conceitos novos e teorias novas, com o intuito de torná-la mais geral.

 

Ainda de acordo com PERGHER e STEIN (2003), outra teoria criada para tentar explicar o esquecimento é a Teoria da Interferência, a qual foi proposta para suprir as limitações da Teoria da Deterioração, postulando que as informações são esquecidas em virtude da influência de algumas memórias sobre outras. Ademais, essa teoria também traz que as teorias mais recentes são mais fáceis de serem lembradas do que as mais antigas. Percebe-se que aqui não há mais influência do tempo, mas sim da quantidade de informações que são absorvidas ao longo da vivência do indivíduo. Essa teoria foi proposta inicialmente por MULLER e

SCHUMANN (1894), contudo, diversos outros pesquisadores também contribuíram com esse conhecimento ao longo desses mais de 100 anos de existência da Teoria da Interferência.

 

Outra forma de se entender o esquecimento é a partir da Falha na Recuperação, modelo explicativo do esquecimento que propõe a sua ocorrência em função de uma falha na recuperação das memórias, defendendo que elas não são esquecidas, mas apenas se tornam mais difíceis de serem acessadas.

 

Por último, o esquecimento também pode ser analisado sob a óptica da Teoria dos Esquemas, cujo precursor foi BARTLETT (1932), o qual defendia que a memória devia ser estudada a partir de experimentos que envolviam elementos presentes no cotidiano e objetos que remetem a histórias, como fotografias. Como resultado, ele encontrou que a recordação acurada era a exceção e não a regra. A necessidade inata do ser humano de compreender a realidade faz com que ele absorva as informações e os estímulos de tal maneira que se encaixem de acordo com os conhecimentos prévios pré-existentes na mente do indivíduo. Portanto, segundo essa teoria, o próprio processo de compreensão de uma situação pode gerar distorções e perdas de informações originais. Caso aquilo que é absorvido não seja condizente com as informações pré-estabelecidas, esse novo conhecimento pode ser esquecido.

 

Desse modo, tendo-se explicado o que é e como funciona o esquecimento, vale ressaltar a sua importância. Nesse contexto, se o ser humano tivesse a capacidade de absorver e armazenar indefinitivamente tudo aquilo que ele entra em contato, dificilmente haveria capacidade mental restante para se atentar àquilo que é subjetivo, implícito e abstrato. Outra vantagem do esquecimento é viabilizar o processo de adaptação da mente humana à realidade, a qual está em constante mudança. Como o cérebro precisa armazenar tudo aquilo que é útil e que facilita a tomada de decisão, de nada adianta ele armazenar algo que não está mais sendo utilizado e que pode, até mesmo, gerar informações conflitantes dentro da memória do ser humano. Além disso, o ato de esquecer mitiga os danos provocados por experiências ruins vividas pelos indivíduos. Lembranças ruins e traumas tendem a diminuir seu impacto na mente humana na medida em que são esquecidos, facilitando, assim, o processo de superação do indivíduo que vivenciou determinada experiência. De fato, esse assunto foi até tema de discussão no plenário do Supremo Tribunal Federal (STF), quando uma família processou um veículo midiático por reproduzir sem autorização, em um programa televisivo, um crime bárbaro contra um de seus entes, o qual ocorreu em 1958, no Rio de Janeiro, alegando o “direito ao esquecimento”. No julgamento, os ministros entenderam que a tese proposta pela família

não é compatível com a Constituição Federal. Contudo, reconheceram que, a depender do caso, em hipótese de haver eventuais excessos ou abusos no exercício da liberdade de expressão e de informação, a proteção da honra, da imagem, da privacidade e da personalidade em geral deve ser respeitada justamente para evitar que o trauma seja revivido por aqueles que já passaram por um processo de mitigação dessas memórias ao longo do tempo.

 

Por fim, traçando-se um paralelo entre o filme “Divertida Mente” e o assunto esquecimento, tem-se que foi retratada uma visão melancólica a respeito desse fenômeno natural que ocorre na mente humana. Contudo, a película traz, de forma implícita e lúdica, como o esquecimento funciona e a sua importância. O filme explica que, quando as memórias não são utilizadas, elas “desbotam” e algumas acabam sendo enviadas para o “lixão”, onde são descartadas. Essa analogia se encaixa muito bem com as teorias trazidas anteriormente. Já com relação à importância do esquecimento, o primeiro ponto pode ser percebido quando o filme ilustra as prateleiras onde as memórias são guardadas. Caso não ocorresse esse processo natural do esquecimento, quantas prateleiras seriam necessárias para armazenar tanta informação? Há memórias que podem ser descartadas, e é bom que o cérebro faça isso, pois essa ação o tornará mais otimizado e mais apto para absorver e guardar novas memórias. Outro momento no qual pode-se observar a importância do esquecimento é quando Bing Bong (amigo imaginário de Riley) se sacrifica e é esquecido para salvar a Alegria. Nesse contexto, pode ser reconhecida uma mensagem implícita da importância não apenas da imaginação, mas também do esquecimento, pois somente diante daquela difícil situação, no “Abismo do Esquecimento”, é que a Alegria conseguiu perceber a importância da Tristeza. Portanto, apesar da melancolia que envolve a forma como esse fenômeno natural é retratado, a qual contribui para uma visão mais pessimista do esquecimento, o filme evidencia, com muita perspicácia, como ele participa do processo de acumulação de memórias e como ele é importante para nossa saúde mental.

 

6. CONSIDERAÇÕES FINAIS

 

Dado o exposto, fica clara a importância do filme “Divertida Mente” para elucidar, de maneira didática, alguns dos processos mentais estudados pela psicologia. É evidente que, por se tratar de uma ficção, muitos dos aspectos abordados não estão em total consonância com os preceitos dessa ciência, no entanto, mesmo assim, podemos fazer algumas analogias para explicar determinados temas, como o impacto da mudança de cidade na saúde mental da criança, o valor das relações interpessoais para a estabilidade emocional durante períodos de

adaptação e as modificações na estrutura psíquica que ocorrem na passagem da infância para a adolescência.

 

Ademais, a película traz um ensinamento moral imprescindível. Pelo fato de vivermos em uma sociedade que preza pela positividade, pela sobreposição da aparência sobre a realidade, tendemos a presumir que devemos, sempre, suprimir a tristeza, por a considerarmos uma emoção negativa, assim devendo estar sempre felizes. Todavia, o filme nos mostra que todas as emoções são importantes para o pleno funcionamento do nosso sistema mental, tendo cada um papel fundamental em regular determinadas conjunturas psíquicas.

 

É importante destacar também que, embora a obra não contemple diretamente a área da Psicologia que é de interesse do Direito, podemos, ainda sim, fazer apontamentos sobre como determinados aspectos da obra podem ser ligados diretamente ao âmbito jurídico, bem como suas implicações na sociedade. Nesse sentido, é fundamental perceber a influência das emoções nas ações dos indivíduos, e como elas afetam a percepção dos fatos. Quando um delito ocorre, por exemplo, dependendo das pessoas que o presenciaram, teremos pontos de vista diferentes sobre a mesma situação. Além disso, podemos compreender um pouco melhor como se dá o processo de amadurecimento da mente de uma criança, e isso nos ajuda a entender de forma mais clara como se forma a personalidade de um indivíduo, a qual influi diretamente no modo como ele atua no corpo social.

 

Sendo assim, é indiscutível a pertinência do filme para uma melhor compreensão dos temas supracitados. Em consonância com os objetivos e a metodologia adotada, foram expostos todos os tópicos relevantes para a disciplina de Psicologia Geral e Jurídica.

REFERÊNCIAS


 

Bartlett, F. C. (1932). Remembering Cambridge, England: Cambridge University Press.

 

CAMPBELL, J. B.; HALL, C. S.; LINDZEY, G. Teorias da personalidade. 4ª. edição, 2000, ArtMed.

 

FIORELLI, J.O.; MANGINI, R.C.R. Psicologia Jurídica. 10ª edição, 2020, Atlas.

 

Jenkins, J. G., & Dallenbach, K. M. (1924). Obliviscence during sleep and waking. American Journal of Psychology, 35, 605-612.

 

McGeoch, J. A., & McDonald, W. T. (1931). Meaningful retention and retroactive inhibition. American Journal of Psychology, 43, 579-588.


 

METRO WORLD NEWS. Entrevista de Pete Docter, 2015. Disponível em:

<www.metroworldnews.com.br/entretenimento/2015/06/17/diretor-pete-docter-fala-ao- metro-sobre-a-inspiracao-de-divertida-mente.html>. Acesso em: 30 de agosto de 2021.


 

Muller, G. E., & Schumann, F. (1894). Experimentelle beiträge zur untersuchung des gedächtnisses. Zeitschrift für Psychologie, 6, 81-90.

 

PERGHER, G. K., & STEIN, L. M (2003). Compreendendo o esquecimento: teorias clássicas e seus fundamentos experimentais. Psicologia USP, 14(1), 129 – 155.

 

Potter, M. C. (1991). Remembering. In D. N. Osherson & E. E. Smith (Eds.), An invitation to cognitive science: Vol. 3. Thinking (pp. 3-32). Massachusetts, MA: MIT Press.

 

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