DIÁLOS INSTITUCIONAIS: Legítimo Intérprete da Constituição

 

Haroldo Melo[1]

Amanda Thomé[2]

 

Sumário: 1 Introdução; 2 Controle de Constitucionalidade; 2.1 Diálogos entre Poderes; 2.2 O Controle Constitucional está de Acordo com a Democracia?; 3 Legítimo Interprete da Constituição; 3.1 A Legitimidade em Carl Schmitt; 3.2 A Legitimidade Em Hans Kelsen; 3.3 Controle Constitucional Legitimado No Brasil; 4 Conclusão; 5 Referências

 

RESUMO

 

O Parlamento ou o Congresso titular do poder legislativo, representa o que seria a vontade do povo deliberando a cerca de politicas publicas por meio de leis, decretos etc. Embora o desenvolvimento de suas atividades deva estar em consonância com a Carta Magna, se faz necessário verificar tal condição diante da possibilidade de uma nova lei vir a ferir um direito fundamental dos cidadãos através do controle de constitucionalidade. No momento deste ato, percebe-se um conflito de interesses entre a Corte Constitucional ou Fórum do Princípio, órgão intérprete e protetor da constituição, junto ao Parlamento ou Fórum da Utilidade. Tal questão remete-se aos diálogos institucionais.

 

Palavras-chave: Democracia Constitucional; Constitucionalismo; Controle Judicial de Constitucionalidade; Parlamento; Corte Constitucional.

 

 

 

1 INTRODUÇÃO

 

O movimento constitucionalista ganhou significado espaço no século XIII, com a assinatura da Magna Carta no reinado de João Sem-Terra (1199-1216), rei da Inglaterra, tendo a limitação do poder político e o estabelecimento de garantias de liberdades e direitos básicos aos cidadãos como as principais contribuições do constitucionalismo. No final do século XVIII, com impulso provocado pela Revolução Francesa (1789-1799) a alteração na concepção do constitucionalismo muda a concepção de Constituição, instaurando um novo catálogo de direitos fundamentais, direitos que exigiam prestações normativas por parte do Estado, de forma a compatibilizar os ideais de liberdade, igualdade, solidariedade e fraternidade, na tentativa de fazer com que o mundo se conduza pensando nas futuras gerações.

A Constituição brasileira é alvo de diversas discussões a cerca do controle de constitucionalidade que venham leis a contradizer a Carta Magna. Este é objeto de desconfiança partindo do princípio assegurado pela democracia tendo em vista a possível interpretação que um juiz não eleito pode dar sobre determinado trecho constitucional.

O Brasil vive em uma sociedade complexa, multifacetado e caracterizado pelo pluralismo de conflitos políticos. Diante deste cenário, em uma crescente exponencial, cada vez mais se aplicam princípios e valores na interpretação constitucional, sendo dever do Poder Judiciário a adotar um posicionamento criativo para que efetivamente possa concretizar direitos e liberdades fundamentais. Interpretações que paulatinamente englobam novos valores na interpretação constitucional, o Supremo Tribunal se vale da criatividade e flexibilidade para efetivar direitos fundamentais outrora negados ou esquecidos, assumindo notável ascensão, abarcando em sua esfera de atuação novos problemas trazidos por esta sociedade de risco, que alcançam um nível alto de complexidade.

Sobre este ponto, estaria a Suprema Corte apenas atuando em seu papel imposto pela Constituição de protetor e mantenedor dos ditames constitucionais, com premissa de atender os diálogos múltiplos surgentes deste cenário de sociedade de riscos ou está reforçando sua competência de revisão constitucional através do ativismo judicial?

 

 

2 CONTROLE DE CONSTITUCIONALIDADE

 

2.1 Diálogos entre Poderes

 

Segundo Rodrigo Brandão (2011), após a Revolução Francesa, no século XIX, a Europa levava consigo péssimas lembranças de seus monarcas e regras ou orientações ditas pela igreja com relação a desvirtuar direitos fundamentais do cidadão, enquanto que o Parlamento demonstrava não apenas cumprir e seguir a risca este preceito, mas também proteger as liberdades individuais de invasões do Executivo.

Contudo, durante a segunda guerra mundial, tal liberdade se mostrou ameaçada pelo regime instaurado naquele período revelando o grande perigo caso alguma instituição decidisse por violar algum desses direitos. Neste caso a responsabilidade de verificar os abusos do Legislativo seria atribuída a Órgãos Contramajoritários, assim garantindo independência ao Constitucionalismo, em face de instituições democraticamente legitimadas.

O jurista Fabricio Pereira (2014), afirma que o Brasil, exerceu sua escolha política ao longo de todas as seis constituições anteriores a carta atual:

O Brasil exerceu sua escolha política em ter um modelo rígido de Constituição, impingindo-lhe a mais grandiosa expressão jurídica da soberania. Definiu, ainda, ao longo das seis Constituições que precederam a atual Carta de 1988, um modelo de jurisdição constitucional misto. Junto a isto, nos termos do art. 102 da CRFB/88, o constituinte originário determinou o Supremo Tribunal Federal como o guardião da Constituição, de forma a garantir a abertura política e proteger a democracia. Contudo, não obstante a clara supremacia garantida ao Poder Judiciário pela Constituição em vigor resta à indagação se cabe realmente a este poder - especificamente ao Supremo Tribunal federal -, dar a última palavra em nosso sistema democrático.

Não obstante o fato de o Supremo Tribunal Federal desempenhar hoje, um papel ativo na condução das complexas discussões perante a sociedade, com preponderância a um ativismo judicial cada vez maior, perfazendo em alguns casos verdadeiras alterações constitucionais, com suposto suporte no instituto da mutação constitucional, há de se reconhecer, por outro lado, que o STF não é necessariamente “o último player nas sucessivas rodadas de interpretação da Constituição pelos diversos integrantes de uma sociedade aberta de intérpretes”. Pode-se estender a crítica decorrente dos diálogos no papel das decisões judiciais também ao Ministério Público e a todos os demais atores do sistema processual brasileiro, que por vezes, desenvolvem uma atividade que, por sua natureza e via de regra, é desvinculada do de um princípio democrático, com exceção dos casos em que isto seja possível, como em audiências públicas. O agravamento desta situação possui forte contorno no controle de jurisdição exercido atualmente no Brasil. Há de se dizer que tal controle pode ser preventivo, podendo ser exercido também pelo Poder Legislativo. (PEREIRA, 2014).

Conrado Hübner (2008 apud DWORKIN, 1995) em sua tese sobre separação de poderes relativiza duas interferências consolidadas da literatura constitucional brasileira:

(i) Se democracia não é só vontade da maioria, uma instituição anti-majoritária é desejável e necessária; e (ii) Se a constituição é suprema  e deve ser obedecida inclusive pelo legislador, deve existir um agente controlador externo que fiscalize tal obediência;

 

2.2 O Controle Constitucional está de acordo com a Democracia?

 

Peter Häberle é o criador do sentido de constituição aberta aos interpretes onde em suma, afirma que a interpretação dos juízes não é a única possível. Para ele, a constituição é viva e mutável, pois seus interpretes estão sempre auxiliando na sua atualização.

Nesta teoria, todos aqueles que vivem sobre legede de uma constituição são autênticos e legítimos interpretes desta. Embora exista a crítica que nem todos podem fornecer uma interpretação correta por seu pouco amadurecimento politico sendo assim considerada como pluralista, afirma que o texto constitucional deve suportar esta crítica, pois sua maior finalidade é refletir o contexto em que, independente quem seja o cidadão viva.

Como não há sociedade uniforme a constituição deve suportar tal critica refletindo e abarcando seus diferentes grupos sociais garantindo maior participação dos indivíduos da sociedade nas decisões politicas, por terem capacidade de influenciar a carta magna por meio de suas interpretações.

 

 

3 LEGÍTIMO INTERPRETE DA CONSTITUIÇÃO

 

3.1 A Legitimidade em Carl Schmitt

 

O advogado Rennan Thamay (2012) afirma que Carl Schmitt após diversas análises em sua realidade, conclui que o verdadeiro guardião da Constituição exercendo o controle de constitucionalidade e atos normativos, deveria ser quem de fato possui o poder, devendo ser somente um sujeito, que para a sua compreensão visse a ser o chefe do Reich Alemão, o que em nossa realidade equivale ao Presidente da Republica, por entender que suas decisões sejam mais facilmente tomadas de forma monologa e não em conjunto. Segundo ele, em Schmitt há grande ligação entre o Político e o Estado sendo esse um de sues principais argumentos para defender que o dever de “guardar” a Constituição seja algo efetivamente ligado a um Poder que seja eminentemente político como é o caso do Executivo, jamais adotando entendimento de que outro Poder pudesse vir a ser o guardião da Carta Magna.

Desse modo, nota-se que para o político, é natural que o Estado detenha o monopólio político, assim, busca demonstrar que o político tem grandiosa força própria que deriva dos mais diversos âmbitos da vida humana, das contraposições religiosas, econômicas, morais e de outros que podem ser determinantes para a formação da força do critério político.

Uma importante distinção entre este autor e Kelsen é nitidamente, visto que este acredita em um critério normativo e que atribui o controle a uma corte em especial, enquanto que Schmitt observa esse controle pelo viés político onde esse poder é exercido por um único sujeito qual seja o chefe deste próprio Poder Executivo. Ainda criticando a teoria pluralista Schmitt, Kelsen aduz que “essa teoria pluralista do Estado é, sobretudo, pluralista em si mesma, ou seja, ela não possui nenhum centro uniforme”. (THAMAY APUD KELSEN, 2012). Quando Carl Schmitt elabora a obra o conceito político recebe forte resposta e crítica de Hans Kelsen, mas responde prontamente em sua obra “O Guardião da Constituição”, posicionando-se de forma clara sobre quem deva ser realmente o guardião da Carta, dotando essa atribuição ao chefe de Estado de forma explicita. Assim, Schmitt questionou muito a possibilidade de o Poder Judiciário ser o guardião da Constituição, negava com todas suas forças que esse Poder pudesse ser efetivo na função de protetor na Carta Maior, sendo assim postado como o melhor para tal função o Chefe do Reich alemão que equivale em nossa realidade ao Presidente da República. As propostas de Carl Schmitt foram notavelmente contrarias ao positivismo alemão, referindo que todo o conceito de direito é fundamentalmente político, criticando a pretensa neutralidade do positivismo encontrado em Kelsen, por não passar de um reflexo disfarçado de ideias liberais na filosofia política e jurídica que visava assegurar a segurança e liberdade burguesa perante o Estado.

 

3.2 A Legitimidade em Hans Kelsen

 

Hans Kelsen foi um dos teóricos mais importantes de todos os tempos para a ciência jurídica, teve diversas obras, sendo que a de maior destaque foi a “Teoria Pura do Direito”. A influência de Kelsen perdura até os dias atuais, servindo fundamentação para comunidades jurídicas e influenciando diretamente na constituição de diversos países, fazendo com que o modo de realização do controle de constitucionalidade seja o que ele próprio construiu a partir de sua experiência como magistrado no Tribunal Constitucional da Áustria.

Segundo Thamay, diferentemente de Carl Schmitt, Kelsen sustenta um controle de constitucionalidade que estenda a um Tribunal Constitucional o referido controle das leis, superando a construção de Schmitt no sentido de que o guardião da Constituição seria um Tribunal e não um único sujeito defendido na tese de Schmitt como o Chefe de Estado. Kelsen afirma em sua tese que a guarda da Carta Constitucional deveria ser entregue a um Tribunal que fosse totalmente separado dos poderes Executivo, Legislativo e Judiciário. Para não haver unicidade ou qualquer influência no controle de constitucionalidade, pois a decisão que viesse a averiguar a (in)constitucionalidade deveria ser tomada em conjunto, um grupo de julgadores que estivessem, realmente, comprometidos com a segurança e força da Constituição.

Segundo Kelsen, uma grande falha na tese de Schmitt era que o chefe de estado não sofreria qualquer tipo de limitação e ainda passaria de certo modo, a ter controle sobre as leis e atos normativos pautados no controle de constitucionalidade, ou seja, acabando por controlar também o Poder Legislativo. Assim, a defesa de Kelsen era de que tal controle deveria ser de responsabilidade de um Tribunal Constitucional, que tomando decisões sobre a constitucionalidade em torno de seus membros tranquilamente definindo o que estaria ou não ferindo o Texto Magno, sem poder autoritário objetivando exercitar a democracia.

 

 

 

3.3 Controle Constitucional legitimado no Brasil

 

Hans Kelsen, em sua tese sobre criação de um Tribunal Constitucional para acompanhamento do desenvolvimento político com harmonia constitucional, também influenciou o Brasil.

Nos períodos anteriores a Constituição de 1988, não existia forte influencia constitucional, tendo alguns Códigos como Civil e Penal maior força de auxilio as decisões Estatais. Contudo, atualmente a referencia mudou e a Constituição toma novo espaço como a Texto de expressão máxima do país.

Neste entrave, uma nação que busca a efetividade de direitos, vale observar o Poder Legislativo que acabou buscando em Kelsen os moldes básicos para a implementação da Jurisdição Constitucional e o Controle de Constitucionalidade de Normas.

Com esse modelo, o Brasil atribuiu a responsabilidade do Controle da Constitucionalidade ao Supremo Tribunal Federal, fazendo com que o Poder Judiciária viesse a tomar a ponta sobre a questão, não sendo em absoluto aquilo que Kelsen planejava, pois este gostaria que o controle ora referido fosse efetivado por um Tribunal que não fosse parte de nenhum dos poderes o que não se deu no Brasil que tem uma vivencia e realidade de mundo totalmente distinta da de outros locais.

Assim, todo o direito constitucional brasileiro foi influenciado por essas concepções do legislador que preferiu Kelsen a Schmitt, embora seja válido o questionamento levantado pelos dois doutrinadores salientados pelo professor Alexandre Garrido que diz que:

Kelsen atribuiu ao Tribunal Constitucional o papel de legítimo defensor da Constituição, uma vez que sua atuação é equiparada a de um legislador negativo, absolutamente determinada pela Constituição (SILVA APUD KELSEN, 2007, p. 153), enquanto Schmitt alerta que a revisão dos atos legislativos por um tribunal desequilibraria o sistema constitucional, pois um órgão que se torna consciente de sua influência política tende a ampliar cada vez mais o âmbito de seus poderes. (SILVA APUD SCHMITT, 2007, p. 72).

 

 

 

4 CONCLUSÃO

 

As teorias de Carl Schmitt e Hans Kelsen foram preponderantes não apenas na influencia de legitimação do Controle de Constitucionalidade no Brasil, mas no mundo. Desse modo, a defesa dos direitos e garantias dos cidadãos assegurados em valores constitucionais devem se manter acima de quaisquer leis infraconstitucionais defendidos e protegidos pelo Tribunal Constitucional, ou como no caso do Brasil Supremo Tribunal Federal a fim de garantir os direitos conquistados com tamanho esforço e ao longo das histórias advindas de diversas revoluções e reinvindicações dessas sociedades.

 

 

 

 

REFERÊNCIAS

 

BRANDÃO, Rodrigo. Diálogos constitucionais, capacidades institucionais, democracia deliberativa e separação de poderes. In. ______. Supremacia Judicial: trajetória, pressupostos, críticas e a alternativa dos diálogos constitucionais. Tese [Doutorado nas áreas de concentração: Estado, Processo e Sociedade Internacional] – Universidade do Estado do Rio de Janeiro, Faculdade de Direito. Rio de Janeiro, 2011. p. 268-300.

 

HÜBNER, Conrado. A inclinação por ambos: diálogo sem última palavra. In. ______. Direitos fundamentais, separação de poderes e deliberação. Tese [Doutorado em Ciência Política] – Universidade de São Paulo, Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas. São Paulo, 2008. p. 99-163.

 

PEREIRA, Fabricio de Souza Lopes. Diálogos Institucionais, Sociais e Ativismo Judicial. Disponível em: < https://jus.com.br/artigos/42452/dialogos-institucionais-e-sociais.html>. Acesso em 25 de maio de 2016.

 

COSTA, Henrique Araújo. Suspensão processual: férias para os advogados. Disponível em: <http://www.arcos.org.br/artigos/novo-cpc-comentarios-ao-anteprojeto/suspensao-processual-ferias-para-os-advogados. Acesso em 16 de março de 2016.

 

RICHE, Flávio Elias. O Método Concretista da “Constituição Aberta” de Peter Häberle. Disponível em: < http://www.oocities.org/flavioriche/Haberle.htm>. Acesso em: 20 de abril de 2016.

 

THAMAY, Rennan Krüger. O Guardião da Constituição: Entre Hans Kelsen e Carl Schmitt. Disponível em: . Acesso em 25 de maio de 2016.

 

DA SILVA, Alexandre Garrido. Poder Judiciário e Diálogos Institucionais: Uma Perspectiva Frente à Flexibilização das Decisões. Disponível em:< www.seer.ufu.br/index.php/horizontecientifico/article/viewFile/17921/14854>. Acesso em 25 de maio de 2016.

 

 

[1] Aluno do 2º período de Direito da UNDB

[2] Professora Especialista