Facebook: Uma “Pena Eletrônica” Para A Escrita Literária1 

Tércio de Abreu Paparoto2

RESUMO

Este artigo intenta apresentar um panorama acerca das produções textuais de valor literário tendo a ferramenta Facebook como instrumento de veiculação, de incentivo e de socialização desse processo criador e criativo. 

PALAVRAS-CHAVE: Mídias Sociais – Facebook – Literatura – Criação Literária – comunidades

1Artigo desenvolvido como resultado de pesquisa de grupo de estudos da Faculdade Anhanguera, cujo tema central é “Midias Sociais: tendências e desafios em rede”, sob financiamento da FUNADESP – 2012-2013

2 Doutor em Literaturas Africanas de Língua Portuguesa (USP), Professor e Pesquisador ;  Anhanguera Educacional e FUNADESP-Fundação Nacional de Desenvolvimento do Ensino Superior Particular – E-mail: [email protected]

Introdução

                        Nesta última década assistiu-se a um vertiginoso aparecimento de novas plataformas tecnológicas, sobretudo as chamadas “mídias sociais”. Com elas, as possibilidades de utilização multiplicaram-se, cada qual oferecendo recursos de trabalho iguais ou superiores aos seus concorrentes, atraindo um número cada vez maior de usuários.

                        Nesse contexto, e com a flexibilização crescente desses recursos, esses usuários sentiram a possibilidade de ampliar formas de utilização, traduzindo-as para além do simples relacionamento pessoal – forma esta comum com o aparecimento das primeiras ferramentas e muito usual até hoje -, entendendo tal instrumento como condutor e divulgador de seus ímpetos criadores e criativos.

                        Num primeiro momento, o Orkut apareceria como fenômeno de relacionamentos via rede, possibilitando a criação de comunidades com gostos afins, que se ampliariam em velocidade exorbitante. E muitas dessas comunidades se organizariam com nobres objetivos, em especial aqueles de teor artístico, permitindo que não só o produto final, mas também o processo que levou a ele, fossem veiculados e divulgados e, o mais interessante, chegasse a ser objeto de análise crítica, de discussões. Logo, não só a relação fértil “criação-criatividade” tomaria as páginas da rede, mas a possibilidade de crescer a partir da reflexão que esses produtos emanam.

                        Nesse sentido, muitas outras mídias, como o Twitter, surgem de forma avassaladora, pois rapidamente atraem um número grande de usuários que se cadastram para passar a utilizar essas novas possibilidades virtuais. No caso dessa em especial, a grande curiosidade está no desafio de lidar com a informação em 140 caracteres, o que, de alguma forma, viraria uma mania mundial, uma espécie de “ode à síntese”.

                        Contudo, este artigo tem o mister de observar e registrar  aquela plataforma que, em pouco tempo, tornou-se um fenômeno mundial de público usuário, já que ampliou a flexibilidade dos recursos e otimizou – de forma atraente e criativa – suas respectivas páginas. Além disso, muitos dos grupos que dela participam formando comunidades vieram do Orkut e, no Facebook, aperfeiçoaram-se, aumentando o número de participantes com a intenção de fazer dele sua “pena eletrônica”, registrando não só sua criação de natureza literária, mas permitindo que ela seja compartilhada por milhões de outros talentos que eventualmente existam por aí e que querem ter a oportunidade de, em princípio, “aparecer para o mundo” na forma da palavra literária.

 Facebook: uma estante virtual para a criação literária_______________________

 

            Pode-se aqui afirmar de saída que o Facebook é, sem dúvida, uma espécie de “estante” literária para a criação. E por quê? Porque, por meio dessa ferramenta tecnológica, encontra-se uma infinidade de manifestações configuradas em comunidades correlacionadas às questões literárias em geral, passando por interesses por livros clássicos até as produções mais originais de várias partes do mundo, carregadas de aspectos culturais peculiares.

            Não é sem razão que as chamadas “mídias sociais” tornaram-se um acessório fundamental para o processo de comunicação da humanidade. Elas apareceram, moldaram-se ao gosto dos usuários, abriram-lhes as portas as mais diversas para a interatividade, de modo que passaram a ser hábito fundamental no cotidiano das pessoas. Parece exagerado dizer que muitos “enxergam-se” mais nelas do que em seus próprios espelhos, uma vez que fazem de seus perfis a ponte direta para o mundo, numa espécie de afirmação de personalidade. E uma das facetas dessa afirmação é o envolvimento (por que não “engajamento”?) com outros tantos pares, organizando-se em comunidades e, a partir delas, interagindo com o poder de criação.

            O Facebook, sem dúvida, encorpou-se nessa fenomenologia e, por hora, é a maior sensação, posto que cresceu de forma exorbitante o número de usuários nos últimos anos em nosso país, hoje ficando em segundo lugar, só perdendo para os Estados Unidos. Surgida em meados dos anos 2000, essa ferramenta vem apresentando-se como “acessório comunicacional” importante do cotidiano das pessoas, levando-as a serem “vistas” das mais diversas formas. É no Facebook que a página “Estante Virtual”, muito presente nesse contexto, toma fôlego e, em seus blogs, encontram-se muitas informações sobre o processo de criação literária.

[...] Mas não é apenas nas redes sociais especializadas no assunto que a literatura é tema das interações. As redes tradicionais de relacionamento também já contam com espaços reservados aos amantes de livros. [...] No Facebook, a rede social que mais cresce no país, páginas como a da Estante Virtual são usadas pelos leitores para partilharem suas experiências de leitores1

 

                Ou seja, o processo que integra o interesse por troca de experiências no que concerne à leitura também agrega o interesse pela produção literária, apresentando não só autores consagrados como também novos escritores.

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1 Facebook, “Estante Virtual”, p. 1, 4/5/2012

            Essas mídias assumiram um papel fundamental para a diversidade do processo comunicacional, principalmente no que diz respeito àquelas de cariz educacional e artístico. São um verdadeiro “laboratório” da comunicação, permitindo o experimento da linguagem, abrindo –mais e mais- as portas para a riqueza que brota de nosso idioma.

            “Ler”, portanto, passa, agora, por uma nova etapa, que é a virtual. “Escrever”, então, estende-se para além da caneta. Há um bom tempo esses processos deixaram a pecha de “ato solitário”, pois compartilham-se as experiências e constrói-se informação, com o ímpeto de se “apresentar” pelas palavras a ousadia da criação. E, da troca de experiências por essas redes, as ideias multiplicam-se e se tornam acessíveis a qualquer usuário, num círculo virtuoso e incentivador. Em outras palavras, as famosas “gavetas” que hibernavam tantas e tantas ideias por muitas vezes criativas e importantes, agora veem a possibilidade de vislumbrarem uma realidade, realidade esta que atenua a “timidez” do processo que caracteriza a criação, numa espécie de solidariedade literária. É aí que aparecem as comunidades, que só fazem multiplicar-se.

Percebendo o poder da troca das redes sociais, muitos escritores também já se aventuram nas plataformas que viraram ponto de encontro de leitores, autores consagrados e novos escritores, que trocam entre si sugestões de leitura e organizam até mesmo encontros para debater literatura. [...] Atuar nas redes sociais pode ser um verdadeiro laboratório literário. Nelas, escritores podem se reinventar, tentar temáticas e estilos diferentes do que estão acostumados.1

 

 

3. Facebook: escrever para qual leitor?_________________________________

            Com essa guinada às novas tecnologias houve, sem dúvida, uma revolução no encaminhamento de conceitos, principalmente naqueles que se tornaram “ásperos”, como os relacionados aos livros eletrônicos (o fenômeno dos e-books) e, em especial, aqueles que “pensam”, sob a luz dessas mudanças, o ato de leitura, propriamente.

            E, na esteira dessa questão, e, por conseguinte à luz da revolução do texto eletrônico no par “espaço virtual/hipertexto” – como apresentado por muitos pesquisadores-, edifica-se um conflito que se baseia na relação texto-leitor-hipertexto-hipermídia, estabelecendo algumas visões do que se tem – hoje – com o texto eletrônico e o futuro da leitura e, consequentemente, da produção textual nas redes sociais. Nesse ínterim, Chartier nos oferece “três visões” sobre essa questão da leitura, do ato de ler por meio dos meios eletrônicos. Um primeiro “olhar”, segundo ele, “profetiza” o final do livro e, por conseguinte, o “fim da leitura”.

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1 Idem, ibidem

A telinha da tevê será o local da escrita no futuro, além de ter outras finalidades. Os computadores reinventarão o livro, agora, no formato eletrônico. Segurar uma caneta para escrever vai ser um gesto desconhecido. Papel vai ser um material associado mais a outras coisas do que a veicular escrita. Os textos voltarão a ser basicamente orais ou convertidos em orais para uso comum1

 

 

            Segundo essas observações, há uma espécie de visão “apocalíptica”, decadente, sobre a interferência dos meios eletrônicos no ato de escrita e de leitura. Há uma segunda visão, entendida como “otimista”, que descarta esse pessimismo, afirmando que enquanto houver leitura haverá livros. Contudo, na perspectiva de que as mídias sociais são mais do que inevitáveis em todo esse processo, há uma terceira visão sobre a polêmica, a qual concilia a forte presença das novas tecnologias – notadamente as redes sociais – com os atos de escrita/leitura, propondo uma possível – e produtiva – convivência entre a produção intelectual, as novas mídias e hipermídias, conforme observa Chartier.

 

[...] o mais provável para os próximos decênios é a coexistência, que não será necessariamente pacífica, entre duas formas do livro e os três modos de inscrição e de comunicação de textos: o manuscrito, o impresso, o eletrônico. Esta hipótese é sem dúvida mais razoável que as lamentações sobre a irremediável perda da cultura escrita ou os entusiasmos sem prudência que anunciam a entrada imediata de uma era da comunicação.2

 

            Sabendo-se um momento irremediavelmente de mudanças, novas concepções do que significa “escrever” e “ler” tomam cada vez mais o centro das novas reflexões acerca dos processos diversos que envolvem a comunicação. E, diante disso, surgem novos perfis dos atores sociais envolvidos no processo leitura – criação - escrita que, inevitavelmente, proporcionam um “outro olhar” sobre os textos nas telas dos computadores. Lúcia Santaella ilumina e solidifica esse pensamento, na direção dessa nova forma de se entender tais relações.

É um leitor revolucionariamente novo (...) O internauta está num estado permanente de prontidão perceptiva e sua atividade mental deve estar em prefeita sintonia com as partes motora e cognitiva. A linguagem do mundo digital só existe quando o usuário atua e interfere na mensagem (Santaella, 2001, p. 35).

           

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1 CAGLIARI, L. C. A escrita no século XXI (ou talvez além disso). disponível on-line em http://www.unicamp.br/iel/memoria/Ensaios/cagliari.html..

2 CHARTIER, R. A morte do leitor. Revista Nexus. São Paulo, ano IV, nº 06 - p. 15 - 24, 1º sem. 1997.

3 SANTAELLA,L. Navegando entre Platão e salsichas. Em matéria publicada na Revista da Fapesp, 2001.

 

4. As Mídias Sociais: novos horizontes para o fazer literário___________________

 

                        Apesar de se focar neste artigo o Facebook  pela sua importância no cenário atual, principalmente por amealhar um número gigantesco de usuários e a relação destes com a questão do fazer literário, não se pode deixar aqui de pensar o ato de escrita e de leitura num âmbito mais amplo, num cenário mais largo.

                        Como se afirmou anteriormente, novas tecnologias atraem, naturalmente, novas posturas diante dos mecanismos naturais de comunicação. No campo da literatura, em especial, apesar da sutil configuração artística que a caracteriza, imprime-se uma possibilidade de inovação atraída pelas novas plataformas tecnológicas. Cada vez mais, entende-se que a relação leitor-texto (estendendo-se para conceitos que hoje povoam os estudos linguísticos, tais como “hipertexto” e “hipermídias”) declina novas dinâmicas de produção justamente compatíveis com os instrumentos cada vez mais sofisticados oferecidos pelas redes como, por exemplo, a configuração ousada presente no Twitter e suas implicâncias pedagógicas, por exemplo, que são elementos de incentivo de orientação e produção artística, que concatenam o prazer do aprendizado da língua e suas flexibilização artística. Em pesquisa pioneira realizada pela Universidade de La Plata, na Argentina, no artigo Culturas Escritas y Escuela: Viejas e Nuevas Diversidades, as pesquisadoras Natalia Zuazo e Mirta Castedo traçam um perfil de como o Twitter tornou-se uma ferramenta tecnológica que permite trabalhar com versões reduzidas de diferentes gêneros textuais, como notícias e contos, escritos em até 140 caracteres.

                       

[...] No Twitter temos uma visão muito clara do autor. Ele escreve em primeira pessoa, vemos sua foto, o dia e a hora em que escreve. A ferramenta permite uma interação imediata, não editada, que vai construindo conjuntamente a história.[...] Colocamos os alunos para produzir e, ao fazermos isso, ajudamos a turma a refletir sobre "como se faz", "por quê", "sob quais condições", "quais são os efeitos" etc. Dessa forma, construímos modelos de produção e modelos de produtos. Não se trata apenas de mostrar e de explicar, mas de fazer (ler, escrever, responder, contra-argumentar) e refletir sobre o que se faz. Algo muito importante nesse contexto é fazer comparações: comparamos os tuítes com os relatos mínimos em papel preexistentes; a ironia no tuíte com a ironia em uma nota de jornal; a metáfora do tuíte com a da lírica. Porque o tema em questão não é somente o Twitter, mas a cultura escrita.1

 

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1 Entrevista concedida à revista NOVA ESCOLA, março de 2012, p.12

 

                Não se tenha a dúvida do papel revolucionário oferecido pelas novas mídias e a relação desse produto com novas maneiras de se ver/entender a sociedade, principalmente como efeito pedagógico-cultural. Certamente, ferramentas como Facebook e congêneres trarão- numa curva ascendente, sobre esse oceano imenso que é a comunicação-, novas imagens para as retinas cansadas do mesmo.

 

5. Bibliografia________________________________________________________

CAGLIARI, L. C. A escrita no século XXI (ou talvez além disso). disponível on-line em http://www.unicamp.br/iel/memoria/Ensaios/cagliari.html..

CHARTIER, R. A morte do leitor. Revista Nexus. São Paulo, ano IV, nº 06 - p. 15 - 24, 1º sem. 1997.

SANTAELLA,L. Navegando entre Platão e salsichas. Em matéria publicada na Revista da Fapesp, 2001.

ZUAZO, Natália & CASTEDO, Mirta. Revista Nova Escola. Entrevista concedida em março de 2012, páginas 12 e 13, edição nº 124.

www.estantevirtual.com.br, página principal, 4/5/2012, acessada em 8/5/2012