Clayton Alexandre Zocarato

 

“Drama e prazer na literatura: uma análise do gênero sexual em Os Broquéis de Cruz e Sousa”.

 

“Drama and pleasure in literature: an analysis of gender in The Broqueis and Cruz e Sousa."

 

 

 

Resumo. João da Cruz Sousa, fez de sua poesia um condizente de critica, a uma sociedade enrubescida por elencar um padrão de comportamento centrado no controle das relações sociais entre brancos e negros, isso pode ser percebido em poemas como, “Lésbia”, “Braço” e “Sentimentos Carnais”, de sua obra “Missal / Broquéis (1893 / 1998), onde “o professor do inconsciente”, tem sua intelectualidade centrada em denunciar os prazeres da carne, não como sendo a sexualidade, uma gama de heterogeneidade entre as pessoas, e sim laureada como uma voraz fonte de discriminação, engendrado no branqueamento da população e na desvalorização de um pleito de sociabilidade pluralística de existências humanas em torno de um mesmo espaço urbanístico.        

 Palavras Chave: Literatura, Sexualidade, Simbolismo, Psicologia, Inconsciente.

 

 

 

 

Abstract.João da Cruz e Sousa, made his poetry a consistent critique of the society flushed by casting a pattern of behavior based on control of social relations between blacks and whites, it can be seen in poems such as "Lesbia," "Arm" and "Carnal Feelings" by his "Missal / Broqueis (1893/1998,), where" the teacher of the unconscious, "has focused its intelligentsia to condemn the pleasures of the flesh, not as sexuality, a range of heterogeneity between people, but a winner as voracious source of discrimination, engendered in the bleaching of the population and the devaluation of a pluralistic election of sociality of human existence around the same urban space.         

Keywords: Literature, Sexuality, Symbolism, Psychology, Unconscious.

 

 

 

 

 

 

A poesia do escritor simbolista brasileiro João da Cruz e Sousa (1861-1898) apresenta características marcantes em uma desenfreada luta para afirmação do “negro” em libertar-se do júbilo de inferioridade existencial e moral diante de um eixo populacional exorbitante em sua maioria de descendentes de europeus e contendo forte  e marcante acepção racista, isso pouco tempo de depois da assinatura da Lei Áurea pela princesa Isabel em 1888.

            É marcante a sua busca de alento para demarcar suas origens, no inconsciente da condição humana, exasperando uma intrépida e aguerrida labuta de engendrar uma existência como “ser humano”que não encontra caminhos viáveis diante do momento histórico ao qual viveu, tendo a fusão de dilacerantes mixórdias de desamparo social, e padecendo diante de uma sociedade de mentalidade entalada de indiferença perante a cultura afro-descendente.

            É facultativo dizer que o gênero literário do “Simbolismo”, iniciado por Charles Baudelaire na França encontrou um terreno profícuo para sua consolidação como instrumento de denuncia social no Brasil pós abolicionista, contendo uma estética de escrita designada na procura de “universos psíquicos paralelos”, para extasiar os delírios mentais do cotidiano humano.

             Cruz e Sousa, em seu livro de poemas “Broquéis” (1893/1998), é redundante em almejar um abstrato conceito de formosura de ego, centralizado na frustração de um “subjetivismo’ atolado em ver suas realizações deslocadas somente para o mundo dos sonhos.

            Vejamos que posteriormente ao Simbolismo, Freud (1900/2001) já descrevia que “os sonhos poderiam ter em sua estrutura aspectos de uma frustração coletiva vindo a derivar para revoltas psíquicas com características neuróticas, ou antagonicamente para um desabrochar de intelectualidade pautada em angústia diante da não realização de atos concretos no espaço social dos indivíduos”.

            De fato, Cruz Sousa, envolveu sua poesia como um tipo confissão espiritual para seus fracassos de aceitação social  perante a sociedade carioca do primeiros anos da República, encaminhando paulatinamente a um precipício de conflitos individualistas regrado ao desejo de promoção de sua intelectualidade resignada por suas origens humildes, aquém da centralidade acadêmica.

            A linguagem psicológica de seus poemas como “Lésbia e Sentimentos Carnais”(1893/1998) remete-se a um hedonismo epicurista totalizante, respaldado por uma libido extenuante, como que univocamente existisse o caminho da auto satisfação sexual como fator de vida atuante para seus estados mentais de tormentos contínuos.

“O amor trágico e triste, e passa lenta,”

“A morte, o espasmo gélido, aflitivo...”

 

“Lésbia nervosa, fascinante e doente,”

“Cruel e demoníaca serpente”

“Das flamejantes atrações do gozo.” (1998, p.140).

 

            A citação do amor remete-se a um grau de análise enfocada na carência de uma afetividade, ao qual não se tem um contato com a pessoa amada de forma direta, salientando um universo de fleumáticas miscigenações, entornadas pela questão da cor.

            O amor idealizado, pré-concebido nas entranhas das mulheres brancas, ao qual “o gado humano’ não é digno de ser englobado, restando somente o obscuro antropo do absurdo para amenizar suas dádivas de dor.

            A “Lógica do Absurdo” dentro dos lampejos esteticistas de Cruz e Sousa, procura apresentar uma realidade dialética, perfurada de uma linguagem metafórica concomitantemente interligada a uma filosofia de conduta estigmatizada pelo racismo alternando revolta e angústia, florescendo uma polifonia de “cânone literário”, enrubescido pela desordem, com apelo incessante a quebrar as correntes de subjugação do negro.

.”..Broquéis é a percepção metafórica da realidade, que se acha no cerne da poesia de Cruz e Sousa. Ele não aprende o mundo senão pela transfiguração dos sentidos, pelo envolvimento sensorial com a realidade. Nessa relação, os elementos mais díspares da natureza se associam em poderosas transformações. Sua poesia é uma espécie de espelho no qual imagem do mundo sempre se reflete distorcida.” (Teixeira, 1998, p.18).

           

            Refletir as angústias humanas, como uma ambição de exaltação contra os feixes de perturbação alucinatória da insensibilidade do mundo dos brancos, fez com que Cruz Sousa fizesse de sua obra um objeto de delação das arbitrariedades cometidas contra os negros e da doença do pessimismo discriminatório em aceitar uma integração racial que pleiteasse todos os ângulos de uma congregação civilizatória, englobando todas as pessoas.

            A sexualidade e a exuberância do exotismo de cor fazem de suas poesias acintosamente um júbilo de exaltação, de que sua raça representa somente o âmbito de um escultural cunho de prazer carnal restando muito na vasta maioria das vezes para negras e negros o invólucro caminho da prostituição e da libertinagem

 Gilberto Freyre em “Casa Grande e Senzala” (1933/2000) alicerça um patriarcalismo entre os senhores de terra, contando com uma urbanização carente de planejamento estatal e moral congênito, consternando para que um elitismo colonialista fosse conservado, gerando componentes de resignação a uma agregação de sociabilidade entre paradoxais nichos de indivíduos.

            Contendo esse languido infortúnio da falta de uma conscientização coletiva de uma “democratização” das relações raciais, muitos negros culminaram com o caminho da prostituição como forma de comprometimento de sua impregnação sócio-econômica, levando a disparidades de entrelaçamento entre genealogias populacionais de diferentes origens.

            A literatura de “Broquéis” emana uma ríspida alcunha de promoção dos “desejos’, como um paralelo de confronto entre sonho e realidade.

            De um lado, está concentrada o desejo de liquidar a macula da não aceitação de uma cultura e da tradição de um povo, do outro se encontra a desmoralizante afeição a ver os negros, como objetos de uma satisfação sexual atônita, como sendo um depositário de gozos de sêmen, orientado para a plena alacridade dos brancos.

            “Braços, nervosos, brancas opulências,”

“Alvuras castas, virginais alvuras,”

            “Lactescências das raras latescências.”

 

            “As fascinantes, mórbidas dormências”

            “Dos teus abraços de letais flexuras,”

            “Produzem sensações de agres torturas,”

            “Dos desejos as mornas florescências.” (1998, p.181).

           

            O Decadentismo é algo linear dentro do “Simbolismo”, o gosto pelo extravagante como sendo um artífice para pronunciar o desregrado infortúnio de um domínio do homem sobre outro homem, elenca uma arte voltada para o sentimentalismo frustrante e exacerbado, porém ao contrário da sensação de suicido contido no “Romantismo”, a gênese literária dos simbolistas promove uma alternação de significantes ornando entre a metafísica e o carnal.

            Cruz e Sousa produziu uma métrica poética, discursando entre seus desejos particulares submetido à dimensão sócio-histórica onde o momento em que se escreve, é levado a uma junção entre seus dramas pessoais com os de fatos verídicos.

            Seu lirismo apresenta o emprego da loucura com um misto de sanidade em propiciar para o homem uma concepção estruturalista de planejamento para o progresso de uma fobia sexual do Ébano escravocrata, incidindo uma mimética de realização dos prazeres carnais, levando a um ostracismo de experiência de relacionamentos amorosos e carnais, que não contenham a marca da inferioridade do negro.

            A essa heterogeneidade em consubstanciar o espiritual com o material, transmiti um campo de estrangulamento do caráter linear da estilística de Cruz e Sousa, pois ele culmina por levar sua retórica a campos semânticos angariando ficção e realidade.

            A problemática de elevar a hipótese, que padecendo sobre preconceito racial de sua época, metamorfosearam-se nas conjecturas idealísticas de Cruz de Sousa, mesmo que de forma obscura, o sentimento de desejo em  ser branco, levando a um albinismo apriori de inteligência, adornando uma maiêutica de arquitetura de sublevação existencial pautado na questão da cor.

            É satisfatório afirmar que durante mais de três séculos e meio, o negro foi visto como ser sem alma, dotados de uma agressividade bestial, carente dos bons costumes, submisso e totalizante em defronte os auspícios do “homem civilizado europeu”, cabendo a ele contar somente com a benevolência de algum dono de escravos.

            Cruz e Sousa teve o privilégio, de freqüentar ambientes de uma burguesia ruralista, mas também teve as argúcias de ver-se vaticinado e detido a um condicionamento mental retrogrado de aceitação da ascensão da negritude na “vita activa” brasileira.

            Acabou plasmando sua literatura em balbuciar as agruras dos negros, seu analfabetismo, sua coisificação, seu “não - pensar”, imposto pelas famílias ricas brancas, gerando um processo de aniquilação da cultura afro-brasileira, levando ela para a marginalização e promiscuidade.

            Sua poesia é claramente uma oblação de medo e de fraternidade de idealismo ao fortalecimento de um mundo que pudesse colocar todas as etnias em um mesmo patamar biológico social, retirando os corpúsculos de uma obsedante postura divisão de classes sociais, respaldados pelo racismo.

            É crônico destacar, que dentro dos estudos de psicologia, diante a uma visão alarmante da erradicação do caráter de humanização do negro, sendo tão somente um singelo meio de promoção das satisfações dos brancos, ocorre uma episterme dentro da condução da vida do poeta.

            Mesmo sendo um veemente descritor dos horrores do mundo da escravidão, sua rica gama de intelectualidade foi massageada por ensinamentos vindos do mundo dos brancos, fazendo que com isso ficasse evidenciada em uma patologia de fragmentos literários obstinados em denunciar a grotesca condição dos “ex-escravos”, diante de sua liberdade binária, tendo sua aceitação negada perante a sociedade, às vezes sendo preferível a continuar na redundante batuta de domínio do escravismo, do que ter gozar de uma libertação estereotipada mentalmente.

            Um racismo de resquícios darwinistas, pois em “Broquéis” há uma clara alusão a uma fatoração de comportamentos humanos, paulatinamente levando a desvairada caracterização de uma atomização de sujeitos.

            De um lado a burguesia cristã européia tendo que satisfazer seus anseios carnais, do outros afro-descendentes saindo da chibata de feitores, mas ataviando a um desnivelamento social e psiquiátrico, acometidos pela insana desnacionalização da essência patriótica do negro, irradiando temores de vulgarização plena da cultura praticada nos cativeiros da escravidão, assim também como a destruição de seus desejos e fecundidade com homo-sapiens.

            Um subversivo destaque é enaltecido nesse ponto, pois a avidez em saciar as  vontades carnais, demonstra em grossa amplitude, que o sexo para o negro não está relacionado em alguma forma de protesto, como estupros cometidos contra mulheres brancas, no intuito de causar consternação ao pleito masculino de propagação da diferenciação de cor, pois paradoxalmente os negros são possuídos em demasia contra sua vontade própria, quedando-se a vender seu corpo como forma de obter algum auxílio, matéria, moral ou espiritual.

“Sentimentos carnais, esses que agitam”

“Todo o teu ser e o tornam convulsivo...”

“Sentimentos indômitos que gritam”

“Na febre intensa de um desejo altivo.”

 

“Ânsias mortais, angústias que palpitam,”

“Vãs dilacerações de um sonho esquivo,”

“Perdido, errante, pelos céus, que fitam”

“Do alto, nas almas, o tormento vivo.” (1998, p.181).

           

            Cruz e Sousa transportou para sua poesia o enfático questionamento da inferioridade racial e sexual do negro, porém englobou pontos e discussão em torno da construção de plantéis de uma alucinatória visão de repetição de atos, um mecanicismo influente,que exala o extermínio da construção de comedimentos mentais de erudição de conhecimento, mesmo que, todavia que essa erudição esteja em sintonia de uma aculturação das tradições negras, defronte a sustentabilidade como agente social integrado entre as mais exorbitantes culturas e tradições.

´           Transfigurou seu legado intelectual entre o corpo e a mente, auscultando o sonho e o real, objetivando que tanto no mundo do prazer como no mundo da eloqüência, o negro foi segregado a um contingente de servidão aos lampejos do universo “branco”.

            Destacou o caráter sexual exploratório do negro, resvalando nesse ponto como um divulgador da total flagelo de seus semelhantes, levando ao público o conhecimento de uma necessidade de reformulação do prisma venéreo, já que devido à fáustica carência em se prontificar uma política pública sexual no Brasil, nos primórdios  do Federalismo, houve um alastramento de doenças como sífilis e gonorréia, recaindo sobre os negros a culpa principal pela disseminação dessas moléstias, ocasionando a mutilação e a castração de várias pessoas.

            Diante desse ponto, fez-se necessário uma reformulação nos parâmetros de entendimento da sexualidade na República, chegando o governo de Floriano Peixoto, a proibir com a ameaça de cárcere o relacionamento entre pessoas de diferentes origens, até que as houvesse uma higienização plena de toda população de baixo nível, que em sua maioria era constituída aos grilhões  negros.

“A reforma sexual procura, há séculos, amenizar a miséria sexual. A questão da prostituição e das doenças venéreas, a miséria sexual, o aborto e os crimes sexuais, bem como a questão das neuroses estão sempre no centro do interesse público.” (Reich, 1966, p.65).

 

            O Simbolismo de Cruz Sousa promoveu sistematicamente não tão somente a  nostálgica inferiorização do negro no mundo capitalista, e sim prontificou uma conceitualização de cultura literária resoluta em aspergir suas vidas aos desígnios de um academicismo carente de pluralismos étnicos, tirando os conteúdos sentimentalistas de um amor idealizado, mesclando um profundo ímpeto de revolta e protesto, diante a dificuldade do florescimento de um multiculturalismo conciso.

            Afrânio Coutinho (2004), parafraseando com  Otto Maria Carpeaux, ressalta que o Simbolismo no Brasil foi estrangulado, de certa maneira sua importância foi devidamente outorgada muito tempo depois da vinda de Cruz e Sousa, porém é notório que seus princípios contribuíram sucintamente para o aprimoramento de uma literatura de cunho não somente ficcional e burguês, e sim sendo um entrave de denúncia social e luta pelo abrandamento do preconceito racial.

Bibliografia.

Bosi,  A. (1975). História Concisa da Literatura Brasileira. São Paulo:  Cultrix.

Casais Monteiro, A.  (1965). A Palavra Essencial. São Paulo: Editora da USP.

Coutinho, A. (1955-1997. (2004). A Literatura no Brasil, (7ª Ed). (Vols. 1-4). São Paulo: Global.

Cruz e Sousa, J.(1998). Missal/Broquéis, (Organização e Prefácio de Ivan Teixeira). São Paulo: Martins Fontes.

Dantas, J.M.S, Quesado, J.C.B, Silva, & A.V. (1975). Desconstrução/Construção no Texto Lírico. Rio de Janeiro: Livraria Francisco Alves Editora S.A.

França, M.I. (org). (1995). Desejo, Barbárie e Cidadania.  Petrópolis, RJ: Vozes.

Freyre, G.(2000). Casa Grande e Senzala (34ª Ed) . São Paulo: Globo.

Freud, S. (2001).  A Interpretação dos Sonhos. Rio de Janeiro: Imago Editora.

Reich ,W. (1966). A Revolução Sexual. São Paulo: Círculo do Livro S.A.

Tavares ,H (1978) . Teoria Literária. Belo Horizonte, MG : Editora Itatiaia Ltda.