O presente artigo tem por escopo apresentar uma análise acerca do que representaria o conteúdo da conversa divulgada na data de 25/05/2016[1], entre Renan Calheiros (PMDB-AL) e ex-presidente da Transpetro Sérgio Machado (ex-presidente que tem negociado com a Procuradoria-Geral da República um acordo de delação premiada desde março[2]), para a tese do "golpe" sustentada pelos defensores do governo Dilma e uma possível tentativa de implementação forçada do Parlamentarismo no Brasil.

           Inicialmente, faz-se imprescindível enaltecer o caráter revigorante de se deparar com mudança de postura de muitas pessoas que, em que pese repudiarem (ou, sequer, terem analisado com maior cautela) a divulgação do conteúdo do áudio estarrecedor entre Dilma e Lula em 16 de março de 2016[3] - sob a argumentação de que seriam defensores do Estado Democrático[4], presumindo, ou mesmo sustentando expressamente, a ilegalidade da referida divulgação -, apresentaram comportamento diverso diante da divulgação, no dia 23 de maio de 2016, da conversa entre Romero Jucá (PMBD-RR) e Sérgio Machado pela Folha de São Paulo[5].

           Em princípio, preocupavam-se, antes de qualquer coisa, com formalidades e legalidades da gravação entre Dilma e Lula. No caso envolvendo Jucá e Machado passaram a se preocupar, também e finalmente, com o conteúdo, superando a questão da formalidade (seja porque presumem a legalidade e a legitimidade da divulgação até eventual comprovação em sentido diverso, seja porque entendem que, diante da revelância, o conteúdo é mais importante do que uma possível ilegalidade).

           Pois bem. Eis que, dois dias após a divulgação dos áudios comprometedores entre Romero Jucá (PMDB-RR) e o ex-presidente da Transpetro Sérgio Machado, o povo brasileiro se depara com novo áudio de Sérgio Machado. Só que, dessa vez, envolvendo o Presidente do Senado Federal, Renan Calheiros. Áudio também extremamente revelador e comprometedor. E, novamente, percebeu-se que o silêncio eloquente reinou (e ainda reina) por parte dos apoiadores do governo Dilma. A esperança de que se tivesse superado ideologias partidárias em prol do bem do País restou um pouco frustrada, verificando-se que a presenciada indignação destes ainda é, de fato, muito limitada e enraizada a sentimentos partidários. De maneira reiterada, presencia-se a tão falada indignação seletiva e cegueira deliberada.

           Dentre as muitas coisas tratadas no áudio, Renan Calheiros demonstrou preocupação com o instituto da delação premiada, informando ser favorável à mudança na legislação para que se pudesse impedir que um preso se tornasse delator, como o que é presenciado na Operação Lava Jato. Por quê?

           Seria possível ter relação com o "terror" decorrente da Operação Lava Jato, que tem promovido uma exposição comprometedora e devastadora para os políticos que estão há tempo no Poder, utilizando de seus cargos e funções em interesses alheios ao público? Não deveriam suas atitudes serem dotadas de transparência e de publicidade? O incômodo não seria indicativo de que tem muita coisa por "debaixo dos panos"?

           Aliás, a publicidade, em âmbito público é a regra. Não fosse assim, não seria o Princípio da Publicidade um dos princípios basilares da Administração Pública, previsto no "caput" do art. 37 da Constituição Federal de 1988 (onde também se encontram os princípios da moralidade, da legalidade, da impessoalidade e da eficiência). Veja:

Art. 37: "A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência e, também, ao seguinte" - grifos acrescidos.

           Ainda sobre a publicidade, é importante fazer uma breve ponderação acerca dos atos praticados pelo Judiciário, sobretudo porque muito tem sido questionado sobre a violação do direito à privacidade na operação Lava Jato. Como se não bastasse a lógica trazida de que a publicidade é a regra no âmbito da Administração Pública, sendo o sigilo sua exceção, imperiosa se faz a apresentação de outros dispositivos que complementam o art. 37 supra mencionado. Na própria Constituição Federal, encontra-se outro dispositivo, em capítulo específico que trata do Poder Judiciário, qual seja, o art. 93, IX, que dispõe o seguinte:

Art. 93: "Lei complementar, de iniciativa do Supremo Tribunal Federal, disporá sobre o Estatuto da Magistratura, observados os seguintes princípios:

(...)

IX: todos os julgamentos dos órgãos do Poder Judiciário serão públicos, e fundamentadas todas as decisões, sob pena de nulidade, podendo a lei limitar a presença, em determinados atos, às próprias partes e a seus advogados, ou somente a estes, em casos nos quais a preservação do direito à intimidade do interessado no sigilo não prejudique o interesse público à informação"  (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 45, de 2004) - grifos acrescidos.

          

           Note-se que a Constituição, em um raro momento, fez expressa adesão ao interesse público à informação em detrimento, até mesmo, da privacidade. Isso, quando esta é existente - o que não é o caso. São agentes públicos, atuando no exercício de suas funções - ou em razão delas -, não havendo o que se falar em privacidade. E, ainda: praticando atos contrário ao interesse público (como se não fosse suficiente a nítida violação do Princípio da Moralidade administrativa).

           Sobre o acesso à informação, interesse público e interesse do público, o brilhante professor de Direito Constitucional, Manoel Jorge e Silva Neto:

“...encontram-se, em tema de direito à informação jornalística, em posições diametralmente opostas, com o perdão do trocadilho, o interesse público e o interesse do público. ...

Supõe-se que o nível de exposição ao qual ficam submetidos os indivíduos famosos determina a legitimidade de restrição do seu espaço íntimo; supõe-se, ademais, existir o direito de a comunidade acompanhar, passo a passo, as pessoas notáveis, mediante a divulgação de detalhes de sua vida afetiva, hábitos, opção sexual ou vícios.

Sucede que os órgãos de comunicação, a pretexto de viabilizar o direito fundamental de acesso à informação, não podem embaralhar o que, efetivamente, é interesse público daquilo que corresponde à mera curiosidade.

Na aparente contraposição entre o direito à intimidade de pessoas famosas e o direito à informação jornalística, estamos convictos de que a suposta antinomia se resolverá mediante a aplicação do princípio da necessidade, que consiste no exame, caso a caso, acerca da real necessidade de divulgação da notícia.”[6]

           Se ainda não fosse suficiente, há, na Lei de Acesso à Informação (Lei n. 12.527/11), o seguinte dispositivo:

Art. 8º: "É dever dos órgãos e entidades públicas promover, independentemente de requerimentos, a divulgação em local de fácil acesso, no âmbito de suas competências, de informações de interesse coletivo ou geral por eles produzidas ou custodiadas". 

           Portanto, resta nítida a desvirtuação da concepção de publicidade que tem tentado ser estabelecida acerca das figuras públicas no exercício ou em razão de suas funções, sendo, ao menos, suspeitas as atitudes contrárias às divulgações dos áudios e das celebrações dos acordos de delação premiada (e os de leniência) para limitar o acesso da população ao contexto de corrupção generalizada ao qual está inserida e submetida, lembrando-se que a transparência tem ajudado, e muito, nos esclarecimentos de questões extremamente relevantes para os brasileiros.

           Aliás, o acesso à informação garante efetividade ao direito à verdade, direito, esse, de quarta dimensão, que foi (e ainda é?) uma ideia, muito defendida e entoada pelo governo do Partido dos Trabalhadores. Mas e quando o direito à verdade entra em conflito direto com a descoberta dos escândalos de corrupção envolvendo o partido e seus integrantes? Será que se pode afirmar, categoricamente, que os políticos buscam o "direito à verdade"? Se sim... de maneira absoluta ou de forma extremamente conveniente?

           Degradantemente, percebe-se que o "direito à verdade" é defendido mais como um "clichê" e uma fingida honestidade, já que sua defesa e propagação sempre tem, em seu entorno, atos de seletividade extrema. Não fosse assim, não se depararia com tantos entraves, jogos, articulações e disputas para que as investigações fossem barradas, e que a divulgação de conteúdos de áudios e de delações (e acordos de leniência) fossem, inclusive, estimuladas. Certo? Certamente, não é isso que se tem presenciado.

           Além das exposições trazidas pela Operação Lava Jato que demonstram, nitidamente, a corrupção que vem assolando o Brasil há décadas, tem-se como fato comprovado que as tentativas de boicote à Lava Jato entram em conflito direto com o tão - abstratamente - sustentado "direito à verdade".

           E a predominância do silêncio dos políticos quanto à corrupção que envolve seus respectivos partidos (querendo denunciar, apenas, a corrupção que envolve partidos "adversários"), deveria ser algo revoltante para todos os brasileiros, que são representados por todos aqueles - eleitos para atuar em nome do povo, de forma idônea, íntegra, proba e correta -.

           Infelizmente, esse silêncio é prática corriqueira entre os governantes, podendo-se citar, nesse momento, transcrição de trecho da entrevista realizada em 18 de agosto de 2014 no Jornal Nacional entre William Bonner, Patrícia Poeta e Dilma Rousseff (quando ainda candidata à reeleição), onde esta deixa bastante clara a ideia de que quando a corrupção envolve seu partido, ela prefere se calar:

"BONNER - Seu partido teve um grupo de elite de pessoas corruptas, comprovadamente corruptas, -eu digo isso porque são julgadas, condenadas e mandadas para a prisão pela mais alta Corte do Judiciário Brasileiro. Eram corruptos - e o seu partido tratou esses condenados por corrupção como guerreiros, como vítimas, como pessoas que não mereciam esse tratamento. Vítimas de injustiça. A pergunta que eu lhe faço: Isso não é ser condescendente com a corrupção, candidata?

DILMA - Eu vou te falar uma coisa, Bonner, eu sou Presidente da República. Eu não faço nenhuma observação sobre os julgamentos realizados pelo Supremo Tribunal, por um motivo muito simples. Sabe por que, Bonner? Porque a Constituição, ela exige que o Presidente da República - como exige dos demais, é, chefes de poder -, que nós respeitemos e consideremos a importância da autonomia dos outros órgãos...

BONNER - Então a senhora condena a postura do PT nesse caso.

DILMA - Eu não julgo ações do Supremo. Eu tenho as minhas opiniões pessoais. E enquanto...

BONNER - Mas e a ação do seu partido? A senhora condena essa ação?

DILMA - Enquanto eu for Presidente, eu não externo opinião a respeito de julgamento do Supremo. E, vou te dizer, Bonner, (risos), não é a primeira vez que eu respondo isso, eu, durante o processo inteiro, não manifestei nenhuma opinião sobre o julgamento.

BONNER - Mas candidata... a pergunta que eu lhe fiz foi sobre a postura do seu partido. Qual a sua posição a respeito da postura do seu partido?

DILMA - Respeito... eu respeito... Eu não vou tomar nenhuma posição, Bonner, que me coloque em confronto, conflito, é, ou, aceitando ou não. Eu respeito a decisão da Suprema Corte Brasileira. Isso não é uma questão subjetiva. Para me exercer o cargo de Presidência, eu tenho de fazer isso"[7].

           Como se não bastasse, é sabido o quanto o partido da Presidente afastada é crítico à Operação Lava Jato[8]. Logo, a afirmação que apenas um pequeno e determinado grupo de pessoas querem obstruir a Operação não passa de demagogia. Deve-se lembrar de quem sempre tentou boicotar a Lava Jato e o juiz Sérgio Moro, inclusive. Para uma análise mais racional, um exercício de alteridade seria primordial.

           Os políticos (e outros particulares) querem parar a Lava Jato? Mas é claro! E qual político, ali envolvido, que não quer?

           É possível perceber vários defensores do governo de Dilma dizendo que a Lava Jato tem fins políticos, perseguindo, somente, o (pobre coitado) do PT! Alguém ainda acredita nesse discurso?

           Se você é um dos que acredita, vamos a alguns dados que, talvez, façam-no mudar de ideia: o total de acusados na operação, por enquanto, são 207, sendo 105 já estão condenados em primeira instância[9].

           Exatamente! Até agora, há 105 condenações definidas pela 13ª Vara Federal Criminal de Curitiba, resultando em penas que somam 1.133 anos, sete meses e 11 dias (há ainda quem pergunte por onde anda Sérgio Moro... trabalhando, talvez?).

           Aqui, após trabalhadas as questões da corrupção, do silêncio oportuno quanto aos escândalos que envolvem "os seus", mas que denunciam com unhas e dentes "os outros", do direito à verdade, do acesso à informação e dos boicotes à Lava Jato, imprescindível se faz falar a respeito da "mídia", principalmente por ser algo muito trabalhado no áudio divulgado entre Renan Calheiros e Sérgio Machado.

           É notório que a mídia é uma forma de poder, que pode servir - e em vários momentos serve, de fato - como um instrumento de manipulação. Há vários fatos que podem ser citados nesse sentido, seja contra ou a favor do governo. Entretanto, necessário se faz falar acerca de algumas mídias específicas, sobretudo da Rede Globo. Os defensores do governo, intensificado desde a época das eleições, dizem ser a Rede Globo "golpista", "manipuladora", "seletiva", "apoiadora do golpe fascista", aquela que pratica o "nazijornalismo", etc[10]. No entanto, não é essa a impressão que se tem da respectiva emissora.

           Não é porque se fala "mal" ou se critica o governo, que, necessariamente, as informações passadas se tornam falaciosas ou mesmo desprovidas de dados e provas concretas. É, de fato, um mecanismo bastante interessante a utilização de termos pejorativos para depreciar aquilo que se tenta veementemente repudiar (repúdio esse que nem sempre se dá por questões efetivamente providas de razão, e, sim, de dominação e doutrinação ideológica). Perceba: quanto mais as incoerências, as mentiras, a corrupção e o comprometimento do partido e de seus quadros começaram a se propagar, quanto maior o incômodo, maior o aumento das inflamadas críticas, dos discursos odiosos e da agressividade.

           Uma ponderação, nesse mister, é elementar: considerando que, sobretudo, a Rede Globo seja "golpista", o governo e seus apoiadores contra tal "golpe", tentariam dialogar e, quem sabe, tentar um "acordo"? Fazer uma solicitação direta e expressa de "influência"?

           Imperiosa a demonstração de um trecho da gravação entre Renan e Machado para, ao menos, suscitar um pouco de questionamento no que tange às verdades "únicas", "simplistas" e "absolutas" que se tem propagado ao léu para se tratar de questões e de conspirações tão complexas:

"MACHADO - Renan, só se fosse imbecil. Como é que tu vai sentar numa mesa para negociar e diz que está ameaçado de preso, pô? Só quem não te conhece. É um imbecil.

RENAN - Tem que ter um fato contra mim.

MACHADO - Mas mesmo que tivesse, você não ia dizer, p*, não ia se fragilizar, não é imbecil. Agora, a Globo passou de qualquer limite, Renan.

RENAN - Eu marquei para segunda-feira uma conversa inicial com [inaudível] para marcar... Ela me disse que a conversa dela com João Roberto [Marinho] foi desastrosa. Ele disse para ela... Ela reclamou. Ele disse para ela que não tinha como influir. Ela disse que tinha como influir, porque ele influiu em situações semelhantes, o que é verdade. E ele disse que está acontecendo um efeito manada no Brasil contra o governo.

MACHADO Tá mesmo. Ela acabou. E o Lula, como foi a conversa com o Lula?

RENAN - O Lula está consciente, o Lula disse, acha que a qualquer momento pode ser preso. Acho até que ele sabia desse pedido de prisão lá..." - grifos acrescidos.

"MACHADO - Não dá pra ficar como está, precisa encontrar uma solução, porque se não vai todo mundo... Moeda de troca é preservar o governo [inaudível].

RENAN - [inaudível] sexta-feira. Conversa muito ruim, a conversa com a menina da Folha... Otavinho [a conversa] foi muito melhor. Otavinho reconheceu que tem exageros, eles próprios tem cometido exageros e o João [provável referência a João Roberto Marinho] com aquela conversa de sempre, que não manda. [...] Ela [Dilma] disse a ele 'João, vocês tratam diferentemente de casos iguais. Nós temos vários indicativos'. E ele dizendo 'isso virou uma manada, uma manada, está todo mundo contra o governo.'

MACHADO - Efeito manada.

RENAN - Efeito manada. Quer dizer, uma maneira sutil de dizer "acabou", né." - grifos acrescidos.

           Mas no que os áudios envolvendo Renan Calheiros e Sérgio Machado influenciam na tese do "golpe"? Bom. Diante de todo o contexto político e jurídico que se tem presenciado, novamente, depara-se com a ideia de que, se existe um "golpe" nessa história toda, sabe quem é (são) responsável (eis) por ele?

           A classe dos políticos (mesmo daqueles que fingem ser oposição apenas por oportunismo) contra o povo! Enquanto eles mantém a população dividida, segregada e se "digladiando", fazem um "grande acordo", um "pacto"! O áudio trabalhado neste artigo, é apto, por si só, a demonstrar a imensa preocupação dos interlocutores com o possível alcance da operação Lava Jato, demonstrando um quadro de que todos, cada um a seu nível, estão envolvidos e comprometidos, podendo não sobrar um sequer caso as investigações continuem com a mesma rapidez e eficiência.

           E se os políticos estão com o medo demonstrado, não só, mas também nesse áudio... deveria tal fato ser visto com bons olhos por toda a população, que diz repudiar a corrupção, não? É maravilhoso! Sensacional! O diálogo expressa que, indubitavelmente, está-se chegando cada vez mais perto da exposição e da comprovação da corrupção praticada por eles... a população, a mídia, os críticos, todos eles, estão, sim, incomodando a "classe política". Observe:

"MACHADO - Me disseram que vai. Dentro da leniência botaram outras pessoas, executivos para falar. Agora, meu trato com essas empresas, Renan, é com os donos. Quer dizer, se botarem, vai dar uma m* geral, eu nunca falei com executivo.

RENAN Não vão botar, não. [inaudível] E da leniência, detalhar mais. A leniência não está clara ainda, é uma das coisas que tem que entrar na[11]...

MACHADO - ...No pacote.

RENAN - No pacote.

MACHADO - E tem que encontrar, Renan, como foi feito na Anistia, com os militares, um processo que diz assim: 'Vamos passar o Brasil a limpo, daqui para frente é assim, pra trás...' [bate palmas] Porque senão esse pessoal vão ficar eternamente com uma espada na cabeça, não importa o governo, tudo é igual.

RENAN - [concordando] Não, todo mundo quer apertar. É para me deixar prisioneiro trabalhando. Eu estava reclamando aqui.

MACHADO - Todos os dias.

RENAN - Toda hora, eu não consigo mais cuidar de nada.

[...]

MACHADO - E tá todo mundo sentindo um aperto nos ombros. Está todo mundo sentindo um aperto nos ombros.

RENAN - E tudo com medo.

MACHADO - Renan, não sobra ninguém, Renan!

RENAN - Aécio está com medo. [me procurou] 'Renan, queria que você visse para mim esse negócio do Delcídio, se tem mais alguma coisa.'

MACHADO - Renan, eu fui do PSDB dez anos, Renan. Não sobra ninguém, Renan".

           Se você analisa esse diálogo e não entende que é "tudo uma coisa só" e que vários integrantes de partidos, de uma maneira geral (seja do PT, do PMDB, do PSDB, do PP), estão envolvidos... ou você é uma pessoa inocente (e já passou da hora de abrir os olhos) ou você é dotado de uma surpreendente parcialidade, indignação seletiva e cegueira deliberada.

           E, nesse caso, sinto por você... que coloca o partido na frente do País! Sinto, mais ainda, por você que coloca uma "estrela" no peito em defesa da constituição cidadã e de uma suposta "democracia"...  sabe por quê?

           Porque além de Dilma não ter lutado pela democracia e, sim, pela implementação da ditadura comunista (como já se confirmou exaustivamente pelas mídias sociais, inclusive, por manifestação expressa do Eduardo Jorge[12], candidato à Presidência em 2014 pelo PV), o PT, "partido preocupado com a defesa da Constituição de 1988", recusou-se, enquanto pôde, a assiná-la, apenas pelo gosto de praticar a vazia forma da "oposição por oposição".

           De acordo com o próprio ex-Presidente Luiz Inácio Lula da Silva, em reportagem publicada pelo G1:

“Se o nosso regimento fosse aprovado e a nossa Constituição certamente seria ingovernável porque nós éramos muito duros na queda e nós éramos muito exigentes”.

“Como o PT tinha um projeto de Constituição, nós votamos contra o projeto apresentado pelo nosso querido relator e depois nós assinamos a Constituição. Nós votamos contra porque queríamos o mais radical, queríamos uma coisa mais forte, que não foi possível porque só tínhamos 16 deputados”[13].

           A Democracia corre, sim, riscos. Mas não pela argumentação exaustivamente exposta pelo governo do Partido dos Trabalhadores. E é, aqui, que se inicia a questão final do presente artigo: uma possível conspiração para a implementação forçada do parlamentarismo (ou do semi-parlamentarismo) no Brasil, por ato de um governante que tenta, por meios escusos e não institucionais (elemento que a ciência política usa até para definir "golpe"), revogar uma decisão tomada pelo povo diretamente através do plebiscito, como foi a opção pelo presidencialismo em detrimento do parlamentarismo.

           Que tal um pouco de "teoria da conspiração", já que está na "moda"?

           Diante de todas as comprovações de corrupção generalizada, de todas as informações obtidas através de documentos e dos áudios divulgados, de todas as condenações, afastamentos e cassações que têm sido presenciadas, é impossível se chegar à outra conclusão que não essa: se há um "golpe" em curso, esse "golpe" é praticado pela classe política (como um todo) contra a população, utilizando, para tanto, de uma falsa "guerra" e uma falsa "situação/oposição" para manter esta ocupada com enfrentamentos e brigas ideológicas, criando, portanto, uma forte polarização social.

           Mantendo todos os governados entretidos com toda essa "novela mexicana", cheia de reviravoltas e intrigas, os governantes se aproveitam da insatisfação popular, da crise de representatividade e da descrença para com o sistema de governo para, nos bastidores, tentarem emplacar uma nova ideia que, prima facie, parece a solução de muitos dos problemas quando, em verdade, tudo não passa de uma cortina de fumaça.

           Para que a ideia do parlamentarismo ou do semi-parlamentarismo desse certo, inicialmente, já se encontra um obstáculo, qual seja, a proposta não poderia partir do Partido dos Trabalhadores. Pareceria extremo oportunismo, mormente, com a crescente rejeição do governo - que está se tornando cada dia mais insustentável - e após a tentativa de nomeação do ex-presidente Lula para o cargo de Ministro da Casa Civil.

           Como ocultar a intenção de tal implementação, então? Qual partido levantaria a menor suspeita levando a proposição de um novo sistema de governo? Ninguém melhor do que a maior "oposição", correto? E qual a maior e mais persistente polarização que se vê há tempos na política? PT x PSDB?

           Pois então. Curiosamente, a última proposta de Emenda Constitucional (a PEC 09/2016[14]) foi apresentada, nada mais, nada menos do que, pelo senador Aloysio Nunes (PSDB-SP) - candidato à vice-presidente da República na chapa de Aécio Neves nas eleições de 2014 -, em 09 de março de 2016. Com um sedutor discurso, o senador em questão sustenta que "a instituição do parlamentarismo no Brasil não é solução para a atual crise política que o país passa, mas é uma solução para crises institucionais semelhantes. Com o parlamentarismo, aumenta a responsabilidade do Congresso Nacional para a estabilidade do país"[15].

           Antes de se continuar o raciocínio, deve ser adicionado à informação acima o fato de o senador Aécio Neves ter sido, pessoalmente, citado em vários escândalos de corrupção, tendo seu nome aparecido, reiteradamente, na Operação Lava Jato e nos áudios de conhecimento público. Observe o áudio objeto de análise nesse artigo e perceba que ocorre uma forte articulação entre os mais variados políticos para que todos se livrem das acusações e as coisas permaneçam da mesma maneira que antes:

"MACHADO - É o seguinte, o PSDB, eu tenho a informação, se convenceu de que eles é o próximo da vez.

RENAN - [concordando] Não, o Aécio disse isso lá. Que eu sou a esperança única que eles têm de alguém para fazer o...

MACHADO - [Interrompendo] O Cunha, o Cunha. O Supremo. Fazer um pacto de Caxias, vamos passar uma borracha no Brasil e vamos daqui para a frente. Ninguém mexeu com isso. E esses caras do...

RENAN - Antes de passar a borracha, precisa fazer três coisas, que alguns do Supremo [inaudível] fazer. Primeiro, não pode fazer delação premiada preso. Primeira coisa. Porque aí você regulamenta a delação e estabelece isso.

MACHADO Acaba com esse negócio da segunda instância, que está apavorando todo mundo.

(...)

MACHADO - [...] Como é que uma presidente não tem um plano B nem C? Ela baixou a guarda. [inaudível]

RENAN - Estamos perdendo a condição política. Todo mundo.

MACHADO - [inaudível] com Aécio. Você está com a bola na mão. O Michel é o elemento número um dessa solução, a meu ver. Com todos os defeitos que ele tem.

(...)

MACHADO - A bola está no seu colo. Não tem um cara na República mais importante que você hoje. Porque você tem trânsito com todo mundo. Essa tua conversa com o PSDB, tu ganhou uma força que tu não tinha. Então [inaudível] para salvar o Brasil. E esse negócio só salva se botar todo mundo. Porque deixar esse Moro do jeito que ele está, disposto como ele está, com 18% de popularidade de pesquisa, vai dar m*. Isso que você diz, se for ruptura, vai ter conflito social. Vai morrer gente.

(...)

MACHADO - E tá todo mundo sentindo um aperto nos ombros. Está todo mundo sentindo um aperto nos ombros.

RENAN - E tudo com medo.

MACHADO - Renan, não sobra ninguém, Renan!

RENAN - Aécio está com medo. [me procurou] 'Renan, queria que você visse para mim esse negócio do Delcídio, se tem mais alguma coisa.'

MACHADO - Renan, eu fui do PSDB dez anos, Renan. Não sobra ninguém, Renan" - grifos acrescidos.

           Continuando. Passada a questão de os políticos estarem de acordo com a implementação do parlamentarismo ou do semi-parlamentarismo, deve ser analisada a tentativa de nomeação de Lula para Ministro da Casa Civil em 17 de março de 2016[16] (coincidentemente em um curto intervalo de, apenas, oito dias após a apresentação da PEC 09/2016).

           E o que tem a ver esse fato com a "conspiração" da implementação do parlamentarismo/semi-parlamentarismo?

           Bom, no caso da implementação do parlamentarismo, haveria a necessidade da nomeação de um primeiro-ministro, não? E quem seria o primeiro-ministro? O ministro da Casa Civil? Olha só! Curiosamente, quem foi nomeado[17] para o referido cargo? Luiz Inácio Lula da Silva.

           Ainda em dúvida sobre a tentativa de se alterar o sistema de governo, articulando com o ex-presidente Lula, com a finalidade de salvar todo mundo? Demonstra-se, então, mais um trecho da conversa entre Renan e Machado que pode retirar mais um pouco da impossibilidade desse cenário:

"MACHADO Tá mesmo. Ela acabou. E o Lula, como foi a conversa com o Lula?

RENAN - O Lula está consciente, o Lula disse, acha que a qualquer momento pode ser preso. Acho até que ele sabia desse pedido de prisão lá...

MACHADO - E ele estava, está disposto a assumir o governo?

RENAN - Aí eu defendi, me perguntou, me chamou num canto. Eu acho que essa hipótese, eu disse a ele, tem que ser guardada, não pode falar nisso. Porque se houver um quadro, que é pior que há, de radicalização institucional, e ela resolva ficar, para guerra...

MACHADO - Ela não tem força, Renan.

RENAN Mas aí, nesse caso, ela tem que se ancorar nele. Que é para ir para lá e montar um governo. Esse aí é o parlamentarismo sem o Lula, é o branco, entendeu?

MACHADO - Mas, Renan, com as informações que você tem, que a Odebrecht vai tacar tiro no peito dela, não tem mais jeito.

RENAN - Tem não, porque vai mostrar as contas. E a mulher é [inaudível].

MACHADO - Acabou, não tem mais jeito. Então a melhor solução para ela, não sei quem podia dizer, é renunciar ou pedir licença.

RENAN - Isso [inaudível]. Ela avaliou esse cenário todo. Não deixei ela falar sobre a renúncia. Primeiro cenário, a coisa da renúncia. Aí ela, aí quando ela foi falar, eu disse, 'não fale não, pelo que conheço, a senhora prefere morrer'. Coisa que é para deixar a pessoa... Aí vai: impeachment. 'Eu sinceramente acho que vai ser traumático. O PT vai ser desaparelhado do poder'.

MACHADO - E o PT, com esse negócio do Lula, a militância reacendeu.

RENAN - Reacendeu. Aí tudo mundo, legalista... Que aí não entra só o petista, entra o legalista. Ontem o Cassio falou.

(...)

 

MACHADO - Eu nunca vi um Supremo tão m*, e o novo Supremo, com essa mulher, vai ser pior ainda. [...]

MACHADO - [...] Como é que uma presidente não tem um plano B nem C? Ela baixou a guarda. [inaudível]

RENAN - Estamos perdendo a condição política. Todo mundo.

(...)

 

MACHADO - A bola está no seu colo. Não tem um cara na República mais importante que você hoje. Porque você tem trânsito com todo mundo. Essa tua conversa com o PSDB, tu ganhou uma força que tu não tinha. Então [inaudível] para salvar o Brasil. E esse negócio só salva se botar todo mundo. Porque deixar esse Moro do jeito que ele está, disposto como ele está, com 18% de popularidade de pesquisa, vai dar m*. Isso que você diz, se for ruptura, vai ter conflito social. Vai morrer gente.

RENAN Vai, vai. E aí tem que botar o Lula. Porque é a intuição dele...

MACHADO Aí o Lula tem que assumir a Casa Civil e ser o primeiro ministro, esse é o governo. Ela não tem mais condição, Renan, não tem condição de nada. Agora, quem vai botar esse guizo nela?

RENAN - Não, [com] ela eu converso, quem conversa com ela sou eu, rapaz.

MACHADO - Seguinte, vou fazer o seguinte, vou passar no presidente, peço para ele marcar um horário na casa do Romero.

RENAN - Ou na casa dele. Na casa dele chega muita gente também.

MACHADO - É, no Romero chega menos gente.

RENAN - Menos gente.

MACHADO Então marco no Romero e encontra nós três. Pronto, acabou. [levanta-se e começam a se despedir] Amigo, não perca essa bola, está no seu colo. Só tem você hoje. [caminhando] Caiu no seu colo e você é um cara predestinado. Aqui não é dedução não, é informação. Ele está querendo me seduzir, p*.

RENAN Eu sei, eu sei. Ele quem?

MACHADO - O bicho daqui, o Janot.

(...)

MACHADO - [...] A meu ver, a grande chance, Renan, que a gente tem, é correr com aquele semi-parlamentarismo...

RENAN - Eu também acho.

MACHADO - ...paralelo, não importa com o impeach... Com o impeachment de um lado e o semi-parlamentarismo do outro.

RENAN Até se não dá em nada, dá no impeachment.

MACHADO - Dá no impeachment.

RENAN É plano A e plano B.

MACHADO - Por ser semi-parlamentarismo já gera para a sociedade essa expectativa [inaudível]. E no bojo do semi-parlamentarismo fazer uma ampla negociação para [inaudível].

RENAN - Mas o que precisa fazer, só precisa três três coisas: reforma política, naqueles dois pontos, o fim da proibição..." - grifos acrescidos.

           Pode ser algo nada além de uma mera "teoria conspiratória"? Claro! Cada um é livre para acreditar no que entender por certo.

           Mas falar o que, depois disso?

           Quer ruptura institucional maior do que alterar o sistema de governo que, além de modificar as relações entre dois dos três Poderes da República, é opção decorrente da soberania popular - que, diretamente, expressou, através de plebiscito, sua opção tanto pela Forma de Governo República quanto pelo Sistema de Governo Presidencialista (em detrimento do parlamentarismo) em 21 de abril de 1993[18] [19]?

           Quer mesmo falar sobre democracia e "golpe"?

           Uma simples "ida" à ciência política responderia muita coisa à você, que diz ser contra o impeachment (constitucionalmente previsto e seguidor do rito estabelecido pelo STF) por ser uma ruptura institucional, um "golpe", mas que defende Recall, eleição antecipada (ambos sem previsão constitucional[20]) e um parlamentarismo informalizado.

           Pensar e ponderar, nunca é demais!

           Que todos os corruptos, comprovadamente culpados, sejam cassados e punidos! E que possamos, um dia, ver o Brasil livre da corrupção que o assola e que o faz sangrar há muito tempo.



[1] Áudio disponibilizado em várias mídias. Coloca-se, aqui, apenas um dos locais onde o conteúdo pode ser analisado na íntegra da divulgação: https://www.youtube.com/watch?v=7koFMZVFgwc. Pesquisado em 25/05/2016.

[2] http://blogs.oglobo.globo.com/lauro-jardim/post/sergio-machado-gravou-tambem-sarney-e-renan-saiba-os-detalhes-da-delacao-do-ex-presidente-da-transpetroi.html.

[3] http://www.valor.com.br/video/4804399182001/escute-o-audio-da-conversa-entre-lula-e-dilma-rousseff

[4]  O que não deveria ser dissociado do Estado Democrático E DE DIREITO.

[5] http://www1.folha.uol.com.br/poder/2016/05/1774018-em-dialogos-gravados-juca-fala-em-pacto-para-deter-avanco-da-lava-jato.shtml.

[6] SILVA NETO, Manoel Jorge e. Curso de Direito Constitucional. 3ª edição. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2008, p. 659.

[7] Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=NlZACRPd_Aw. Pesquisado em: 26/05/2016. Trecho transcrito se encontra, especialmente, entre o tempo 05:33 a 07:39.

[8] http://congressoemfoco.uol.com.br/noticias/juizes-federais-refutam-criticas-do-pt-a-operacao-lava-jato/.

[9] Informações podem ser obtidas no site http://lavajato.mpf.mp.br/#.

[10] Uma rápida pesquisa pelas redes e mídias sociais é suficiente para perceber essas e tantas adjetivações à Rede Globo por parte dos apoiadores do governo do Partido dos Trabalhadores.

[11] Sobre a delação premiada e o acordo de leniência, é preciso, ainda, uma rápida contextualização acerca da insistente necessidade, seja do Partido dos Trabalhadores, seja de políticos específicos como Renan Calheiros e José Sarney, seja de pessoas como Sérgio Machado, para que seja aprovada o mais rápido possível uma nova medida, um novo projeto, que dificulte a delação premiada, visando proibir, inclusive, delação de quem estiver preso, assim como a aprovação do projeto de leniência na câmara porque o quanto antes.

http://politica.estadao.com.br/noticias/geral,projetos-buscam-restringir-e-regulamentar-acordos-de-delacoes-premiadas,10000019753.
Novo áudio divulgado entre Renan Calheiros e José Sarney complementa a trama:

https://www.facebook.com/mblivre/videos/378322648958551/.

http://g1.globo.com/bom-dia-brasil/noticia/2016/05/gravacoes-indicam-acao-de-renan-e-sarney-para-interferir-na-lava-jato.html.

[12] https://www.youtube.com/watch?v=H5h4xW558hk.

[13] http://g1.globo.com/jornal-nacional/noticia/2013/10/solenidade-comemora-os-25-anos-da-constituicao-brasileira.html.

[14] http://www25.senado.leg.br/web/atividade/materias/-/materia/125060.

[15]http://www12.senado.leg.br/noticias/audios/2016/03/aloysio-nunes-apresenta-pec-que-institui-parlamentarismo-no-brasil.

[16] http://g1.globo.com/politica/noticia/2016/04/supremo-adia-julgamento-sobre-nomeacao-de-lula-na-casa-civil.html.

[17] Importante lembrar da polêmica envolvendo a nomeação, acerca da possibilidade de estar configurado desvio de finalidade do ato para concessão de foro por prerrogativa de função. Áudio polêmico que demonstra o envio antecipado do Termo de Posse para ser utilizado apenas em "caso de necessidade" pode ser ouvido em: https://www.youtube.com/watch?v=Q4gLVUpJA-0.

[18] http://www.tse.jus.br/eleicoes/plebiscitos-e-referendos/plebiscito-de-1993.

[19] Dados percentuais disponíveis no site do TSE: http://www.justicaeleitoral.jus.br/arquivos/plebiscito-de-1993.

[20] Em que pese se reconhecer a necessidade de se colocar tal pauta em discussões futuras, sobretudo no que tange à, tão sonhada, reforma política.