Para que um povo consiga reverter a situação de miséria e opressão imposta por seus representantes, é necessário que ele esteja disposto a enfrentar os desafios e sacrifícios que a luta pela libertação exige. Como Paulo Freire destacou, somente quando os oprimidos reconhecem claramente o opressor e se engajam na luta organizada por sua própria libertação é que eles começam a acreditar em si mesmos e rompem com sua cumplicidade com o regime opressor (FREIRE, 1987, p. 33).

Partindo disso, é importante ressaltar que as campanhas eleitorais na Guiné-Bissau não são realmente festas da democracia, mas sim momentos que reforçam o ritual de alienação da sociedade.

O país enfrenta grandes desafios no desenvolvimento de políticas de progresso, resultando em condições precárias de vida para os cidadãos. Em 2019, a Guiné-Bissau ocupava a 178ª posição no Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) entre os 189 países e territórios considerados, com um índice médio de 0,455, bem abaixo da média da África Subsaariana (0,537) (UNICEF - GB). O número de famílias guineenses em situação de insegurança alimentar aumentou de 19% para 22% entre março de 2022 e março de 2023, de acordo com um estudo realizado em parceria entre o Programa Alimentar Mundial (PAM), o Ministério da Agricultura e Desenvolvimento Rural e o Instituto Nacional de Estatística no âmbito da Ação Ianda Guiné! É triste constatar que as dívidas internas e externas do país atingiram níveis alarmantes, e os cidadãos continuam acreditando que se trata apenas de "apoios, doações e ajuda" ao país. É importante questionarmos até que ponto essas “doações” realmente melhorou ou está melhorando nossas vidas.

Os ataques contra o Estado democrático e de direito, como sequestros, espancamentos e censura à liberdade de imprensa, bem como a restrição à organização e reunião de organizações civis e políticas, têm levado à deterioração das instituições democráticas do país. Isso me leva a acreditar seriamente que o Estado e o governo são autoritários e não estão de fato servindo aos cidadãos.

No entanto, com o início das campanhas eleitorais em 2023, a juventude guineense parece ter recuperado sua força por meio do ativismo eleitoral. Infelizmente, eles continuam sendo instrumentos de propaganda política nas mãos de líderes corruptos. Parece que estamos suficientemente iludidos para não perceber que estamos servindo apenas como peões nas mãos de políticos e partidos desprovidos de responsabilidade política e com propósitos duvidosos. Seria necessário refletir sobre até que ponto essa relação de predador e presa pode ser sustentada.

Bom, na minha modesta opinião, parece que há uma grave carência de "pensamento crítico" e "honestidade cívica" em nosso país, o que é extremamente preocupante para o futuro desejado pela sociedade guineense. Estamos enfrentando grandes problemas na formação intelectual dos jovens, devido à falta de investimento no sistema educacional público por parte do Estado e do governo. Isso se reflete em problemas de desenvolvimento humano, economia, sistema de saúde e em muitas outras áreas que se tornaram deficitárias.

A verdade é que quanto menos informado e educado um povo é, mais fácil é ser enganado. Por mais pesado que possa parecer, é uma realidade genuína que a falta de conhecimento pode ser destrutiva e, no caso da Guiné-Bissau, a ignorância é um dos males que nos afeta profundamente. Como consequência, assistimos passivamente às injustiças que ameaçam nosso presente e futuro, e isso ocorre diante do silêncio e da inércia de muitos partidos políticos de oposição que apoiamos durante as campanhas eleitorais.

Os políticos que contribuem para instaurar o caos e criar divisões que ameaçam a construção de uma democracia institucional - um poder político baseado no respeito à soberania popular ou nacional - são os mesmos aos quais continuamos confiando o destino de nosso país. Nos acomodamos e muitas vezes rimos de nossa própria desgraça, evitando assumir os desafios impostos pela conjuntura atual. O povo não sabe o que quer? Ou simplesmente não quer enxergar o que já sabe? Estamos constantemente nos vendendo por projetos de curto prazo, o que é terrível para o futuro de nossa nação.

Por muitos anos alimentamos a fera (os políticos corruptos) que depois se volta contra nós, mas ainda assim, não aprendemos a lição. Em um ciclo vicioso, nós jovens, que deveríamos ser as "forças motrizes do desenvolvimento", nos tornamos meros instrumentos alienados, servindo de degrau para os partidos políticos que disputam o poder, mas que não nos representam verdadeiramente. O analfabetismo político faz com que a maneira como opinamos e discutimos sobre "o político" seja desagregadora para as virtudes que precisamos cultivar. Expressões como "djitu ka tem" ou "nha boka casta lá" se tornam normais e aceitáveis em nossos meios sociais, o que perpetua os problemas existentes e ainda impulsiona a disseminação de uma militância partidária fanática e alienante.

Muitos daqueles que se consideram "não analfabetos políticos" por participarem, acompanharem e opinarem sobre questões políticas - através de suas opiniões e participação - servem aos interesses individuais, reverenciam o absurdo, emitem ideias delirantes, defendem verdades absolutas e líderes déspotas que automatizam regimes totalitários. Essas pessoas são, sim, analfabetas políticas.

É quase estúpido lembrar que estamos vivendo, como sempre vivemos, em um regime político que não se importa verdadeiramente com as necessidades do povo. Assim como o PAIGC e o PRS, o atual regime no poder, o MADEM-15, com projetos não emergenciais, continua nos iludindo. Além disso, a centralização do poder em um "único chefe" que tenta controlar de forma arbitrária as instituições e os cidadãos sob seu domínio de maneira autoritária são apenas uma das muitas formas de domesticar, amansar a população e despojá-la de poder.

O governo atual e seus apoiadores insistem em nos confundir com a construção de estradas, enquanto deveríamos ter projetos emergenciais para lidar com problemas como o aumento dos preços no mercado nacional, que levam ao agravamento da fome; greves nas escolas e universidades públicas; no sistema de saúde pública e nas instituições do Estado, sem esquecer o aumento da violência e dos atentados aos direitos humanos. Apesar disso, durante as campanhas eleitorais, eles continuam distribuindo motocicletas, camisetas e bolas de futebol em vez de apresentar programas de governo credíveis e concretizáveis. Durante e após as campanhas, eles não são cobrados pelo que nos devem, ou seja, a produção/implantação de políticas públicas que possam garantir nossa saída do cenário de miséria econômica e intelectual.

A campanha eleitoral deveria ser o momento em que o povo reassume o controle de seu lugar no poder, pois a democracia nos favorece, pelo menos nesse momento, nos dando a possibilidade de fazer uma reflexão sobre as decisões e os projetos de governo que devemos priorizar ao delegar poderes. É uma oportunidade de nos libertarmos das amarras que nos prendem a uma versão distorcida de "um Guiné mindjor", que até hoje é apenas uma miragem.

Quer gostemos ou não, somente nós mesmos podemos assumir o protagonismo na concretização das mudanças que desejamos ver. A proposta da democracia como sistema de sociedade deve se basear na ética de convivência, que não se trata apenas de uma forma de escolha de governantes, mas sim da maximização da igualdade de status e oportunidades. Isso implica no processo de construção de projetos que tornem real, e não apenas formal/procedimental, o direito de participação.

Essa ética de convivência requer uma pedagogia de convivência e práticas socioeducativas que levem a uma sofisticação política e a uma vontade coletiva de superar os obstáculos que impedem a garantia das liberdades políticas, incluindo a vontade de participação.

Guineenses:

Vamos continuar tolerando a ganância desmedida dos políticos que só prejudicam a imagem de nossa pátria? Por quanto mais tempo seremos o oxigênio que mantém as funções vitais de um regime autoritário que se mascara como democracia? Ainda não estamos cansados de sermos estrelas cadentes que realizam os desejos insanos dos políticos guineenses? Até quando adiaremos nosso futuro em troca de satisfazer nossas necessidades supérfluas? Quantas provas precisaremos para entender de uma vez por todas que os nossos anseios, como jovens cidadãos, em relação ao acesso à educação, saúde, justiça ou uma mínima estabilidade financeira através da criação de empregos não interessam a esses líderes políticos?

"Pubis ka burru, udjus ta odja boka kala", cantado por Zê Manel, já não é uma escolha apropriada!

"Revoluson kana maina", cantado por Slim Dracula, torna-se indispensável para mudar o cenário que continuamos vivendo em nossa terra!

O partido dos guineenses deve ser a Guiné-Bissau; a democracia guineense deve se submeter aos princípios ditados pela Constituição; as campanhas eleitorais devem se concentrar na elaboração e apresentação de projetos de governo viáveis e realizáveis; a juventude guineense deve exercer conscientemente seu poder para que sua participação não se limite a uma ficção (como disse o pedagogo da revolução: "kilis ku sibi pa é sina kilis ku ka sibi"), estando em sintonia com os desafios de sua geração em prol da preservação e garantia de um presente-futuro melhor.

Referências

FREIRE, Paulo. Pedagogia do oprimido. 17ª ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1987.

UNICEF, Guiné-Bissau. Política social e seguimento & avaliação: Habilitando sistemas de proteção social para todas as crianças. página Unicef Guiné-Bissau. [s.d.]. Disponível em: https://encurtador.com.br/cxFHT  Acesso em: 20/05/2023.

IANDA GUINÉ. Ateliê de Restituição Nacional dos Resultados do Sistema de Seguimento da Segurança Alimentar e Nutricional. Página Ianda Guiné, 2023. Disponível em: https://encurtador.com.br/lyER9 Acesso em: 20/05/2023.

Por: Mamim Alfissene Baciro Baldé