IDEIAS DE VANGUARDA BRASILEIRAS 1 O Centro Dinâmico do Senhor Pochmann Por Werner Leber1 . O texto que segue é formado de algumas considerações sobreessesvídeos maravilhosos do aplicativo TIK TOK - um aplicativo chinês muitoemvoga para veicular as mais variadas informações culturais de alta relevância. Pois não é que um desses vídeos recebido de uma amigo, justamente aqueleveiculado pelo Senhor Prochmann, despertou minha atenção. Logo eu, quesou chucro e pouco voltado às teorias revolucionárias. E por quê umsimplesvídeo, despretensioso e até banal do Senhor Pochmann, teria despertadoaminha atenção? Por dois motivos centrais. O primeiro porque eleéopresidente do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística); osegundo, porque ele aborda um assunto do qual só pessoas muito geniaisecultas podem tratar: o centro dinâmico. A esquerda brasileira, ou melhor, a intelectualidade brasileira, nãosóinflacionou o neorracismo Made in USA, tornando-o por aqui uma espéciedeTotem, algo como uma herança inquestionável, como tambéminventouumtipo de neopositivismo retrocedente. O que chamo de “neopositivismoretrocedente”, na falta de um termo melhor delineado, é uma percepçãoepistêmica segundo a qual os europeus que chegaram à América entreofinalzinho do século XV e o início do XVI apenas representamuminterrupçãono curso natural das coisas que transcorrem na América do Sul e Central. Essa percepção, em modesto modesto modo ver as coisas, é uma formadese utilizar das ideias de August Comte, porém operar comelas umatransfiguração de tamanha envergadura que o pobre Comte jamais pôdeimaginar. Os gênios brasileiros e outros da América do Sul, tambémformados nas excepcionais faculdades de economia, antropologia, históriaefilosofia que por cá grassam, bastando para comprovar o que digoosinúmeros prêmios nóbeis que nossos autores e universidade já angariaram, são capazes de expurgar a presença europeia e voltar ao período anterior sem que se perceba vestígios da presença dela. Ummilagre! Éumaoperação que produz efeitos jamais detectados em qualquer região nessenosso planetinha mãe. Algo como se 530 anos não tivessemdeixadoqualquer rastro e nem legado. Claro, isso tudo depois de umexpurgobem- sucedido, só capaz de ser feito pelas pessoas que entendeme respiramoNovo Kairós do Senhor Prochmann. É algo tão incrível como se a chegadados europeus à América fosse tão somente um pesadelo, uma noite ruim, e, tendo a pessoa voltado à condição de vigília, o pesadelo desaparecesse. Imagine agora, todos os habitantes americanos despertando do pesadeloeverificando que o estado virginal e santo de antes havia retornado? Nemnapena de seus melhores intérpretes a Teoria da Relatividade de Einsteinépáreo para as assertivas do senhor Prochmann e seu círculo de discípulos. Só pessoas muito prendadas intelectualmente conseguem entender trajetóriada América latina nessa perspectiva. Por exemplo, perto da viragemqueoSenhor Pochmann propõe, autores como Habermas, Hegel, Silvio Romero, Caio Prado Junior, Milton Santos, Florestan Fernandes, Mario Ferreirados1 Professor de filosofia no Ensino Público do Estado de Santa Catarina. IDEIAS DE VANGUARDA BRASILEIRAS 2 Santos, Hannah Arendt, Friedrich von Hayek, Machado de Assis ficamparecendo neófitos diante do grande feiticeiro. Desgraça de nossas escolasque não ensinam as coisas de maneira correta! Esses neoliberais nosprivaram da leitura correta de Karl Marx. Malditos! Não nos ensinaramcorretamente a dialética. Até um marxista como Eric John Ernest Hobsbawmse revira no túmulo de raiva por não ter conseguido, em vida, imaginar coisatão grandiloquente. Como uma cultura dessa envergadura pode ter ficadoreprimida por tanto tempo, alongando o sofrimento de tanta gente?Aindabem que Deus é brasileiro e permitiu que o Senhor Pochmann assumisseoIBGE, essa instituição santa que enfim, ressurgindo das cinzas igual Fênix, nos conduzirá a melhores dias. Ele pode agora, juntamente comuma equipede nível próximo ao dele, desfazer os nós e restabelecer a ordemnatural dasdas coisas, levando-nos, finalmente, à Terra Prometida, ou seja, ao CentroDinâmico. A vanguarda, notadamente as pessoas mais inclinadas à esquerdapolítica, depois de terem varrido definitivamente conservadores e retrógradoscomo eu e outros milhões para a vala mais profunda do Hades, clamapeloSenhor Prochmann como os antigos prisioneiros do Egito clamavampelaTerra prometida, depositando sua esperança em Moisés. Moisés está paraosantigos hebreus como o Senhor Pochmann está para a vanguarda libertadoranacional. Não é pouco o que se espera. Mas para um gênio, um“ungido” queouve as vozes dos deuses da economia e que comandam o curso da história, como diria o conservador e retrógrado economista norte-americano ThomasSowell, tudo é possível. Voltemos vez mais ao centro dinâmico. Nunca antes neste país, longede ser um país só de bananas como dizem os detratores e maus analistas, se pensou tal cousa e com a fecundidade que o caso merece. É umpontodeviragem tão colossal que fará da ciência econômica defendida pelo Senhor Pochmann uma revolução incomensurável, capaz de deixar Albert Einstein, Newton e Copérnico parecendo cervos raquíticos perto de umurso pardo. Éincrível mesmo! É um viés tão metanoico que até poderá inverter os polosmagneticos da Terra, juram os seguidores do Senhor Pochmann. Afinal, afémove montanhas e as teorias corretas movem o mundo inteiro. Brasileirosmais tradicionais, como eu e mais uns poucos da resistência que insistememestar por aí, já não acompanham ideias de tamanha vanguarda. Vanguardaessa que se verifica também na música atualmente veiculada emnossosmelhores canais informativos. Cantoras como Anitta e Ludmila, paraficar apenas nos melhores exemplos, já chegaram à viragem e atingiramo CentroDinâmico. Daí se segue que a imprensa tradicional as critica porquenãocompreende patavinas da novilíngua praticada pelas excepcionais mentesvanguardistas que, enfim, nos trarão o alento que há muito falta por aqui. Acantora Ludmila recentemente cantou o Hino Nacional brasileironanovilíngua do Centro Dinâmico, e jornalistas da imprensa conservadora, neoliberal e atrasada, não entenderam. Fizeram tantas críticas injustasàpobre mulher do Bem. Racismo puro, ranço europeu, coisa de gente pequenae medíocre! É em nome do Bem que o Senhor Pochmann arquitetasuasfecundas teorias, ainda muito mal-compreendidas pelas mentes rançosaseatrasadas. Do alto da filosofia naturalista que enceta - algo tão brilhanteeexcepcional quando as suas demais teorias, cujas ideias são sempremantidas no tino revolucionário -, ele agora profetiza, fazendo Amós e Oseiasparecerem simples tagarelas de boteco. Apenas brasileiros retrógrados, IDEIAS DE VANGUARDA BRASILEIRAS 3 como eu mais alguns conservadores como já mencionei, não conseguemver que as imigrações europeias foram uma interrupção temporária dos ciclos"bondosos e fraternos" que por cá existiam antes de os "malvados europeus" meterem suas botas aqui na América e no Brasil entre 1494 e 1500. O Senhor Prochmann é mesmo desafiador. Minha mente forjadanoensino tradicional indaga: “e, ainda que os europeus fossemmaus, desdequando seria possível regressar ‘àquele estado virginal’ imaginadopeloSenhor Pochmann, penso eu cá com minha assombrosa ignorância”? Massópessoas maldosas e difamadoras não veem, ou não queremver, aondetudoisso vai dar. Já em 1993, com a tese de doutorado, intitulada PolíticasdoTrabalho e de Garantia de Renda no Capitalismo em Mudança, o Senhor Pochmann aventava o quão revolucionário seria expurgar essa noitemal- dormida e restabelecer a ordem natural das coisas. Foi ele o profetadoGarantismo, uma hermenêutica jurídica que mais tarde ele ensinou aos juízesda Suprema Corte brasileira. Profetas, como o Senhor Pochmann, são gênioscujas ideias somente muito tardiamente alcançam a plenitude. Éocasoagora. Anitta, Ludmila e vários artistas e jornalistas vanguardistasjácaptaram os ares dos novos tempos. Caetano Veloso e Chico BuarquedeHollanda, sem o saber, foram os precursores de movimento intelectual, finalmente revelado e assumido pelo Senhor Prochmann, o tal CentroDinâmico. De minha parte, sou ignorante mesmo e cachola mole, só merestaalgumas observações, com as quais não quero ofender a inteligênciadosseguidores do senhor Prochmann e a dele própria. Ainda que fosse possível remover os 500 e poucos anos de influência europeia, de onde sepodeconcluir que as coisas "voltarão ao ciclo interrompido"? Para mim, issonãoépossível. Para mim, é muita ingenuidade ou muita hipocrisia. Nemsequer vejo qualquer ciclo interrompido. Mas quem sou eu? Quemsou euparaduvidar e valer-me de minhas leituras filosóficas e históricas tradicionais paraquerer contrapor e contestar algo que nem sequer compreendo?Muitaburrice. Faço parte das pessoas que não alcançaram o Kairós doqual desfrutam as pessoas felizes do círculo do Senhor Pochmann. MalditoPaul Tillich, alemão-americano fugido de guerra, com quem aprendi tudo demodoenviesado e desfocado! Como sabemos, a Europa influenciou também a Ásia, a Oceania, aÁfrica. O tipo de ciência, de filosofia, de literatura encontrada emgrandeparte do mundo hoje, derivou se não da Europa diretamente, mas daquiloque a Europa soube fazer dos legados que os povos que a habitavamiamtrazendo, incluindo aí os gregos. Foi o que meu ex-professor Vítor Westhellechamou de “princípio európico”. Mas quem tirou os borgúndios, celtas, vândalos, godos e visigodos do paraíso europeu em que se encontravam?OSenhor Prochman não discorreu sobre isso. Dá pra perdoá-lo; emumpequeno video de TIK TOK não seria possível mesmo açambarcar todasasnuances do Centro Dinâmico. Cá com minha ignorância, devemter sidoosmicênicos de 2000 antes de Cristo que “infestaram” os povos europeus(celtas, godos, vikings, ostragodos, vândalos e borgúndios) comsuas ideiaspenisulares e mediterrâneas. Assim como os nativos da América, oseuropeus pré gregos também desfrutavam do paraíso, interrompidopelasaventuras de Hércules, pelas ideias de Homero e Hesíodo? Penso queoCentro Dinâmico será capaz de fazer desaparecer os vestígios gregose IDEIAS DE VANGUARDA BRASILEIRAS 4 restabelecer na Europa o paraíso desaparecido. E até o nome Europadesaparecerá pois veio da filha de Hércules, esse maldito grego! Eantesdisso, os indus-europeus chegaram por lá. Os micênicos (Aqueus) teriamtambém subjugado os indus, travestindo as primorosas ideias destes(olegado) em Epopeias e Narrativas Teogônicas como as de HomeroeHesíodo e, mais tarde, em filosofia de Platão e Aristóteles, o fabuloso legadoque os indus trouxeram? E os indus, hoje chamdos de hindus, vieramdeonde? E os romanos são filhos de quem? E os povos que os romanosdominaram, aos quais impuseram sua cultura de Guerra e domínio, tambémvão voltar ao paraíso que o Senhor Pochmann descobriu? Será que o "centrodinâmico" vai ser capaz de trazer o paraíso de volta? Quemsabe, AdãoeEva ainda estejam por aí, apenas chamuscados e camuflados pela malvadavisão de mundo que os europeus trouxeram e implantaramnos quatro cantosdo planeta, sobretudo entre os povos que aqui estavam antes de Cabral eColombo. Nem os gregos em seus melhores dias foram capazes de criar ummito com tamanho poder. Nem adianta querer fazer Hércules descer doOlimpo outra vez. O Senhor Prochmann é outro nível.