INTRODUÇÃO

Esse artigo tem como objetivo principal apresentar conteúdo informativo sobre os direitos da pessoa diagnosticada com transtorno do espectro autista – TEA.

Infelizmente, na sociedade brasileira, poucos conhecem os seus direitos garantidos por lei, fato que impacta diretamente nos exercícios desses direitos.

Muito embora a revolução tecnológica proporcionou o acesso à informação em um clique ou toque em um aparelho na palma de nossa mão, é bem verdade que a proliferação de informações que desinformam e informações infundadas e inverídicas (fakes news) tem prejudicado o acesso a políticas públicas e incentivos àqueles que mais precisam.

Se através da leitura desse artigo uma mãe, pai, responsável legal ou até mesmo uma pessoa diagnosticada com TEA consiga obter o direito que lhe é conferido por lei, ficarei plenamente satisfeito e terei como cumprida a minha missão de promover a disseminação dessas informações que adquiri ao longo de vivência prática como advogado, pesquisas, estudos, leitura de livros e cursos.

 

A PROTEÇÃO DOS AUTISTAS NO DIREITO BRASILEIRO

A legislação brasileira estabelece vários direitos aos autistas, que além de respeitados, devem ser colocados em prática no dia a dia, principalmente nas grandes regiões metropolitanas.

O marco legal do direito dos autistas foi a promulgação da Lei Berenice Piana (Lei nº 12.764/12).

Essa lei foi sancionada em 27 de dezembro de 2012 e instituiu a Política Nacional de Proteção dos Direitos da Pessoa com Transtorno do Espectro Autista com a criação de políticas públicas destinadas às pessoas com TEA.

A Lei 12.764/2012 também estabeleceu diretrizes fundamentais para a implementação, acompanhamento e avaliação das políticas públicas destinadas à pessoa autista.

A Lei Berenice Piana tem duas particularidades interessantes: A primeira refere-se à Berenice Piana, ativista e mãe de autista (Dayan), que na década de 1990 - época em que não se tinha informações sobre o autismo -, percebeu que seu filho não se desenvolvia e respondia aos estímulos como as outras crianças. Berenice Piana estudou por conta própria e descobriu o diagnóstico do próprio filho, possibilitando que Dayan recebesse o tratamento adequado. A segunda particularidade é que a Lei Berenice Piana se tornou o primeiro caso de sucesso no senado como legislação participativa (lei por iniciativa popular).

Após a Lei 12.764/2012, a legislação brasileira passou a ampliar a base de direitos básicos destinados às pessoas com TEA. A LBI – Lei Brasileira de Inclusão da Pessoa com Deficiência (Lei 13.146/2015) também reforçou a gama de direitos aos autistas.

Atualmente, há no Congresso Nacional diversos projetos de lei que defendem a criação e implementação de direitos aos autistas (veja aqui).

A jurisprudência de nossos Tribunais também tem sido sensível aos direitos dos autistas, conferindo o tratamento isonômico, ou seja, tratando igualmente os iguais e desigualmente os desiguais, na exata medida de suas desigualdades; como também estendendo direitos de outras deficiências aos autistas.

A seguir, serão enumerados os principais direitos das pessoas com transtorno do espectro autista:

 

ACESSO AO MERCADO DE TRABALHO

 Como dito, a Lei 12.764/2012 instituiu a Política Nacional de Proteção dos Direitos da Pessoa com Transtorno do Espectro Autista que prevê o direito e o estímulo à inserção dessa parcela da população no mercado de trabalho, inclusive como aprendiz.

Registre-se que para efeitos de legislação, os portadores de TEA são considerados pessoas com deficiência. Desse modo, a contratação deles é válida para o cumprimento das cotas exigidas pela Lei 8.213/1991, que exige que empresas com 100 ou mais empregados disponham de 2% a 5% das vagas para reabilitados ou pessoas com alguma deficiência ou transtorno que estejam habilitadas ao trabalho. Para tanto, as empresas são obrigadas a promover adaptações no ambiente laborativo de modo a atender às necessidades funcionais desses empregados.

Outro ponto que merece destaque, é o fato de que tanto o trabalhador autista quanto o empregado que conta com um dependente com essa condição pode solicitar a liberação do PIS ou PASEP.

 

ACESSO GRATUÍTO AOS MEIOS DE TRANSPORTES TERRESTRES E DESCONTO EM PASSAGENS AÉREAS

A pessoa carente com transtorno do espectro autista e seu acompanhante possuem “passe livre” no sistema coletivo urbano, intermunicipal e interestadual, nos termos da Lei 8.899/1994.

Já no tocante às passagens aéreas, a ANAC acolheu o FREMEC (Frequent Traveller Medical Card) como formulário indicado para viajantes que possuem necessidades especiais durante o voo. No Brasil o FREMEC tem validade de um ano e as principais empresas aéreas que atuam no Brasil (GOL, AZUL e TAM) concedem ao acompanhante da pessoa autista até 80% de desconto na passagem aérea.

 

ACESSO À SAÚDE COM TRATAMENTO INTERDISCIPLINAR

O acesso digno à um sistema de saúde eficiente é um direito de todos, nos termos do art. 6º da Constituição Federal, e um dever da União, Estados e Municípios, nos termos do art. 23, II da Constituição Federal.

A pessoa com transtornos do espectro autista tem direito integral à saúde por intermédio do Sistema Único de Saúde com atendimento universal e gratuito.

A Lei 12.764/2012 estabelece que são direitos da pessoa com transtorno do espectro autista o acesso a ações e serviços de saúde, com vistas à atenção integral às suas necessidades de saúde, incluindo: a) o diagnóstico precoce, ainda que não definitivo; b) o atendimento multiprofissional; c) a nutrição adequada e a terapia nutricional; d) os medicamentos; e) informações que auxiliem no diagnóstico e no tratamento.

 

ATENDIMENTO PRIORITÁRIO

A Lei 10.048/2000, alterada pela Lei 14.626/2023, inclui às pessoas com transtorno do espectro autista e o seu acompanhante o atendimento prioritário em postos, caixas, guichês, linhas ou atendentes de serviços públicos e privados.

 

BENEFÍCIO DE PRESTAÇÃO CONTINUADA (LOAS)

O Benefício de Prestação Continuada (BPC) da Lei Orgânica da Assistência Social (Loas), mais conhecido como BPC Loas, pode ser solicitado por pessoas diagnosticadas com o transtorno do espectro autista.

Os critérios para a concessão do BPC para os autistas são os mesmos para todas as pessoas com deficiência, precisam ser consideradas incapazes de se manterem sozinhas e a renda de cada pessoa do núcleo familiar, a chamada renda per capita, deve ser limitada a um ¼ do salário-mínimo vigente.

Vale lembrar ainda que, para o BPC da pessoa com deficiência, além do critério de renda, existe também a necessidade da realização da avaliação conjunta, para confirmação da existência do impedimento de longo prazo.

A avaliação conjunta é composta de avaliação social, que é realizada pelo Serviço Social do INSS, e avaliação médica, sob responsabilidade da Perícia Médica Federal. O resultado dessas duas avaliações é que vai determinar, para o INSS, se o requerente se enquadra nos critérios.

Outro ponto interessante é que o benefício assistencial, concedido a um membro do grupo familiar, na condição de deficiente, não vai entrar no cálculo da renda familiar, ou seja, ele não impacta no cálculo da renda familiar para concessão de outros benefícios, sendo possível que esse núcleo familiar receba 02 benefícios de prestação continuada.

Outro ponto que merece atenção diz respeito à superação da renda familiar por pessoa, ou seja, que ultrapasse a ¼ do salário-mínimo. Caso a família tenha despesas com o tratamento de saúde da pessoa com autismo, que comprometam a renda do grupo familiar, essa situação pode ser levada em consideração na análise do pedido de BPC.

Para a concessão e manutenção do benefício é importante que o responsável pelo núcleo familiar realize a inscrição e atualização do CadÚnico, no máximo, a cada dois anos.

 

CARTEIRA DE IDENTIDADE DA PESSOA COM TRANSTORNO DO ESPECTRO AUTISTA - CIPTEA

Com o advento da Lei Romeo Mion (Lei 13.977/2020) foi criado a carteira de identificação da pessoa com transtorno do espectro autista (Ciptea).

Esse documento tem como finalidade auxiliar na identificação do autista para facilitar a políticas públicas e o acesso aos atendimentos prioritários previstos em lei.

A CIPTEA deverá ser emitido de forma gratuita pelos órgãos estaduais e municipais.

 

INCLUSÃO ESCOLAR E PROFISSIONALIZANTE

A pessoa com espectro autista tem direito de ingressar e permanecer em uma escola regular, sendo-lhe garantido as devidas condições de acesso, aprendizagem e participação no âmbito escolar.

É expressamente vedado à recusa de alunos com TEA ou a cobrança de valores diferenciados para crianças com autismo.

Ademais, o estabelecimento escolar deverá oferecer acompanhamento e adaptação de espaços internos, bem como fornecer material didático para que a aprendizagem seja efetiva.

A Lei 12.764/2012 também insere no rol dos direitos do autista o acesso ao ensino profissionalizante.

Acrescente-se que o havendo comprovada necessidade, a pessoa com transtorno do espectro autista incluída nas classes comuns de ensino regular e profissionalizante terá direito a acompanhante especializado.

 

ISENÇÃO DE IMPOSTOS

A respeito dos impostos, é importante destacar que há impostos federais, estaduais e municipais, de modo que a isenção de certos impostos depende de lei autorizadora do ente que tem a legitimidade de cobrá-lo.

No âmbito federal, destacamos a isenção de IPI e IOF na aquisição de um veículo automóvel a cada 03 (três) anos, sendo a isenção do IPI limitada os veículos com motores até 2.000 cilindradas com, no mínimo, 4 portas (contando o bagageiro) e movidos a combustível de origem renovável, sistema reversível de combustão, híbrido ou elétrico.

Já a isenção de IOF pode ser obtida somente uma única vez e aplica-se apenas a automóveis de passageiros de até 127 HP de potência bruta, segundo a classificação normativa da Society of Automotive Engineers (SAE).

A pessoa com transtorno do espectro autista, ainda que menor de 18 (dezoito) anos, terá isenção diretamente ou por intermédio do seu representante legal.

No âmbito estadual, todos os Estados conferem a isenção do IPVA aos autistas e seus representantes legais. Já a isenção do ICMS na aquisição de veículos automotores, é mais restrita à alguns Estados, como por exemplo: Rio Grande do Sul, São Paulo, Paraná, Pará, Santa Catarina e Minas Gerais.

No âmbito municipal, há diversos Municípios que isentam os autistas e seus representantes legais do pagamento de IPTU e Taxa do Lixo sobre os imóveis em que residem.

É válido lembrar que cada Estado e Município possui legislação própria definindo o procedimento e os requisitos para obtenção da isenção.

Também é válido ressaltar que, caso o Estado ou o Município não conceda a isenção, há diversas decisões judiciais concedendo aos autistas e seus representantes legais a isenção de ICMS, IPVA e IPTU. Nesses casos, a consulta de um advogado é imprescindível para a obtenção da isenção.

 

REDUÇÃO DE JORNADA DE TRABALHO AOS PAIS DE CRIANÇA AUTISTA

A Lei 13.370/2016 concede horário especial ao servidor público que tenha cônjuge, filho ou dependente com autismo.

A jornada especial poderá ser tanto uma jornada flexível como reduzida, dependendo da necessidade atestada por perícia médica.

Em dezembro de 2022, no julgamento do Recurso Extraordinário (RE) 1237867, com repercussão geral reconhecida (Tema 1.097), o Supremo Tribunal Federal estendeu aos servidores estaduais e municipais o direito à jornada especial, desde que sejam responsáveis por pessoas com autismo.

O Tribunal Superior do Trabalho tem vários julgados estendendo a jornada especial aos empregados de empresa de economia mista e empresas públicas (Ag-AIRR 0000691-59.2021.5.17.0008 e Ag: 1321020205100016).

O TST também vem decidindo que o empregado de empresa privada com filho portador de deficiência tem direito à redução da jornada, sem a correspondente diminuição da remuneração, de maneira a possibilitar a assistência necessária e imperativa ao desenvolvimento sadio do dependente autista (Ag-AIRR 0000683-12.2019.5.17.0151).

 

TRATAMENTO INTERDISCIPLINAR CUSTEADO POR PLANO E/OU SEGURO SAÚDE

A pessoa com transtorno do espectro autista não poderá ser impedida de participar de planos privados de assistência à saúde em razão de sua condição de pessoa com deficiência, conforme dispõe o art. 14 da Lei nº 9.656, de 3 de junho de 1998.

Tema que merece destaque é a cobertura do plano de saúde para as sessões de terapias e medicamentos.

Há inúmeras decisões judiciais reconhecendo que, independentemente se está ou não no Rol da ANS, o plano de saúde deve cobrir as terapias multidisciplinares quando prescritos em laudo médico explicando a importância das intervenções para o desenvolvimento do autista.

Dessa forma, devem ser cobertos pelo plano de saúde, medicamentos e terapias, sem limite de sessões, desde que essenciais para o tratamento do paciente autista. Nas hipóteses de negativa de cobertura do plano ou seguro saúde de terapias, intervenções e medicações prescritas em laudo médico, o ideal é que seja um advogado especialista em Direito da Saúde para que seja obtida o acesso à cobertura por decisão judicial, de forma rápida, eficiente e segura.

 

CONCLUSÃO

Esses são os principais direitos conferidos pela legislação brasileira aos autistas.

É evidente que a pessoas com transtorno do espectro autista necessitam de mais auxílio do Poder Público e da sociedade, especialmente para seja proporcionado as condições ideais para o seu regular desenvolvimento.

É preciso que nossos legisladores tenham sensibilidade da importância e da urgência na aprovação dos projetos de leis que tramitam em nossas casas legislativa – Congresso Nacional, Assembleias Legislativas e Câmaras Municipais – concedendo direitos e melhorias necessárias para diminuir as dificuldades enfrentadas pelas pessoas com autismo.

Também é importante que a sociedade se conscientize que o autismo não é uma doença incapacitante e permanente, mas sim um transtorno que, se devidamente diagnosticado e tratado, não afetará o desenvolvimento da pessoa autista, muito pelo contrário, já que temos vários exemplos de pessoas autistas que com o tratamento adequado desenvolveram hiperfoco, tornando-as pessoas excepcionalmente boas no que fazem.