CYRANO DE BERGERAC
Publicado em 07 de agosto de 2009 por Mariana Ferraz
Cyrano de Bergerac, uma comédia heróica composta por cinco atos, foi encomendada pelo grande ator francês Constant Coquelin (1841-1909) ao dramaturgo Edmond Rostand (1868-1918). Rostand empenhou seus esforços durante nove meses, de abril de 1896 a janeiro de 1897, para escrever a peça que revolucionou o teatro francês, mergulhado em uma fase tediosa e repetitiva. Até a estréia do espetáculo, em 27 de dezembro de 1897, o autor estava angustiado, temeroso de um fracasso; somente descansou ao final do primeiro ato, aplaudido com veemência pelo público.
O primeiro ato, uma bela introdução ao enredo da história, passa-se no teatro, repleto de pessoas ansiosas para assistir à peça de Montfleury. Enquanto Cristiano esperava sua amada Roxana para indicá-la aos seus amigos, muitos comentavam as destrezas de Cyrano, artista e espadachim valente, mas grosso e feio. Quando a peça há de começar, Cyrano briga com Montfleury, a quem lhe havia imposto silêncio. Ao ser caçoado por Valvert, propõe-lhe um duelo e vence-o com singular astúcia, tempo em que profere uma ousada balada. Torna-se, então, famoso e respeitado. Em uma conversa com Le Bret, Cyrano confia seu segredo: é perdidamente apaixonada por sua prima Roxana, mas não tem coragem de declarar-se, temendo represálias à sua aparência.
De fato, estava certo em manter-se às sombras: no ato seguinte, Roxana pergunta-lhe por Cristiano, o belo rapaz que a admirava e mexia com seus sentimentos. Cyrano promete protegê-lo e tornar-se seu amigo, e assim o faz: mesmo sendo alvo de piadas do jovem, admira sua coragem e propõe lhe ajudar a conquistar sua prima, escrevendo por ele cartas de amor em versos admiráveis.
O terceiro ato é o mais movimentado, pois condensa em catorze cenas desde o encantamento inicial de Roxana com as cartas de Cristiano ao casamento dos dois. Entre esses dois fatos, porém, há uma surpresa: Cristiano declara-se sozinho a Roxana e, apesar de seu sentimento ser sincero, as palavras simples e as frases curtas provocam o desinteresse da moça. Cyrano, mais uma vez, intervém com seu dom para arrebatar o coração da prima. Ao terminar a cerimônia, Cyrano vê-se triste, mas envaidecido: seus dotes artísticos foram suficientes para fazer sua amada feliz, ainda que por meio de outro alguém. De Guiche, então, chega com a notícia de que ambos cadetes serão enviados para as trincheiras da guerra, deixando Roxana aos prantos.
O quarto ato trata do desenrolar da guerra: a fome dos soldados, a expectativa dos ataques e a saudade de casa. Saudade essa tão profunda que Cyrano passa a escrever a Roxana sem avisar a Cristiano, avisando-lhe apenas quando ela já se encontra com eles, enlouquecida de paixão. Ao ver que ela estava se arriscando pelo homem que escrevera aquelas cartas e não por sua beleza, Cristiano tenta convencer Cyrano a contar a verdade a Roxana, mas Cyrano se nega. Em um ataque surpresa, os dois são feridos e Cristiano morre.
O último ato, o epílogo, passa-se quinze anos depois, com Cyrano bastante debilitado pelos ferimentos e aparentemente fora de si, segundo as religiosas que cuidam dele. Roxana o visita e, ao mostrar-lhe uma das cartas que recebera, nota que Cyrano sabia decorado o conteúdo; não poderia ler, devido às trevas que o envolviam. Percebe, pois, que fora Cyrano quem escrevera, recebendo um beijo na fronte como recompensa embora ele morra em seus braços negando tudo.
Embora seja em Paris onde toda a ação ocorra, não há correlação entre os lugares descritos na obra e um local exato na cidade real. As descrições do cenário são bastante ricas, detalhadas, e levam ao leitor a imaginar perfeitamente as cenas, assim como ajuda ao diretor a organizar a encenação. Os versos da peça são limpos e melódicos, com destaque aos românticos. Rimas ricas e vocabulário rebuscado não dificultam a leitura, mas embelezam o texto e deixam-no fluente; não é a toa que seduziu os ouvidos e as mentes da sociedade parisiense de 1897.
Cyrano mostra-se um homem bastante altruísta, disposto a tudo para fazer sua amada feliz, ainda que tenha que vê-la com outro homem, conquistada a suas custas. Sente-se lisonjeado quando, no início do segundo ato, Roxana dedica ao autor das cartas tamanho apreço e reconhecimento. Tão belo e raro é o seu amor que não ousa revelar a verdade mesmo no leito de morte, sendo Roxana já viúva. È uma obra livre de críticas ou intenções mais profundas que a beleza do amor em si; nem por isso torna-se menos valiosa.
Cristiano, apesar do desespero para conquistar a jovem e tê-la consigo, revela-se convincentemente apaixonado ao tentar recusar a ajuda de Cyrano e ao incentivá-lo a contar a verdade, mesmo sabendo que perderia Roxana. Esta, ao descobrir a verdade, não toma rancor de nenhum dos dois, pois sabe que ambos foram fiéis a ela, ainda que não tenham sido totalmente leais.
Uma parte da história serviu como inspiração para a teledramaturgia brasileira: Walcir Carrasco colocou na novela "O Cravo e a Rosa", passada no horário das 18h de 26 de junho de 2000 a 10 de março de 2001, os personagens Bianca, Heitor e o professor Edmundo, respectivamente interpretados por Leandra Leal, Rodrigo Faro e Ângelo Antônio. Na trama global, o professor apaixona-se pela aluna, mas por não achar-se digno de conquistá-la, escreve cartas em nome do namorado da moça (Heitor) para agradá-la. Tão logo a jovem descobre, no entanto, briga com os dois, decepcionada pela por terem mentido tão gravemente.
A questão estética abordada no texto é válida ainda nos tempos de hoje; afinal, o amor é desencadeado pela beleza ou pela inteligência? Não há quem nunca tenha se atormentado com essas perguntas, e passado horas a fio na frente do espelho ensaiando um modo de se aproximar do amado. Em Cyrano de Bergerac, o autor propõe enfrentar esse desafio, mostrando que, para o coração puro, o conteúdo e o sentimento verdadeiro valem muito mais que beleza.