Biografias, biógrafos e biografados

A polêmica envolvendo a questão das biografias, se precisam ser autorizadas ou não, engloba questões linguísticas de conteúdo específico da ciência da linguagem.

Primeiramente, convém esclarecer que a constitucionalidade do sujeito se mostra diversa, fragmentada, perdida em avaliações externas e internas, bem como em autoavaliações tendenciosas e fictícias, tanto por parte dos biógrafos quanto por parte dos biografados, afinal, conforme estudos de Michel Schneider: “De que é feita uma pessoa? Migalhas de identificação, imagens incorporadas, traços de caráter assimilados, tudo (se é que se pode dizer assim), formando uma ficção que se chama o eu”.

Paralelamente, faz-se relevante o reconhecimento de que os recortes feitos pelos biógrafos ou mesmo pelos biografados formam uma colcha de retalhos, um mosaico de momentos relatados, em geral subjetivamente, a bel-prazer de quem escreve. Por isso, segundo Miguel Ângelo Montagner, “Os eventos biográficos não seguem uma linearidade progressiva e de causalidade, linearidade de sobrevoo que ligue e dê sentido a todos os acontecimentos narrados por uma pessoa. Eles não se concatenam em um todo coerente, coeso e atado por uma cadeia de inter-relações: esta construção é realizada a posteriori pelo indivíduo ou pelo pesquisador no momento em que produz um relato oral, uma narrativa”.

Além disso, não se pode esquecer que são muitas as fantasias, os floreios, as licenças poéticas, invadindo memoriais. Com base nisso, esclarece Monteiro Lobato: “Bem sei que tudo na vida não passa de mentiras, e sei também que é nas memórias que os homens mentem mais. Quem escreve memórias arruma as coisas de jeito que o leitor fique fazendo uma alta ideia do escrevedor. Mas para isso ele não pode dizer a verdade, porque senão o leitor fica vendo que era um homem igual aos outros. Logo, tem de mentir com muita manha, para dar ideia de que está falando a verdade pura.

Sendo assim, já que as vidas não passam mesmo de ficções interpretativas pessoais, a melhor solução representa aquela que libera biografias autorizadas e não autorizadas, oferecendo a biógrafos e a biografados que se sentirem caluniados e difamados o direito de defender sua honra na justiça. Dessa forma, assegura-se a liberdade de expressão com valorização e divulgação de pesquisas biografadas longe das amarras dos familiares de pessoas interessantes à humanidade.

Jean Carlos Neris de Paula

REFERÊNCIAS

LOBATO, Monteiro. Memórias da Emília. 43. ed. São Paulo: Brasiliense, 1936.

MONTAGNER, Miguel Ângelo. “Trajetórias e biografias: notas para uma análise bourdieusiana”. Disponível em:<http://www.scielo.br/pdf/soc/n17/a10n17.pdf.>. Acesso em: 05 out. 2009.

SCHNEIDER, Michel. Ladrões de Palavras. Campinas, Editora da Unicamp, 1990.