Biografia não autorizada

              de uma mulher pancada

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

                       Angeli Rose

 

 

 

 

 

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Era uma vez,ou serão duas ou três?
Uma menina de mãos e pés atados...

Sem livro,sem amigos
nada de peteca ou mariscos.
A tal da menina atirada
antes,tinha sido marcada.

Uma história,ela repetia
a quem por ela passava:
"minha mão esquerda,a outra
invejava.Queria ser como tantas,
igual! " ...e suspirava...


E assim falava e lembrava
toda hora que encontrava
um ouvinte ou mané
até motorista de táxi perguntava:
"-senhora,como é mesmo essa história
de mãos atrás amarradas?"
Encompridando conversa
atravessava...

Dizem que cedo,cedo
sua professora avisada
pelo pai,outro destrambelhado,
uma das mãos amarrara.

A mãe,coitada,não se metia.
Daquelas ideias,sem saber
seguia,dia após dia,
qual nada!
de sapatos,era que entendia...

A esquerda não podia!
brigava,o pai enganado.
E a professora,logo a primeira,
obedecia,quem sabe,uma alienada...

Qual o quê!?
Se a direita era livre,
preguiçosa e desengonçada,
reta régua,ou borracha apagava...

Enquanto a outra,imaginava,
tudo fazia,cansada pedia:
vai,me ajuda,maninha...
E a outra,se ria,ria...


Refestelada,a danada
trocada de nascença,diziam,
com faca não cortava,
nem um leque abanava!

E assim se soube da menina
como torta e desleixada
que santa,que nada...
enquanto a esquerda corria
a esperta da direita,hum...
dissimulava,dissimulava...

Tempos depois,a jovem
desamarrada
de amigos se afastava.
Todos,com os olhos
incomodados,lhe comiam:

"-uma canhota,aqui não pode!"
Que fazer? que poder!?
mocinha,sacode,sacode!"


 

 

Anos passaram e o eco
de amarração continuava...
nem namorado,emprego,
dinheiro?alegrias?
ô prego!
só a direita via...

Por que será que uma
canhota menina,
mal falada,se via?

Uns,dos fios invertidos,
para ela explicavam,explicavam...
Outros,de sem -vergonhice,
achavam que ela sofria,sofria...

Mas era só uma moça
de mãos com força trocada
a quem ninguém conseguia
com paciência ensinar:
a tocar violão,fazer bordado,
bater bolo,então?!...
nem pensar!


Um dia,mais que um dia,
ela descobriu
que pra jogar handball
a mão esquerda servia.
E muitos pontos,pro time
da escola,faria...

Ah! naquele dia,que folia!
A mão que corria
decidira esquecer...
Que maravilha!
a gente toda vizinha.
Até à direita sabida
que com ela implicava,
um nada,nadica de nada,
dobrada,ela contara...

Foi quando,num lance de mágica
sem cartola,ou varinha
a mão esquerda,tinindo
em poucas palavras,dizia:

"-Vocês pensavam que eu não sabia
que era uma biografia
que sobre mim se escrevia?
"anote tudo!"ele dizia..."
e gargalhavam em bromaria...

Pois foi assim que deixei
o tempo passar
e a língua grande e maldosa
de todos vocês espichar."

Deu de ombros para a letra
“ garrancho, “montanha" e estrada “,
como às escondidas, chamava
aquela galera trancada.

E assim crescia a menina desajeitada,
há pouco, jovem inábil.
doidivana, destrambelhada
maluquinha? que nada!
foi ficando uma mulher,
dizem, pancada:

Onde todo mundo em pé·ficava, ela, sem notar, sentava.
Onde todos choravam
carpideiras ou atrizes,
ela, pasmem! consigo mesma,
conversava, conversava...

Uns sem graça praguejavam:
“ -Sua mão, ninguém vai pedir não!
porque de esquerda e mudada
esse mundo gosta não!"

Ela chorava às vezes, e meditava:
(será que só a direita pode
com pena, fama e dinheiro,
boa vida conquistar?
Mas eu só quero um pouco
de sorte, um companheiro,
quem sabe, outras parceiras
pra diferença comentar...)

De professora malfadada
à blogueira pancada
aquela menina,
antes destrambelhada,
passei a ser conhecida·como a” mão santa “·que a todos carimbava: ·” Esse eu gosto.Com essa eu me importo;
aquele suporto; a outra, bem, a outra..."

E assim, por anos registrava
sua façanha: um longo tempo
sem se olharem...
de tendo uma irmã que parecia
ser a mesma coisa que nada.


 

Até palmas,quando batiam,gente,
era uma barulheira danada...
"Ó procê! mais essa! E essa!"
Pra todo mundo?aplausos,farofada.
mas entre elas,as linhas é que sabem...

Um dia,contam de quando em quando,
que a tal da irmã despertou,
depois de tanto ouvi-la
sobre outras iguais a ela
que a irmã mais não viam
falou e falou...

Pra encurtar a conversa,
a despachada arrumou
pra espertinha da destra
um trabalho pesado pintou:

"-você vai cuidar do rato!
-Eu? Disse assustada,mas...
-Chega de mão única!
A partir de hoje e sempre
você e eu vamos juntas!
Amigas,parecidas e diferentes
fazer o que nossos padrinhos pedirem Cabeça coração em frente...

 

Enquanto eu corro,coço e traço,
você apoia,caminha e passa.
Eu,com giz,um lápis ou à caneta;
você,com tecla,microfone,ou rato."

E assim,a menina amarrada,
a moça encanada e
a mulher doidivana,
foram com suas mãos unidas,
agradecidas,aprender e ensinar,
a outras que se estranhavam
a saírem de uma vida mundana
de só a si mesmas enxergarem...

A amarração foi desfeita,
desamarrada!
E quando um metido à besta,
pra ela,à pancada,jogava:
"- você é problemática,
sua destrambelhada!
Parafuso trocado!"
Com um leve sorriso,
em forma de mão
estendida e delicada,
abanava:tchau!tchau!

(seu panaca,que de gente
diferente,você entende
é nada!)
em silêncio,soprava...

Ela,parou,dizem,de repetir a história
da amarração,da professora que obedecia,
do pai enganado e da mãe da sapataria...

Aprendeu a dar laços
a fazer e desfazer nós
e,principalmente,a estalar
os dedos com euforia,
a acordar pras boas ideias
que apareciam...
e encantadas,as duas,
combinadas,costurariam...

Uma mão lava a outra...
e quando uma não puder
por qualquer motivo ajudar,
é só pensar mais um pouquinho
que outra logo,logo...
madrinha,aparecerá.


Nesse mundo cheio de conexões
tem lugar pra toda gente:
pancada e aluada também.
Pode-se até com uma esquerda certeira,
quiçá,encontrar um bem...
parceiras e parceiros
de trabalho,de jogos,e passeios
tem,tem...olha que tem!

A mulher doidivana,em caravana,
contam,seguiu viagem
por trilhas jamais esperadas:
novos amigos,diversas tarefas,
e outras mãos,além,dadas..

Foi tudo o que se soube...
e gente de mão boba e fechada
nunca mais,me contaram,
ela,agora bacana,sequer encontrava.

E aquelas mãos,estabanadas,
ainda comentam,"ô trem..."
voltaram a bater palmas
bafo-bafo,brigadeiro,
mas com alegria e vintém...

 OBS: CORDEL INFANTO -JUVENIL AGUARDANDO ILUSTRADOR E EDITORA INTERESSADOS EM PUBLICÁ-LO.