Resumo

O objetivo deste artigo é analisar se a mudança nos contos de fadas ao longo dos anos ocorreu principalmente devido a necessidade de adaptação frente à mudança de concepção de infância em que a criança deixou de ser considerada adulto em miniatura ou porque começaram a ser escritos e não somente orais. Diante disso, é analisado o conceito de concepção de infância e como ele foi mudando ao longo do tempo, também são mostradas as mudanças que o conto Chapeuzinho Vermelho teve, nas versões de Perrault e dos Irmãos Grimm. Por fim, é abordada a importância dos contos de fada para as crianças, tendo como base o livro Psicanálise dos Contos de Fadas. 

1Introdução

Os contos de fadas eram relatos orais da cultura de diversos povos, contados de pais para filhos, que foram se espalhando de geração em geração e para entender como essas histórias simples perduram por tanto tempo, precisa-se conhecer a origem delas. As crianças passam por diversas fases na infância, e durante este processo o imaginário é construído constantemente. Através do lúdico, a criança consegue interpretar da sua maneira essas histórias passadas por diversas gerações.

A literatura, ou mais especificamente, os contos de fadas são importantes nesta fase, pois auxiliam na formação do caráter através das lições das narrativas e através disso a alfabetização e o desenvolvimento psíquico da criança vão sendo ampliados, pois a criança utiliza seus conhecimentos prévios para fazer a relação com seu cotidiano e assim utilizar como ensinamento para sua vida.

Este artigo tem o objetivo de analisar se a mudança nos contos de fadas ao longo dos anos ocorreu principalmente devido a necessidade de adaptação frente à mudança de concepção de infância em que a criança deixou de ser considerada adulto em miniatura ou porque começaram a ser escritos e não somente orais. Para alcançar tal objetivo utilizamos pesquisa bibliográfica e escolhemos como teórico de base Vygotsky que, em sua teoria, diz que o desenvolvimento e a maturação da criança são requisitos do aprendizado e não o resultado dele, ou seja, dependendo do nível de desenvolvimento e maturação a criança terá uma melhor base ou não para o aprendizado. 

2 Os contos de fadas e as crianças

A concepção de infância foi mudando muito conforme o passar do tempo, hoje ela é completamente diferente que a de séculos atrás. O próprio conceito de criança é algo que foi construído com o passar do tempo, por isso é possível perceber as grandes diferenças de séculos atrás até nos dias atuais sobre um mesmo conceito. A criança nem sempre foi vista e tratada como um ser em particular, mas sim como um adulto em miniatura, que se vestia e fazia as coisas que os próprios adultos faziam.

            Assim, a criança que antes era vista como uma pessoa qualquer, sem grandes necessidades ou importância, foi criando gradativamente, através de um processo lento, sua importância na sociedade e, assim, a humanidade foi vendo-a com um olhar diferente e descobrindo suas particularidades que são o que diferencia uma criança de um adulto, como por exemplo, o seu modo de pensar e agir e a sua essência que exigem um olhar mais atencioso.

[...] o sentimento de infância corresponde a duas atitudes contraditórias: uma considera a criança ingênua, inocente e graciosa e é traduzida pela paparicação dos adultos, e a outra surge simultaneamente à primeira, mas se contrapõe à ela, tornando a criança um ser imperfeito e incompleto, que necessita da “moralização” e da educação feita pelo adulto (KRAMER, 2003, p. 18).

 

            Na Idade Média, o período da infância não era claro, ele se dava no momento em que nasciam os dentes até os sete anos de idade. O termo infância/criança queria dizer "não falante", pois os dentes ainda não estavam bem firmes e as crianças ainda tinham dificuldade em falar. Uma enorme taxa de mortalidade infantil fazia parte dessa época, além de péssimas condições sanitárias, assim os adultos viam a criança como um ser que não podiam se apegar, afinal elas poderiam morrer de uma hora para outra, por outro lado, a taxa de natalidade também era bem elevada, eles concebiam novos filhos a fim de substituir os que já haviam morrido, tudo isso era absorvido de forma fácil, os adultos sabiam que não podiam se prender às suas crianças.

Até o século XVII a sociedade não dava muita atenção às crianças. Devido às más condições sanitárias, a mortalidade infantil alcançava níveis alarmantes, por isso a criança era vista como um ser ao qual não se podia apegar, pois a qualquer momento ela poderia deixar de existir. Muitas não conseguiam ultrapassar a primeira infância. O índice de natalidade também era alto, o que ocasionava uma espécie de substituição das crianças mortas. A perda era vista como algo natural e que não merecia ser lamentada por muito tempo (SOARES, 2009. Disponível em: <http://www.artigonal.com/educacao-infantil-artigos/concepcao-de-infancia-e-educacao-infantil-1080579.html> Acesso em: 24 de setembro de 2015).

 

            Desse modo, assim que a criança conseguisse exercer algum tipo de atividade, esta já era inserida no mundo do trabalho, não existindo a preocupação com sua formação individual e social.  Somente a partir do século XVII, as crianças filhas de burgueses, passaram a se vestir com vestimentas adequadas a sua faixa etária e o lado afetivo começou a existir, como consequência disso, começou-se a valorizar a educação. As crianças separam-se dos adultos e foram colocadas em escolas até que estivessem prontas para serem adultos de fato e para conviver em sociedade, nesta fase, a Igreja se encarregou de formar a moral da criança.

[...] nesse período começa a existir uma preocupação em conhecer a mentalidade das crianças a fim de adaptar os métodos de educação a elas, facilitando o processo de aprendizagem. Surge uma ênfase na imagem da criança como um anjo, “testemunho da inocência batismal” e, por isso, próximo de Cristo (LOUREIRO, 2005, p. 36).

 

Hoje, a criança é respeitada e vista como um ser particular que tem sua individualidade e suas necessidades sejam elas físicas, emocionais ou cognitivas. Ela tem importância desde sua concepção ainda quando está no ventre de sua mãe, depois em seu nascimento, no seu período de adaptação à vida escolar, até finalmente chegar à vida adulta.

Os contos que antes eram apenas contados para as crianças de maneira informal, sofrendo alterações a cada repetição da história, futuramente passaram a ser escritos na intenção de tê-los registrados e amenizar o ato punitivo que os contos anteriores causavam, o objetivo foi estabelecer apenas uma história para cada conto, passou a conter finais felizes, trazendo consigo lições de moral e fantasia em seu enredo.

            Porém, mesmo com esse objetivo de criar somente uma história para cada conto, as variações continuaram acontecendo, pois a criança deixa de ser tábula rasa, e começa a trazer seus conhecimentos prévios para seu cotidiano, além disso, os contos precisavam acompanhar as mudanças e os ideais de cada época, como veremos no capítulo II.

            O principal marco para um novo conceito de infância, que se deu de forma lenta, foi a institucionalização da escola. Atualmente, as crianças tem contato com escolas e creches desde muito cedo, até mesmo nos seus primeiros meses de vida, dessa forma, o contato que elas têm com os adultos é muito menor do que a séculos atrás, ele se restringe, nessa fase escolar, as educadoras que os cuidam e auxiliam em seu desenvolvimento.

            Devidoa vida corrida dos pais, em que nos dias atuais a mulher trabalha tanto quanto ou mais do que os homens, a noção de preservação de infância pode estar se modificando, a criança desde muito cedo precisa aprender a se virar sozinha, fazer suas tarefas escolares, enfim, ter sua autonomia, tudo isso para ajudar os seus pais a administrarem o pouco tempo que os resta em sua rotina diária de trabalho e casa.

            Podemos também relacionar o conceito de infância com a mídia. Até os anos 60, a mídia preservava a inocência infantil, posteriormente, essa inocência foi substituída por modelos infantis cada vez mais jovens e em produtos com apelo sexual. Também graças a uma medicina mais eficaz e uma melhor qualidade de vida, o crescimento das crianças e também sua consciência de mundo se dá de forma mais rápida. Com a internet cada vez mais presente em suas vidas, seus pais não podem ter o mesmo controle sobre elas como faziam antigamente. Assim, podemos perceber claramente, como a concepção de infância foi mudando de forma muito significativa com o passar do tempo.

3 Mudanças no conto A Chapeuzinho Vermelho 

A versão de Perrault para o conto A Chapeuzinho Vermelho é simplesmente a escrita dos contos orais, sem preocupação com a infância, somente faz a adaptação do material folclórico e ameniza a violência presente na história original. Já na versão dos irmãos Grimm, o conto aparece de uma forma mais leve, pois utiliza um vocabulário adequado ao se referir a uma criança e apresenta a figura do caçador para salvar a Chapeuzinho e a vovó do lobo, influenciados pelo ideal cristão da época.

No início do conto, podemos perceber bem as diferenças na forma como as palavras são utilizadas, e como as frases são mais diretas, sem muita fantasia, na versão de Perrault, (apud RAMOS, 2010, p. 86, 87) no século XVII:

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