Caren Maiele Alves da Silva[1]

Fabiana Fernandes de Oliveira[2] 

Resumo: Este artigo tem por finalidade analisar do ponto de vista literário o conto “Feliz ano novo” de Rubem Fonseca, escrito em 1975, estabelecendo uma relação do mesmo com a corrente pós-modernista. Neste trabalho também serão apresentadas algumas considerações acerca da definição do pós-modernismo, características e momento histórico deste movimento. Ainda em relação ao conto serão identificados no mesmo os momentos de tensão textual, bem como todo o referencial teórico que ele apresenta. 

Palavras-chave: Rubem Fonseca, Pós-modernismo, feliz ano novo, tensão textual, contemporaneidade, homem moderno, etc.

Abstract: This article aims to analyze the literary point of view the story "Happy New Year" by Ruben Fonseca, written in 1975, establishing a relationship even with the current post-modernist. This work also will present some considerations about the definition of postmodernism, features and historic moment in this movement. Also in relation to the story will be identified in the tale moments of tension present in the same text, as well as all the theoretical that it presents.

Keywords: Post-modernism's tale "Happy New Year", Ruben Fonseca, textual tension, contemporary, modern man, etc.

1-    Introdução 

Este trabalho tem por finalidade analisar o conto “Feliz ano novo” de Rubem Fonseca, que foi escrito em 1975. O conto em si narra a historia de três ladroes que decidem fazer um assalto num bairro nobre do Rio de Janeiro em pleno ano novo. Rubem Fonseca retrata a violência das cidades grandes, o medo e a insegurança das pessoas com essas ondas de assaltos que até hoje perpetua no mundo. Esse marginal apresentado na narrativa está inserido na concepção pós-modernista onde o homem tem o poder de fazer o que bem quer, sem ter medo das consequências que os seus atos podem trazer. Para esse individuo não importa o que é o bem ou o mal, o certo ou errado, o que prevalece é a lei daquele que é mais forte e esperto. O conto reflete a individualização do homem, que busca encontrar uma nova possibilidade em meio a tantos acontecimentos que são decorrentes do contexto o qual ele está inserido.

O pós-modernismo é uma explosão de sentimentos e mudanças de atitudes no ser humano, tudo se transforma causando um impacto nas pessoas que ainda não se acostumaram com essa nova vertente. Outra marca pós-moderna presente no conto diz respeito à linguagem utilizada pelo autor, que foge das regras do tradicionalismo, não utiliza palavras rebuscadas, pelo contrário, exagera nos palavrões, dando ênfase ao que é vulgar, retratando o sexo explícito, os desejos e anseios desse homem pós-moderno, enfim ele utiliza a linguagem  violenta e vulgar desses marginais.

Os autores da era pós-moderna “usa” a literatura como forma estética de denunciar e criticar o envolvimento do homem em relação aos agravantes que contribuem para as desigualdades sociais que são geradas no convívio em sociedade. O escritor José Rubem Fonseca, nasceu em Juiz de Fora, Minas Gerais em 11 de maio de 1925, estreando na literatura em 1963, com a publicação da obra Os Pioneiros. Durante duas décadas, dedicou-se às narrativas curtas, e desde o início demonstrou grande interesse pela crítica social. Suas primeiras obras publicadas possuem alto nível de violência e crueldade, dando ênfase ao romance policial, deixando para traz as narrativas regionais. O conto que aqui analisamos foi publicado no livro Feliz Ano Novo em 1975, que foi censurado pelo governo no período da ditadura militar sob alegação de fazer apologia à violência.

O trabalho será dividido da seguinte forma: primeiro serão feitas algumas considerações acerca da definição, características e momento histórico do pós-modernismo. Em seguida será feita a análise do conto F. A. N[3] apontado a sua relação com o pós-modernismo e para finalizar serão feitas as considerações finais acerca do que foi exposto no trabalho.

2- O pós-modernismo: conceito e momento histórico

Antes de iniciarmos a análise do conto “Feliz ano novo” de Rubem Fonseca e sua relação com o pós-modernismo, precisamos entender o conceito dessa vertente e como ela surgiu. Muitos estudiosos ainda não definiram exatamente o que venha ser o pós-modernismo. Para alguns ele representa todas as mudanças que vem acontecendo após o modernismo. Santos (2006, p. 7:8), segue essa linha de raciocínio afirmando que o “Pós-modernismo é o nome aplicado às mudanças ocorridas nas ciências, nas artes e nas sociedades avançadas desde 1950, quando por convenção se encerra o modernismo (1900-1950)”.

Há, porém outras definições dadas ao pós-modernismo.  Barbosa apud Nazário (2005, p. 23), fala que

Em 1938, o historiador inglês Arnold Toynbee empregou a palavra pós-modernismo para definir uma nova época, iniciada já em fins do século XIX, na qual ele percebia o declínio do individualismo, do cristianismo e do capitalismo burguês. [...] esse pós-modernismo seria, contudo, um modernismo requentado: no campo da literatura e das artes, a maior parte dos procedimentos definidos como pós-modernos reproduzem experimentos que escritores e artistas modernos, como William Morris, Guillaume Appollinaire, etc.

O conceito do pós-modernismo não só está ligado às mudanças ocorridas nas ciências, nas artes e nas sociedades avançadas desde 1950 como apontou Santos na citação anterior. De acordo com Barbosa apud Nazário (2005) a era pós-moderna está voltada também para a religião quando ele cita o cristianismo, ao capitalismo e também o individualismo desse homem contemporâneo que só pensa em si e nos seus benefícios. Ainda com relação ao contexto histórico desta escola literária podemos destacar outra fala de Santos (2006, p.21) quando ele diz:

 Simbolicamente o pós-modernismo nasceu às 8 horas e 15 minutos do dia 6 de agosto de 1945, quando a bomba atômica fez boom sobre Hiroxima. [...] Historicamente o pós-modernismo foi gerado por volta de 1955, para vir à luz lá pelos anos 60. Nesse período, realizações decisivas irromperam na arte, na ciência e na sociedade. Perplexos, sociólogos americanos batizaram a época de pós-moderna, usando o termo empregado pelo historiador Toynbee em 1947.

Notamos que Santos (2006) cita no seu fragmento como o pós-modernismo nasceu e ainda fala do seu momento histórico afirmando que o marco do nascimento desta vertente no mundo foi a criação da bomba atônica e respectivamente a sua explosão em Hiroxima. A partir desse momento, surgia um novo movimento chamado de pós-moderno que iria mudar a vida das pessoas completamente com as suas inovações e mudanças radicais.

Com relação a essas mudanças ainda podemos citar a descoberta do DNA, a Guerra Fria que se eclodia no mundo, as inovações na pintura com Jaspers Johns, a literatura com John Barth e a arquitetura com os italianos propondo nesse campo uma valorização do passado e a cor local, o desenho do chip que permitiu o surgimento do microcomputador ao invés de computadores enormes, a pílula, o rock, o motel, a minissaia, instrumentos libertadores que emergiram enfim, principalmente o surgimento de todas essas tecnologias que permeiam nosso mundo globalizado de hoje e deram um grande impulso a essa corrente pós-modernista.

3-  Análise do conto Feliz ano novo

Como já foi ressaltado, o conto “Feliz ano novo” foi publicado em 1975 pelo escritor Rubem Fonseca.  O título carrega uma metáfora utilizada pelo autor, pois imagina-se que o conto narrará a festa de ano novo em si, os momentos de alegria comemorados neste dia, enfim, tudo o que acontece no fim do ano. Na verdade, a festa do ano novo acontece, mas os momentos não são de alegria e sim de medo, violência, tristeza por parte das pessoas que estão na mansão e presenciam o momento do assalto e dos assassinatos e crueldades cometidas por Pereba, Zequinha e o narrador que também participa desta cena. A comemoração desta festa tão divulgada pelos meios de comunicação em massa acontece no apartamento do narrador, onde ele e os colegas após pegarem joias, toalhas de luxo e comida festejam essa data reunidos e o narrador ainda finaliza o conto dizendo: “Que o próximo ano seja melhor. Feliz ano novo”. (F. A.N. 2001, p. 340).

O conto é narrado em primeira pessoa cujo narrador em todo o texto não é identificado, só são apresentadas no conto algumas características do mesmo, vejamos: “Pereba sempre foi supersticioso. Eu não. Tenho ginásio, sei ler, escrever e fazer raiz quadrada”. (F.A.N. 2001, p. 334). Nota-se que o narrador personagem se vangloria dizendo que só ele sabe ler e escrever e ao mesmo tempo menospreza o Pereba que não tem esse conhecimento prévio. Naquela época, as pessoas que sabiam apenas ler, escrever ou fazer algum cálculo matemático eram consideradas inteligentes, detentoras do conhecimento. O narrador personagem do conto também é considerado um anti-herói, pois é uma pessoa cheia de defeitos, e representa na sociedade os ladrões, assassinos, estupradores que vivem em função da violência. Estes seres ocupam-se à margem da sociedade e é por meio da violência que eles se inscrevem nela.

Santos (2006, p.40), diz que “a fragmentação da narrativa é total, podendo se misturar os narradores: em geral não sabemos quem está falando”. Nota-se que Santos (2006) aponta uma das marcas do pós-modernismo nas narrativas (romances, contos, etc), onde o narrador não é identificado, não tem nome, idade, cor, sexo, etc. Apenas participa ou narra a história, e raramente ele tem crise de consciência, ou seja, não reflete sobre os seus atos.

Trata-se de uma narrativa com início meio e fim. Ruben Fonseca retrata por meio do conto F.A.N, como os ladrões são pessoas frias, não tem dó, piedade e muito menos se preocupa com ninguém. O homem pós-moderno se caracteriza pelo seu individualismo e frieza. Santos (2006, p. 18) ainda nos diz que “o individualismo atual nasceu com o modernismo, mas o seu exagero narcisista é um acréscimo pós-moderno”. Para o pós-modernismo o individuo é um sujeito neo-individual, ou seja, aquela pessoa que vive sem projetos, sem ideais, a não ser cultuar sua autoimagem como percebemos na descrição do narrador personagem do conto F.A.N, ele  é um sujeito que busca a satisfação aqui e agora. O narrador, juntamente com os seus colegas, Pereba, Zequinha e Lambreta queriam ter um feliz ano novo cheio de riquezas e farturas assim como aconteciam nas casas ricas da cidade do Rio de Janeiro e usavam dos seus artifícios (cometer assaltos) para alcançar esse desejo, essa riqueza.

Prevalece no conto o tempo cronológico, vejamos: “De manha a gente enche a barriga com os despachos dos babalaôs, eu disse só de sacanagem”. (F. A. N, 2001 p. 334). “Dia 02. Vamos estourar um banco na Penha”. (Idem, pg. 336). Quanto aos espaços percebemos que permanecem “os internos” como o apartamento onde os amigos se reúnem para planejarem os seus assaltos e a mansão onde eles realizam os assaltos. Nota-se no decorrer do conto, alguns espaços externos como as ruas da cidade do Rio onde eles percorrem de carro para efetivarem o assalto como também o jardim da casa dos ricos.

Quanto à linguagem constatamos que Rubem Fonseca exagera nos palavrões: buceta, chochota, fudido, suvaco, cu, punheta, dentre outros vulgarismos para retratar essa violência da linguagem utilizada por esses ladrões. Toda essa linguagem violenta é outra característica da escola contemporânea. Notamos também no texto que Rubem Fonseca faz uma crítica à violência do ser humano, a animalização do sujeito, ou seja, os ladrões na história tratavam as suas vítimas como bichos indiferentes do sofrimento causado à essas pessoas. O autor narra à realidade nua e crua de tudo o que acontece nessa era pós-moderna, cheia de transformações que causaram e ainda causam um impacto na vida dos seres humanos.

Observamos no conto não só um momento de tensão, mas sim vários que são cruciais na história. Vejamos:

Puxamos o Opala. Seguimos para os lados de São Conrado. Passamos várias casas que não davam pé, ou tavam muito perto da rua ou tinham gente demais. Até que achamos o lugar perfeito. Tinha na frente um jardim grande e a casa ficava lá no fundo, isolada. A gente ouvia barulho de música de carnaval, mas poucas vozes cantando. Botamos as meias na cara. Cortei com a tesoura os buracos dos olhos. Entramos na porta principal. Eles estavam bebendo e dançando num salão quando viram a gente. É um assalto, gritei bem alto, para abafar o som da vitrola. Se vocês ficarem quietos ninguém se machuca. Você aí apaga essa porra dessa vitrola! (F.A.N, 2001, p.337)

O fragmento citado acima trata-se de um momento de tensão exteriorizada, onde há um conflito entre as classes sociais, os personagens se jogam (exteriorizam), usando da violência para expressar seus sentimentos diante das situações que se encontram no decorrer da narrativa. A explosão de emoções acontece por meio da exteriorização da violência gratuita, um vez que não existe um motivo concreto para a realização de tais atos.

Rubem Fonseca apresenta também no conto F.A.N uma linguagem direta, clara, pois utiliza palavras cotidianas, coloquiais, expressando a sua relação com o mundo. Vejamos um trecho do conto: “Brincadeira, eu disse. Afinal, eu e Zequinha tínhamos assaltado um supermercado no Leblon, não tinha dado muita grana, mas passamos um tempão em São Paulo na boca do lixo, bebendo e comendo as mulheres. A gente se respeitava”. (F. A. N. 2001, p.335).

Quando Rubem Fonseca retrata no conto que o narrador viu na televisão os anúncios sobre a festa do ano novo percebe-se que o autor dialoga o seu conto com o Importado Vermelho de Noé, outro conto pós- moderno do escritor André Santana, cujo texto fala dessa influência dos meios de comunicação no cotidiano popular, ou seja, de todas essas inovações da tecnologia na vida das pessoas na era contemporânea.

O homem pós-moderno vive sempre informado, por isso está atendo às mudanças e tudo o que ocorre ao seu redor, o protagonista do conto F.A.N viu na tv sobre essa tão famosa festa de fim de ano, e não queria ficar fora de todo esse glamour, queria também participar da festa, usufruir assim como os ricos de joias e “roupas bacanas”. Decidiu, portanto, juntar-se com os colegas, realizar um assalto e passar um ano novo diferente, com tudo o que eles tinham direito.

Outro ponto a observar no conto F.A.N é a estrutura narrativa de Rubem Fonseca. Vejamos um trecho: “Onde você afanou a TV? Pereba perguntou. Afanei porra nenhuma. Comprei. O recibo tá bem em cima dela”. (F.A.N. 2001, p.334). Notamos que este autor pós-moderno quebra com as regras do texto tradicional, contando a história num discurso direto, sem travessões para indicar a fala de seus personagens, enfim, essa é outra marca pós-moderna que percebemos na estrutura do conto F.A.N. Vale ressaltar também que os autores da era pós-moderna não se limitam em expressar suas opiniões, criticar a sociedade e suas mazelas, com uma linguagem um tanto agressiva e realista, além disso, faz-nos faz refletir sobre a realidade de um modo mais crítico do que passivo.

4-  Considerações finais

Diante dos fatos aqui mencionados, percebemos que o conto Feliz ano novo de Rubem Fonseca apresenta várias marcas dessa era pós-moderna como a presença do individualismo, linguagem violenta, personagem sem identidade, a influencia dos meios de comunicação de massa ou seja, das inovações tecnológicas, o retrato da realidade nua e crua, a presença dos momentos de tensão exteriorizada, a animalização do ser humano dentre outros.

O conto reflete a individualização do homem, que em meio a tantos agravantes que contribuem para as desigualdades sociais no convívio em sociedade, procura encontrar uma nova postura mediante a tantos conflitos. A literatura pós-moderna apresenta uma antiarte, ou seja, retrata a realidade cotidiana, os fatos como realmente os são, sem mascaras. Com a colaboração das novas tecnologias o movimento pós - modernista possibilitou uma nova visão de mundo, pautada numa literatura representativa, banalizando o cotidiano através da linguagem.

É preciso mudar, inovar, quebrar paradigmas, causar impacto enfim, Rubem Fonseca conseguiu através da sua narrativa “causar” todos esses sentimentos no leitor, mostrando como no mundo de hoje permeia essa violência provinda do ser humano que não se preocupa com o outro e também a violência urbana, marcada pelos roubos, sequestros e estupros.

5-   Referências Bibliográficas

  • BARBOSA. A.M; GUINSBURG .J. O pós-modernismo. Ed. Perspectiva. SP: 2005.
  • BOSI, Alfredo. História Concisa da Literatura Brasileira. 36. ed. São Paulo: Cultrix, 1999.
  • MORICONI, Ítalo. (org.). Os cem melhores contos brasileiros do século. Rio: Objetiva, 2001.
  • SANTOS, Jair Ferreira. O que é Pós-moderno. São Paulo: brasiliense, 2006.


[1] Acadêmica do 9º semestre do Curso Letras da Universidade do Estado da Bahia. [email protected]

[2] Acadêmica do 9º semestre do Curso de Letras da Universidade do Estado da Bahia. [email protected]

[3] Neste estudo, usaremos a sigla F.A.N. em substituição ao nome da obra “Feliz Ano Novo”.