1 INTRODUÇÃO

A obra Antígona é tragédia marcante de Sófocles; legado da Grécia Clássica que vem suscitando a experiência estética até nossos dias.
Perante esta "coluna robusta" da história da dramaturgia ocidental, almejamos especular sobre a mesma, partindo da concepção aristotélica de tragédia, seguida por ênfase em Sófocles e seu contexto, por um panorama sintético da obra, por reflexão sobre a temática da mesma, sondará os personagens da trama e enfocaremos partes da obra que entram em sintonia com os escritos aristotélicos sobre tragédia.


2 O CONCEITO DE TRAGÉDIA PARA ARISTÓTELES

A Poética, de Aristóteles, lega-nos os estudos do pensador estagiríta a respeito dos gêneros dramáticos, que conceitua como, tragédia, comédia e epopéia, como imitação de ações humanas, grafadas em linguagem de poesia. Neste sentido aristotélico, como enfatiza Benedito Nunes, a tragédia se ocupa de ações de homens, bons e nobres; a comédia, da ação de homens maus e vis; e a epopéia consiste numa narrativa de feitos históricos. Deste modo, a tragédia possui finalidade moral ao transmitir determinada mensagem educativa, mediante a catarse (purificação de sentimentos), que suscita em seu público, pois,

"A tragédia, imitação de uma ação completa, acabada, necessita de caracteres: representa o essencial do destino humano naquilo que tem de grande, nobre e exemplar. O seu efeito estético, a catarse (Katharsis), mostra-nos que essa representação exemplar estende sua influência ao plano moral da vida". (NUNES, 1991, p.28).

Assim, na compreensão do filósofo em questão, o gênero trágico, caracteriza-se por ser "imitação em verso de homens superiores", com extensão apresentada, compreendendo uma revolução solar. Sua linguagem é adornada e manifesta-se pelo caráter e pela idéias, afinal:

"A tragédia é a representação de uma ação elevada, de alguma extinção e completa, em linguagem adornada, distribuídos os adornos por todas as partes, com atores atuando e não narrando; e que, despertando a piedade e temor, tem por resultado a catarse das emoções". (ARISTÓTELES, 1999, p.43).

A respeito da catarse, comenta Nunes que, esta constitui um efeito peculiar ao drama trágico, sendo purificação, ou neutralização dos sentimentos de temor e comiseração que o mesmo espetáculo produz no publico. Catarse, diz respeito a um deleite de ordem intelectual com resultado moral de receio prudente ou simpatia. Dando-lhe um enfoque kantiano, estabelecemos ligação com a relação entre as faculdades da sensibilidade e do entendimento, presentes em cada ser humano, mediante a experiência estética, dada na sensibilidade, no entanto, resultando em efeitos morais, no campo o entendimento.
Ainda para Aristóteles, a qualidade da tragédia é constituída por seis elementos, a saber: fábula, caracteres, falas, idéias, espetáculo e canto. Além disso, o drama trágico é composto pelas seguintes partes: prólogo, párodo, episódios, estásimos e êxodo.


3 SÓFOCLES E SEU CONTEXTO

No contexto da Grécia Clássica, conforme o historiador Cláudio Vicentino, o teatro era acessível a toda a população, já que era representado ao ar livre. As máscaras possuíam grande relevância, pois, indicavam o gênero do drama, além do mais só os homens encenavam inclusive os papéis femininos. O papel do coro, além do canto, também consistia na dança, que os distinguia como característicos da dramaturgia da época. A fundação do gênero trágico é atribuída ao dramartugo Ésquilo. Os festivais de teatro, na Grécia, eram marcados por concursos que conferiam fama aos vencedores.
Enfatiza sobre Sófocles, Pereira Fialho que, a obra Antígona se coloca no meio da produção deste tragediografo, sendo esta numa média de cento e vinte peças. Natural de Colono, Sófocles conseguiu sua primeira vitória, inclusive sobre Ésquilo, no festival de 468 a.C e, conforme Arístofanes de Bizâncio, nosso autor, em plena glória da fama, recebeu o encargo de estratego, em Samos. O ano mais provável para a publicação de Antíona, para Schwinge, Lesky, Pohlens e Kamerbeek, seria em 442 a. C. Além de Antígona, Sófocles escreveu as peças: Ajax, As Traquíneas, Édipo Rei, Electra, Filoctetes e, Édipo em Colono. Sua morte ocorreu em 406 a. C, na Ática.


4 VISÃO PANORÂMICA DA OBRA

Antígona, bem como seus irmãos, Ismênia, Etéocles e Polinices, constituem prole do matrimônio incestuoso entre Édipo e sua mãe, Jocasta. Cumprindo a maldição de Édipo, seus filhos, Etéocles e Polinices, guerrearam pelo trono tebano, estando Etéocles na condição de rei e Polínices, reivindicando o trono, aliado à Argos, fazendo guerra contra Tebas. Estes irmãos findaram suas vidas num mútuo fratricídio. Creonte, irmão de Jocasta, assume o trono e legisla a proibição de dar honras e sepultar ao corpo de Polínices, por ter se voltado contra Tebas.
No prólogo, Antigona dialoga com Ismênia, mas em vão tenta convencê-la, a enfrentar a legislação real, e só, cumpre os ritos fúnebres sobre o cadáver de seu irmão Polinices, faz assim, motivada pelos laços sanguíneos e por ser este, um costume piedoso e sagrado, baseado na tradição familiar e, de agrado aos deuses, Desse modo, constrange a lei de Creonte, que determina sua prisão e a pena capital de condenação à morte, trancafiada viva no túmulo de sua família. Seu noivo, Hêmon, filho de Creonte, dialoga com seu pai tentando, mas em vão, persuadi-lo para que volte atrás nesta decisão. Tirésias dialoga com Creonte, acusando-o de impiedade, d poluição de Tebas e da ira dos deuses que logo se vingariam na sua prole. Aconselhado pelo coro, Creonte, arrepende-se, procede pessoalmente os ritos funerais sobre o cadáver, dilacerado por cães e aves, de Polínices, no entanto ao chegar ao túmulo de Antígona para libertá-la, esta já havia se enforcado. Hêmon suicida-se com sua espada, perante o corpo sem vida de sua amada. Quando Creonte retorna ao palácio com o corpo de Hêmon, recebe a notícia que sua esposa, Eurídice, também se suicidará, logo que os guardas lhe noticiaram a morte de seu filho. Creonte é condenado a continuar, conforme o conselho do coro e cumprir com o dever sagrado de sepultar ritualmente estes mortos.


5 TEMÁTICA

Esta questão vem sendo a correr da história alvo da crítica filosófica e hermenêutica. As discussões polarizam-se em torno da política e das legislações de matrizes, natural ou positiva e a própria questão religiosa. A interpretação de Georg W. F. Hegel é muito recorrida nos comentadores, como a mais famosa; Gilda Maciel de Barros a enfatiza:

"A interpretação mais conhecida e citada [...] é a de Hegel, para quem nessa peça se opõem o interesse familial, na figura de Antígona e, na de Creonte, a prosperidade comunitária. O bem público remeteria ao decreto do rei; a inumação se justificaria por um dever sagrado, fruto da piedade amorosa e fraterna, do temor respeitoso a os deuses ínferos". (In: http://www.hottopos.com/videtur25/gilda.htm. Acesso em 20 fev. 2011)

Entre outras interpretações recorrentes, R. Bultmann escreveu que o problema do drama constitui na busca pelo verdadeiro fundamento para a vida comunitária dos seres humanos e, por conseguinte, para sua vida política. Porém, Knox acentua que a discussão de Antígona se refere ao conflito entre as esferas vitais, constituídas pela família e pela cidade-estado.
Antígona representa a Lei natural, baseada na transmissão tradicional, ao passo que Creonte, representa a Lei positiva. Daí, questionamos: afinal, nesta obra qual destas duas esferas predomina? Lei natural, conforme a religião e a tradição familiar, ou a Lei positiva baseada no absolutismo político de um governante.

6 PERSONAGENS RELEVANTES

Damos ênfase, prosseguindo nossa abordagem, aos seguintes personagens: Creonte, Antígona, Ismênia, Tirésias, Hêmon, Eurídice, Coro e Guardas.
6.1 Creonte: representa o tirano movido pelo ódio vingativo e a altivez pessoal que se determina politicamente como rei absoluto, opondo-se à democracia tebana se respaldando no seu poder e na Lei positiva. Acaba por ser punido pelo destino, que é manifestação do poder dos deuses.
6.2 Antígona: é a princesa inflexível que, respalda-se na tradição familiar e na piedade religiosa. Convicta das desgraças do destino que atingiram sua família não teme as forças divinas, por tanto enfrenta a impiedade de Creonte e sua legislação, e livremente abraça seu destino mórbido.
6.3 Ismênia: representa a princesa recatada conforme as normas legislativas, no entanto esta, não se atreve a enfrentar o poder das divindades. Sendo flexível num primeiro momento, aceitando a lei de Creonte, logo se arrepende e tenta participar da pena de sua irmã, que não aceita seu pseudo-envolvimento. Ismênia escapa da pena mortal, através do conselho do coro, que persuade o tirano Creonte
6.4 Tirésias: é o representante da esfera divina e, por isso encarna a consciência religiosa de Creonte, podendo censurá-lo por sua impiedade que mácula Tebas; por sua condição profético-sacerdotal não aparece sujeito ao poder do tirano, mas o interpela e censura por seu dever para com a religião e a tradição.
6.5 Hêmon: o descendente do rei que busca, primeiramente, fazer seu pai voltar na decisão de penalizar com a morte sua noiva Antígona, por meio da persuasão lógica, porém, vendo-se sem êxito nesta tentativa racional, entrega-se aos sentimentos e acaba por suicidar-se perante a morte de sua noiva.
6.6 Eurídice: é mais mãe de Hêmon que esposa de Creonte, na medida do amor. Ao saber da desgraça mortal ocorrida com o suicídio de seu filho, encerra suas motivações para existir e, também se suicida. Segue seu filho Hêmon, rumo ao ínferos.
6.7 Coro: dialoga com personagens da trama e também representa a consciência religiosa de Creonte, evoluindo de uma atitude passiva para com as determinações de Creonte, até censurá-lo e, aconselha-o a agir conforme a piedade para com as normas agradáveis à divindade. Representa a assembléia dos cidadãos, que guardam a memória e aconselha a realeza.
6.8 Guardas: São extremamente dependentes de Creonte, por temor. Executam as ordens do tirano, aprisionam Antígona e a trancafiam no sepulcro de sua família. Também comentam entre si os acontecimentos ocorridos em Tebas, como as mortes, de Hêmon e, posteriormente, de Eurídice


7 PONTOS TANGENTES ENTRE A OBRA E A NOÇÃO ARISTOTÉLICA DE TRAGÉDIA

O ponto comunal, mais precisamente, é quanto à participação do coro que, na obra, bem com nos demais drama de Sófocles, interage com os personagens. Sobre esta peculiaridade, expressou Aristóteles (1999, p.60): "Também o coro deve ser considerado personagem, integrado ao todo e à ação; não a maneira de Eurípides, mas à de Sófocles".
Quanto ao conceito aristotélico de tragédia, que já temos citado, a obra Antígona comunga piamente, já que a obra trata de ações elevadas, a linguagem é bem trabalhada, em versos e, tem finalidade moral, mediante o suscitar da catarse das emoções em seu publico.
Outro depoimento aristotélico sobre o gênero trágico que bem se coaduna com o drama em questão consiste em que:

"A tragédia [...], não é apenas a imitação de uma ação completa; também relata casos que inspira horror e pena, emoções que surgem, em especial, quando as ações são inesperadas, em caso assim, o espanto é maior que nos eventos provocados pelo acaso e pela fortuna". (Idem, Ibidem, p.48).

A surpresa dá-se pela morte não pressagiada da rainha Eurídice. Também enfatizamos que o destino de Creonte, que deve permanecer vivo para não contrariar o destino, também é surpresa, numa lógica em que a morte havia fechado o cerco em torno dele.
Quanto à estrutura da peça, escreve Pereira Fialho (1997, p.11): "A tragédia é composta pelas partes que Aristóteles viria a definir na Poética 1452b: prólogo, pádoro, episódios e estásimos são em número de cinco, tendo o quarto episódio a forma de lamentação ou Kommos, também referida na enumeração da Poética".
Estando, a obra, numa posição que precede cronologicamente a Poética de Aristóteles, que tomou conhecimento da produção sófocleana. Não são estranhos pontos em comum, entre a peça m questão e a conceituação da tragédia por Aristóteles.

8 CONSIDERAÇÕES FINAIS

Do que expomos, acentua-se que a produção mimética a serviço da experiência estética e da catarse é ótima quando suscita atitudes de disposição à virtude, mediante a purificação de sentimentos que leva à reflexão, que por sua vez almejará a virtude. Daí, uma arte que não suscite essa catarse, acompanhada de reflexão moral, pode chamá-la de técnica sem finalidade elevada, quanto à moral? Baseado nesta tragédia como pode pensar uma harmonia, que priorize de maneira conjunta, a lei natural de caráter religioso e a política respaldada em normas positivas, em nosso mundo atual?




REFERÊNCIAS

ARISTÓTELES. Poética. In: Os Pensadores. São Paulo: Nova Cultural, 1999, p.33-75.

MACIEL DE BARROS, Gilda Naécia. Antígona: o crime santo, a piedade ímpia. In: http://www.hottopos.com/videtur25/gilda.htm. Acesso em 20 fev. 2011).

NUNES, Benedito. Introdução à filosofia da arte. 3. Ed. São Paulo: Ática, 1991.

PEREIRA FIALHO, Maria H. da Rocha. Introdução. In: Sófocles. Antígona. Brasilia: Ed. Universidade de Brasília, 1997, p.7-25.

SÓFOCLES. Atígona. Brasilia: Ed. Universidade de Brasília, 1997.

VICENTINO,Cláudio. História Geral. São Paulo: Scipione, 1997.