O artigo a seguir tem como objetivo a análise comparada de contos de Rubem Fonseca, baseando-os nas perspectivas de filósofos como Descartes e Sartre sobre a concepção do outro e a marca existencial. Nos contos "O Outro" e "O Cobrador" de Rubem Fonseca, procuramos fazer a comparação entre a filosofia da consciência cartesiana e a fenomenologia existencial encontrada em Sartre, interligando esse sistema de idéias a temática sobre alteridade encontrada nos dois contos. Enquanto Descartes trata os ato de representação e dedução como forma de conhecer o outro, Sartre foca no olhar e no contato com o mundo para conhecer a si mesmo que convive.
Palavras-Chave: alteridade, representação, existencialismo

1. INTRODUÇÃO
Este artigo Sartre, Descartes e a concepção do outro em contos de Rubem Fonseca, tem como objetivo principal comparar os contos O Outro com O Cobrador, ambos de Rubem Fonseca, fazendo uma conexão da temática sobre alteridade com as perspectivas dos filósofos René Descartes e Jean Paul Sartre. Apresentando concepções distintas sobre a presença do outro, esses dois filósofos defendem suas ideologias colocando a filosofia da consciência e a fenomenologia existencial como percussoras de uma idéia sobre a definição da existência humana.
O artigo está divido em dois tópicos, no primeiro abordamos a concepção cartesiana levando em consideração sua visão interna e dedutiva sobre o outro e, a perspectiva de Sartre que aborda o olhar e o contanto humano como elementos importantes para conhecer a si mesmo e ao outro. Já no segundo tópico direcionamos essas perspectivas filosóficas a comparação nos contos de Rubem Fonseca.

2. DESCARTES, SARTRE E O DEBATE SOBRE ALTERIDADE
Quando se propõe escrever sobre o significado da alteridade, deve-se focar as várias perspectivas que seguem junto ao seu conceito central, que trata do contato social com outros indivíduos, em que é observado tanto a existência do outro, como nossa própria existência através da distância que somos capazes de localizar entre esses dois pontos, além de focar também a presença das semelhanças e diferenças que são possíveis nesses casos. Buscando entender o que seria a noção do outro, vários pensadores, antropólogos e cientistas refletiram sobre o que seria o existir e o que a visão externa do mundo seria capaz de interferir em nossa consciência. Entre esses curiosos estavam René Descartes e Jean Paul Sartre, que representaram duas visões completamente opostas sobre a concepção do outro. Firmando seus nomes e suas filosofias, que são estudadas ainda hoje por pesquisadores que como eles também procuram desvendar o mistério da existência humana e o motivo pelo qual seu contanto com a sociedade ser tão complexa.

2.1 DESCARTES E A REPRESENTAÇÃO DO OUTRO
Dominado por algumas imagens que viu em sonhos, Descartes considerou-se iluminado por ser indicado à missão que deveria efetuar, onde pretendia unificar todo o conhecimento do mundo, buscando verdade em cada fato. Dessa forma, não seduziu-se pelas ciências humanas por acreditar nem sempre ter uma base verdadeira, foi a matemática que lhe trouxe a solidez que procurava. E através das leis matemáticas buscou contato também com as leis da natureza tentando entre essas um acordo, com a finalidade de se conhecer todas as coisas do mundo. A partir do que ele conheceu no campo da matemática, buscou trazer seus conhecimentos a focar a existência humana e, foi recusando a dúvida que admitiu uma das maiores certezas "o existir". A seguir reconheceu que a existência é completamente dependente do pensamento Eu penso, logo existo. Finalizando a idéia de que se é certo que penso e que existo, logo o outro também é produto do meu pensamento, assim como tudo a minha volta.
A filosofia da representação encontrava espaço nos estudos de Descartes a respeito da construção da imagem do outro. O filosofo acreditava que não era possível no encontro com o outro conhecer sua subjetividade por essa se encontrar presa e escondida em seu corpo. Dessa forma compreendeu que aquele a quem observava passava a ter uma significação conforme seu pensamento e a representação que fazia de sua imagem. O ser humano estava representado segundo a perspectiva cartesiana, como uma máquina, isso porque não haveria possibilidade de explicar o que havia em seu interior, também não sendo possível a explicação do que aparece nos gestos expressados pelo rosto. Segundo o autor, quando nossa visão encontra o outro, nem sempre é o ser humano que vemos [...] mas objeto da ciência. Quando o outro me olha [...] para ciência é: um olho é cristalina, com a córnea e a retina. (LUIJPEN, 1973 p.274) Como existe uma distância entre eu e o outro, meu pensamento a partir de determinada atitude reúne informações representativas a respeito do que vejo, o outro é uma reunião de conceitos realizados em meu próprio pensamento. Para Descartes, tudo o que é observado em meu ser também existe na outra pessoa e, é partindo do que julgo saber sobre eu mesmo, que construo as necessidades e a realidade da outra pessoa. Assim "[...] o outro não passa de algo que eu mesmo crio [...] o outro sou eu mesmo. (GALLO, 2008 p.2) A partir disso, Descarte inaugurou uma filosofia da consciência, onde a realidade esta no interior, que é atribuída pelo pensamento dedutivo: conhecer o outro tendo em foco meu próprio pensamento, não necessitando de contato. O pensar cartesiano foca em um homem preso em sua solidão, não havendo [...] solidariedade com os homens que existem fora de mim [...]. (JACOBY, 2008 p.4)
O filósofo ainda observa que o pensamento representativo está presente em todos os seres humanos e, que somos capazes de através do nosso consciente de construir a realidade de algo. Porém, a representação é individual, ou seja, o que no meu pensamento é verdade pode não ser para outra pessoa, que pode ter outra perspectiva.
Que é uma torre de igreja? Ela tem um sentido determinado para o arquiteto, que estabeleceu uma harmonia entre a torre e a paisagem ou a parte da cidade. Mas não é esse sempre o sentido para o vigário da paróquia, que tem de pagar a torre. Evidentemente não coincide com o arquiteto, porque os dois não falam da mesma torre. [...] Qual o sentido da nudez humana? Depende totalmente das possíveis atitudes do sujeito: a artística, a médica, a sexual, a esportiva ou a higiênica. [...] Um segundo grupo é a práxis humana. A isso se prendem muitos e vários campos pragmáticos [...] é mesmo necessário, falar sobre um mundo para o camponês, o professor, o revolucionário [...] (LUIJPEN, 1973 p.77-78)
Por essa razão há tantos conflitos, o pensamento interno já me é real, o outro é como uma máquina por ser difícil imaginar o que ele sente e, somados a possibilidade de visões diferentes, está formado a complexidade da socialização humana.

2.2 SARTRE E OLHAR SOBRE O OUTRO
Por ser soldado durante a Segunda Guerra Mundial, Jean Paul Sartre vivenciou cenas que lhe marcaram profundamente e, nessa época passou a refletir sobre o existencialismo, sobre sua visão do outro. A posição de Sartre sobre o horror da guerra o influenciou a conhecer tudo sobre o Homem real e seu comportamento diante a sociedade, contribuindo para a criação da fenomenologia existencial. [...] é no encontro entre os seres que ocorre a identidade e o sentido do ser. É o que o autor denomina de relação original estabelecida pelo ato de olhar. [...] (JACOBY, 2008 p.1).
O olhar era para Sartre a única maneira de conhecer a si mesmo e ao outro. Em oposição à afirmação cartesiana de que o homem é um ser solitário, Sartre manifesta sua opinião afirmando que a existência humana só é firmada devido o contato com o outro, seja através do olhar que me segue ou do toque físico. O olhar é para a fenomenologia sartreana de fundamental importância, pois é através dele que estabelecemos a relação Eu-outro, focando na relação complexa que existe entre o ser e a convivência com a sociedade. Ao ver o outro e observar suas diferenças, não sou mais o centro de tudo como afirmava Descartes, mas o elo entre meu ser e o mundo. Dessa forma, o filósofo separa o sujeito e o mundo, mostrando que há dois tipos opostos do ser: O Em-si (em soi) e o Para-si (pour soi). O Em-si representando o material, o ser humano enquanto aspecto físico, não tendo consciência, não mantendo relações. Já o Para-si é o olhar externo, contato com o mundo, trazendo de volta para o ser àquilo que descobriu no outro.
Descartes assumia a relação solitária do homem, evitando o contato com outras pessoas. Sartre por sua vez, afirma que é o contato corporal que une o ser humano e o mundo.
O sujeito de nenhum modo é o que é sem estar mergulhado no corpo e enredado no mundo. Sem corpo, nem mundo o sujeito não é aquilo que ele mesmo é, ou seja, sujeito humano, precisando, pois do que ele não é- corpo e mundo- a fim de poder ser sujeito. (LUIJPEN, 1973 p.52)
Afirma ainda que quando temos consciência de algo a anulamos, como ele exemplifica o cinzeiro, que observo, o aniquilo, pois tenho consciência de que não sou como ele. Assim [...] a consciência do em-si é aniquilação [...] e toda consciência é consciência de alguma coisa. (LUIJPEN, 1973 p.77) Quando observo algo sei da distância que existe entre o que sou e o que observo. Não sou idêntico ao que observo (não identidade). Mas, ao aniquilar um objeto, percebo que na verdade eu o afirmo, ou seja, tomo consciência de que ele existe e que não sou como ele.
Na fenomenologia existencial de Sartre olhamos pra fora, observamos o outro e só assim somos capazes de voltar a nossa interioridade e conhecer a nós mesmos. É o outro que me identifica que me julga. Quando me mostro para o outro, ele me fazer ser, mesmo também tirando de mim minha subjetividade. Esse filósofo mostra ainda que nem sempre esse contato com o exterior é positivo, afinal segundo ele mesmo O inferno são os outros. Identificando [...] dois níveis possíveis para com outro: primeiramente, o amor, a linguagem, o masoquismo. Em segunda instância, a indiferença, o desejo, o ódio, o sadismo. (GALLO, 2008 p.4) O amor é colocado como um "sim" ao outro, um apelo a estar junto. Já o ódio em Sartre

[...] o olhar é um olhar de ódio, o olhar que não me aceita como sujeito, não tolera que eu como subjetividade projete meu próprio mundo, mas sim me lança como uma coisa do mundo, assinando minhas possibilidades. (LUIJPEN, 1973 p.289)

3. UMA ANÁLISE COMPARADA DE "O OUTRO" E "O COBRADOR" DE RUBEM FONSECA
Os contos de Rubem Fonseca são considerados em sua maioria, representação da liberdade literária do autor, capaz de tocar em assuntos antes não tratados ou escritos de forma tímida. O contista soube tratar de forma grandiosa temas atemporais, conseguindo penetrar na consciência do leitor, fazendo-o refletir. Vem daí a importância desse autor e seus contos destemidos.
Um tema que pode ser constantemente observado nas obras desse autor é violência, que é apresentado no conto através do conflito de personagens, da não compreensão da presença da outra pessoa ou aceitação dessa. Entretanto, torna-se necessário focar que o que se chama de Alteridade é responsável por esses conflitos ou a ausência deles, sendo posteriormente encoberta ou não pelo ato violento. Nos contos "O Outro" e "O Cobrador" ambos de Rubem Fonseca, somos levados a reconhecer a presença da temática sobre Alteridade, que vem, porém colocada e analisada a partir de perspectivas diferentes. Em "O Outro", Rubem Fonseca nos apresenta um executivo aparentemente estressado em seu trabalho, não considerando o que fazia rotineira/pontualmente como algo útil. Passava o dia dando ordens, lendo memorandos, resolvendo problemas, corria contra o tempo e, não suportava feriados por acreditar atrasar o que precisava ser feito. Até que no mesmo dia que sente uma forte taquicardia, é surpreendido por um sujeito em seu escritório pedindo ajuda, para mantê-lo longe lhe entrega algumas moedas. O executivo preocupado com o ataque cardíaco que sofrera procura um médico que o aconselha a mudar de vida: [...] o médico havia dito, com franqueza, que se eu não tomasse cuidado poderia a qualquer momento ter um enfarte [...] (FONSECA, 1994 p.412) A partir desse conturbado dia, o executivo passa a ser incomodado pelo sujeito que lhe pedia ajuda constantemente, sempre conseguindo tirá-lo dinheiro. A aparência do sujeito realmente o colocava medo e por isso cedia aos seus pedidos. Decide então se afastar do emprego por um tempo, a fim de cuidar de sua saúde e principalmente se ver livre do pedinte. Mas em seu passeio habitual, acaba o encontrando e, novamente sendo incomodado, leva o sujeito até a porta de sua casa prometendo dinheiro, entra em casa, sai e atira no pedinte. Nesse conto Rubem Fonseca constrói no personagem do executivo, uma personalidade solitária, centrada em seus próprios pensamentos, que não aceita a presença da exterioridade em sua vida. Toda a sua rotina é voltada ao trabalho que ele mesmo considera não ser útil. Notamos na visão desse personagem, aquilo que Descartes discute em sua filosofia da consciência, onde o sujeito é um ser autônomo, solitário, que não necessita de contato com o outro. O cogito Penso, logo existo representa aquilo que no interior do personagem do conto é sua verdade, sua existência. Podemos perceber isso no momento em que ele sofre a taquicardia e é aconselhado por seu médico a afastar-se do emprego, que é recusado. Mas, é no seu encontro com o sujeito (denominado dessa forma para torná-lo diferente) que percebemos a célebre perspectiva cartesiana acerca da concepção do outro, que é visto apenas através da representação do que se idealiza. No primeiro encontro com o pedinte, o executivo reage com indiferença, dando-lhe "trocados" sem ao menos ouvir se a ajuda pedida se referia mesmo a dinheiro. [...] Nesse mesmo dia, ao chegar pela manhã ao escritório surgiu ao meu lado, na calçada, um sujeito que me acompanhou até a porta dizendo ?Doutor, Doutor, será que o senhor podia me ajudar?? Dei uns trocados a ele e entrei" (FONSECA, 1994 p.411) Por não querer um contato ou por acreditar ser o pedido de ajuda relacionado a dinheiro, foge daquela cena sem importar-se com aquele que esta ao seu lado. Há um momento na narrativa, que o sujeito é descrito pelo executivo de forma temerosa [...] Era um homem branco, forte, de cabelos compridos. [...] (FONSECA, 1994 412) Essa imagem é colocada pelo personagem de forma dedutiva, pois o narrador-personagem não repara no pedinte e, por dedução ele constrói tal imagem. O pensamento sobre algo ou alguém segundo Descartes é real a partir da visão que tenho. [...] Conforme o racionalismo [...] os resultados das deduções lógicas concordam com a realidade [...] Só o pensamento por conceitos abstratos e universais, separado da experiência sensitiva, tem valor de realidade (LUIJPEN, 1973 p.125). Entretanto, a filosofia de Descartes sofre uma contradição quando é direcionada ao último parágrafo do conto, quando mostra o personagem do sujeito como ele realmente era e não como havia sido representado pelo executivo.

Fechei a porta, fui ao meu quarto. Voltei, abri a porta e ele ao me ver disse ?não faça isso, doutor, só tenho o senhor no mundo?. Não acabou de falar, ou se falou eu não ouvi, com o barulho do tiro. Ele caiu no chão, então vi que era um menino franzino, de espinhas no rosto, e de uma palidez tão grande que nem mesmo o sangue, que foi cobrindo a sua face, conseguia esconder. (FONSECA, 1994 p. 414)

Nesse trecho, percebemos como o personagem é descaracterizado, contrariando o pensamento que Descartes tem sobre a representação, em que aquilo que acredito, torna-se real. O ser humano segundo o olhar cartesiano é metaforizado como máquina, não permitindo conhecer sua subjetividade. Devido a isso, o julgamento acerca do outro é apresentado segundo a consciência interna que tenho sobre ele. [...] Exercendo o mecanismo da dúvida sobre tudo o que há é que se conhece, descobriu na interioridade da consciência a certeza da existência, pelo exercício do pensamento. (GALLO, 2008 p.3)
No conto "O Cobrador", apresenta um narrador personagem que também é auto nomeado dessa forma. No início já nos é apresentado o personagem no consultório de um dentista, que lhe tenta receber quatrocentos cruzeiros pelos dentes que acabara de arrancar, ao que o cobrador nega respondendo que não tem o dinheiro e que não pagaria [...] Eu não pago mais nada, cansei de pagar!, gritei para ele, agora eu só cobro! Dei um tiro no joelho dele. Devia ter matado aquele filho da puta. (FONSECA, 1994 p.492). As cenas de cobrança são seqüenciadas com muita violência. O personagem percorre a narrativa exigindo coisas que segundo ele o seriam de direito, mas que como faziam com muitos, também o haviam retirado. Segue fazendo suas vitimas, que em sua maioria são pessoas consumistas, que vivem esbanjando o que tem. O personagem pode-se dizer que apresenta uma missão política, por tentar "fazer justiça" buscando ser visto e temido pela sociedade. Num jogo de dominação, é ele e não suas vitimas quem domina. Ele, não o dentista, o cara da Mercedes, a garota estuprada, o executivo e o casal. Um excluído da sociedade tendo o cansaço e a indignação como motivações para seus atos.
Em oposição a "O Outro" que apresentava traços lidos na concepção de Descartes, em "O Cobrador" faz-se notar muito do que conhecemos na filosofia existencial de Sartre. O olhar sartreano sobre o mundo exterior é retratado em O Cobrador e forma bastante variada, seja na observação da vida dos ricos para depois voltar a si e colocar-se como excluído. Ainda o olhar permanece quando colocado como marginal, ele passa a se considerar um representante maior dessa classe, apresentando atitudes que os façam se perceber como indivíduos. Ou até mesmo é possível encontrar solidariedade e amor no personagem.
Já vimos que O mundo é inseparável do sujeito, mas de um sujeito que não é mais que projeto do mundo, e o sujeito é inseparável do mundo, mas de um mundo que ele mesmo projeta. (LUIJPEN, 1973 p.84) Não há como um ser humano não fazer parte da vida do outro, mesmo como é exemplificado em O Cobrador a vida do outro seja observada e comparada ao narrador personagem e graças a esse contato, haja a exclusão.
Estou querendo muito matar um figurão desses que mostram na televisão a sua cara paternal de velhaco bem sucedido, uma pessoa de sangue engrossado por caviares e champãs. Come caviar/ teu dia vai chegar. [...] (FONSECA, 1994 p. 500-501)

O narrador como representante dos marginalizados busca o contato com a burguesia, com intuito de ser visto e, é nesse contato que é levantada a crise de identidade do personagem e a crise da coletividade. A relação com o outro é conflituosa porque ao mesmo tempo que ele cobra os seus "direitos", percebe que existe desigualdade, a que Sartre denomina fenomenologia da indiferença. O que ele diz do olhar representa exclusivamente a explicitação da resposta do homem à consciência da subjetividade do outro: o ser olhado deve ser entendido como um modo de ser tratado pelo outro. (LUIJPEN, 1973 p. 302)
Sartre identifica ainda a fenomenologia do amor e do ódio, como sentimentos que ligam o Eu com o mundo, fazendo com que a subjetividade seja exteriorizada. Em "O Cobrador" o ódio é percebido nas falas do personagem, que se coloca como um justiceiro agredindo, matando e estuprando pessoas de classe social superior a sua.

Quando satisfaço meu ódio sou possuído por uma sensação de vitória, de euforia que me dá vontade de dançar ? dou pequenos uivos, grunhidos, sons inarticulados, mais próximos da música do que da poesia, e meus pés deslizam pelo chão, meu corpo se move num ritmo feito de gingas e saltos, como um selvagem, ou um macaco. (FONSECA, 1994 p. 500)

Mas o Cobrador não demonstra apenas ódio pelos que estão a sua volta, há momentos no conto que ele se mostra solidário por cuidar de uma senhora inválida. E o momento em que ele e Ana se apaixonam, mostram a união de duas classes sociais, havendo uma relação que desestrutura a identidade de ambos.
Assim, o protagonista do conto observa através dos jornais, revistas, cinema a sociedade e a partir dessa visão, coloca-se como um excluído e passa a cobrar o que acredita ser seu direito como ser humano: Os ricos gostam de dormir tarde/ apenas porque sabem que a corja tem que dormir cedo para trabalhar de manhã [...] Leio o jornal para saber o que eles estão comendo, bebendo e fazendo. ( FONSECA, 1994 p. 494)

4. CONSIDERAÇÕES FINAIS

Este artigo proporcionou o estudo de uma temática ainda complexa visto que escrever ou falar sobre o outro é uma tarefa árdua, que necessita ainda bastante espaço em nossa sociedade. A partir dos estudos de Descartes e Sartre conhecemos as concepções de dois autores sobre um tema que nos vem de forma atemporal, visto que o que foi estudado por esses dois filósofos ainda permanece sendo estudado ainda nos dias de hoje.
Procuramos neste artigo aproximar os pontos de vista desses dois autores, relacionando-os a contos modernos. Reconhecemos que muito ainda deveria ser mencionado sobre os traços ideológicos de Sartre e Descartes, mas fica aqui um estímulo a continuação desta pesquisa sobre um tema tão complexo, porém tão instigante.

5. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

CARLOS, Sergio Antonio. JACOBY, Márcia. O eu e o outro em Jean Paul Sartre: pressupostos de uma antropologia filosófica na construção do ser social. 2008. Disponível em
DESCARTES, René, Vida e obra: coleção os pensadores. São Paulo: Editora Nova Cultural, 1999.
FONSECA, Rubem, Contos Reunidos. São Paulo: Companhia das Letras, 1994.
GALO, Sílvio, Eu, o outro e tantos outros: educação, alteridade e filosofia da diferença. 2008. Disponível em http://www.grupalfa.com.br/congressotrabalhos/palestras/gallo .pdf Acesso em: 06 de Jun. 2010.
LUIJPEN, Wilhelmus Antonius Maria. Traduzido MATTOS, Carlos Lopes de, Introdução à Fenomenologia Existencial. São Paulo: Ed. Da Universidade de São Paulo, 1973.