A representação da terra e a identidade nacional na Canção do exílio de Gonçalves Dias, Canto de regresso à pátria de Oswald de Andrade e Canção do Exílio de Murilo Mendes.

Maria do Socorro Almeida de Figueirêdo
O primeiro poema "Canção do exílio" foi escrito pelo poeta brasileiro Gonçalves Dias em 1843, na cidade de Coimbra - Portugal. Trata-se da obra prima desse poeta brasileiro, pertencente à primeira geração romântica, onde a consciência de país novo se apresentava e a identidade nacional estava baseado na natureza que era representada por paisagens pitorescas com uma visão que dá ênfase ao nativismo.
O segundo poema é o "Canto de regresso à pátria", escrito pelo poeta brasileiro Oswald de Andrade, foi um dos promotores da Semana de Arte Moderna de 1922, na cidade de São Paulo.
O terceiro poema é "Canção do Exílio" de Murilo Mendes, poeta da geração de 30, em suas obras conquista dimensões temáticas da religião à crítica política e social. Os três estão inseridos e organizados na ideia de definição de identidade nacional, ambos fazem parte de um contexto modernista, onde seus poemas são marcados pela revisão crítica à estética anterior e da ruptura desses moldes existentes, como também a noção de nação em oposição a exuberância da natureza, celebrando então o progresso, desde que o Brasil saia do atraso, que para eles está representado no poema de Gonçalves Dias, porém a forma de abordar o tema é distinta.
Segundo Antonio Candido a literatura brasileira contribuiu para o processo de influências e imposições estrangeiras para o povo colonizado. Ele cita:
A literatura desempenhou papel saliente nesse processo de imposição cultural, bastando lembrar que os cronistas, historiadores, oradores e poetas dos primeiros séculos eram quase todos sacerdotes, juristas, funcionários, militares, senhores de terras - obviamente identificados aos valores sancionados da civilização metropolitana. Para eles as letras deviam exprimir a religião imposta aos primitivos e as normas políticas encarnadas na Monarquia; mas mesmo quando desprovidas de aspecto ideológico ostensivo, seriam uma forma de disciplina mental da Europa, que deveria ser aplicada ao meio rústico a modo de instrução e defesa da civilização. (Candido, 2003).
Deste modo, podemos observar traços fortíssimos dessa imposição no poema "Canção do exílio", a seguir:

Minha terra tem palmeiras,
Onde canta o Sabiá;
As aves, que aqui gorjeiam,
Não gorjeiam como lá.
Nosso céu tem mais estrelas,
Nossas várzeas têm mais flores,
Nossos bosques têm mais vida,
Nossa vida mais amores.
Em cismar, sozinho, à noite,
Mais prazer eu encontro lá;
Minha terra tem palmeiras,
Onde canta o Sabiá.

Minha terra tem primores,
Que tais não encontro eu cá;
Em cismar ?sozinho, à noite
Mais prazer eu encontro lá;
Minha terra tem palmeiras,
Onde canta o Sabiá.
Não permita Deus que eu morra,
Sem que eu volte para lá;
Sem que desfrute os primores
Que não encontro por cá;
Sem qu'inda aviste as palmeiras,
Onde canta o Sabiá.

A Canção do exílio de Gonçalves Dias se destina a contemplar e exaltar a natureza. O poeta estava estudando em Portugal, na época em que escreveu esse poema, refletindo sentimentos de saudade e patriotismo. Observa-se, dessa forma, como o poeta procura representar a majestade de sua pátria através das figuras da palmeira e do sabiá. O uso das palavras "lá" ? Brasil ? e "cá" ? Portugal ? revelam saudosismo pelo afastamento geográfico do poeta em relação à sua pátria. O exílio de Dias é físico e geográfico em relação à terra brasileira diretamente posta em oposição à de Portugal e exalta a autenticidade do ente brasileiro através da sua natureza que tem hegemonia sobre a de Portugal. Ele apresenta
O poema começa com a oposição da terra natal do eu lírico como lugar distante (lá) e a terra do exílio. Essa oposição parte de elementos comuns e vai crescendo até atingir a própria vida.
A comparação não se dá entre coisas que existem na terra natal e nem no exílio, mas sim entre elementos presentes em ambas as terras, subjetivamente afirmando a superioridade da terra natal.
O poema por pertencer à primeira geração romântica no Brasil, que coincide com a época da independência, e associada à grandes aspirações nacionalistas de interesse pelas coisas do país, a "cor local", refletem no romantismo, elementos da geografia local, afirmando a diferença e independência de Portugal, inclusive literariamente.
O poema traz toda uma ideologia dominante da época, mascarando a realidade, onde os escritores para serem mais valorizados quando a sua obra trazia questões nacionalistas. A inteligência brasileira estava comprometida com o poder e em vez de assumir uma postura crítica, colaborava para a dominação exercida pelos grupos dominantes e perdia-se em conteúdos que traziam apenas efeitos embelezadores da estilística.
Em oposição ao poema de Gonçalves Dias, temos o poema "Canto de regresso à pátria", de Oswald de Andrade, a seguir:

Minha terra tem palmares
Onde gorjeia o mar
Os passarinhos aqui
Não cantam como os de lá
Minha terra tem mais rosas
E quase que mais amores
Minha terra tem mais ouro
Minha terra tem mais terra
Ouro terra amor e rosas
Eu quero tudo de lá
Não permita Deus que eu morra
Sem que volte para lá
Não permita Deus que eu morra
Sem que volte pra São Paulo
Sem que veja a Rua 15
E o progresso de São Paulo.


O poema "Canto de regresso à pátria", de Oswald de Andrade, é uma produção realizada no início da década de 20, época que se caracterizava pelo nacionalismo crítico e por uma revisão tanto da história do Brasil como da produção literária anterior que, segundo o pensamento da época, havia uma apropriação inadequada das produções e ideal estrangeiros. Oswald foi o precursor do antropofagismo, que significa "comer o que vem de fora, desfazendo-se do que é de fora e incorporando elementos nacionais". É nessa perspectiva que Oswald critica a forma ufanista de Gonçalves Dias usa ao valorizar os elementos nacionais. No "Canto de regresso à pátria", Oswald, por trás do humor e da sátira, ainda mantém o caráter nacionalista na poesia, mas sob um olhar crítico. A Rua 15, que abriga as principais agências bancárias do país, contrapõe-se ao progresso de São Paulo, que implica em mais poluição, desapropriação da natureza para dar lugar à desigualdade social. Ele apresenta um discurso modernista pregando o progresso e o futuro.
Neste poema, não temos mais a pátria idealizada, perfeita, onde o sabiá cantava nas palmeiras, mas uma pátria com outro tom e outra cor. Ao substituir o nome palmeira por Palmares, o poeta faz uma crítica histórica, social e racial. Esta substituição põe por terra toda a visão paradisíaca e romântica idealizada por Gonçalves Dias. Há um desvio do sentido original do texto e há uma contraposição da estética modernista à estética romântica.
"No "terceiro e quarto versos da primeira estrofe" Os passarinhos daqui não cantam como os de lá" o poeta se refere à diversidade cultural e lingüística do nosso povo. A palavra passarinho pode significar o nosso povo com o seu canto próprio, o seu jeito de ser, de sentir e de falar. Nestes versos o poeta afirma a nossa identidade cultural, a nossa diferença e a nossa universalidade.
Esta visão crítica do Brasil incorpora os aspectos do movimento modernista que se articula com o movimento da independência política e cultural.
Vejamos a canção do exílio de Murilo Mendes:

Minha terra tem macieiras da Califórnia
onde cantam gaturamos de Veneza.
Os poetas da minha terra
são pretos que vivem em torres de ametista,
os sargentos do exército são monistas, cubistas,
os filósofos são polacos vendendo a prestações.
A gente não pode dormir
com os oradores e os pernilongos.
Os sururus em família têm por testemunha a Gioconda.
Eu morro sufocado
em terra estrangeira.
Nossas flores são mais bonitas
nossas frutas mais gostosas
mas custam cem mil réis a dúzia.
Ai quem me dera chupar uma carambola de verdade
e ouvir um sabiá com certidão de idade!


Murilo Mendes, em sua "Canção do Exílio", utiliza o mesmo humor e sátira de Oswald de Andrade, mas foi mais ousado ao apresentar uma nova perspectiva em sua releitura: denuncia a invasão cultural estrangeira no Brasil. O nacionalismo em seu poema se fundamenta numa crítica à realidade sócio-cultural brasileira. Ele não se conforma em se aceitar tudo o que vêm de fora: as frutas, os pássaros, os artistas, as ideologias. Ele tem consciência de que também temos coisas boas e que temos de valorizá-las. Essa desigualdade sócio-cultural faz o poeta sentir-se um exilado em sua própria terra. O que isola o eu ? lírico de Murilo Mendes da brasilidade não é o oceano físico, mas o cultural formado pela grande quantidade de influências estrangeiras.
A substituição dos elementos que, no poema de Gonçalves Dias, representam a brasilidade da terra, como as palmeiras que dão lugar às macieiras californianas e o sabiá que sucumbe a gaturamos venezianos, Murilo Mendes incorpora o cotidiano em seus versos num tom ironizante nos versos cinco a dez, no verso quatro, critica o modo de influência simbolista que coloca o poeta em lugar de superioridade distanciado-o da realidade brasileira, embora, segundo Alfredo Bosi as idéias estrangeiras influenciaram o pensar dos brasileiros.

(...) só por volta de 1922, quando as várias tendências do pensamento e da arte européia afetaram a consciência brasileira, é que será compreendida e assimilada a verdadeira revolução espiritual e estética que trazia em seu bojo o simbolismo. (Bosi, Alfredo. P.12)

O poeta faz referência aos pernilongos como um meio de reforçar o incômodo que a presença estrangeira causa. Murilo Mendes não deixa de elogiar sua pátria, fazendo referência à superioridade de nossas flores e frutos. "Dessa forma a nacionalidade brasileira e suas diversas manifestações espirituais se configuram mediante processos de imposição e transferência de altura do conquistador". (Candido, 2003), ou seja, a invasão cultural citada por Murilo Mendes expressa que mesmo o Brasil tendo sido construído a partir de idéias de fora, temos nossas grandezas que devem ser ressaltadas.

Referências bibliográficas
BOSI, Alfredo. A literatura brasileira: o pré-modernismo. Vol. V, 2ª edição, editora Cultrix, São Paulo,p.12

CANDIDO, Antonio. "Literatura de dois gumes". In. A educação pela noite e outros ensaios. São Paulo: Ática, 2003.

DE MASI; FREI BETTO, Diálogos Criativos / Domenico De Masi e Frei Betto; Mediação e Comentários: José Ernesto Bologna ? Rio de Janeiro: Sextante, 2008.
DIAS, Gonçalves, Canção do Exílio. Disponível em: < http://www.horizonte.unam.mx/brasil/gdias.html. Acessado em 28 de setembro de 2010.
MOISES, Massaud. A literatura brasileira através dos textos, São Paulo: Cultrix, 25º Ed. 2005.