A REGRA-MATRIZ DE INCIDÊNCIA TRIBUTÁRIA E O CONSTRUTIVISMO LÓGICO-SEMÂNTICO, NA DOUTRINA DE PAULO DE BARROS CARVALHO: UMA ANÁLISE ACERCA DO CRITÉRIO ESPACIAL PARA A INCIDÊNCIA TRIBUTÁRIA DO IPTU 

Mayara Almeida[1]

Antônio de Moraes Rego Gaspar[2]

Sumário: Introdução; 1. O conceito de tributos e sua espécie; 2. Critérios da regra matriz de incidência tributária; 3. 3. O critério espacial do IPTU e o conflito com o ITR; 4. Conclusão; 5. Referências.

 

RESUMO

O presente trabalho consiste, precipuamente, em analisar a regra matriz de incidência tributária do IPTU sob a visão da doutrina de Paulo de Barros Carvalho. Assim, torna-se importante examinar o verdadeiro sentindo dessa teoria para a incidência do IPTU, imposto que será objeto de análise do presente trabalho. Para isso, far-se-á uma ampla pesquisa sobre todo o tema em questão através de uma análise doutrinária e jurisprudencial. Além disso, deverá ser pertinente uma análise da legislação que é aplicada ao tema, bem como a explicação de algumas nuances, como a distinção entre imóveis urbanos e rurais.

PALAVRAS-CHAVES

Regra matriz de incidência tributária. IPTU. Imóvel urbano. Imóvel rural

 

INTRODUÇÃO

 

O Direito Tributário, ramo do direito público, estuda as relações existentes entre o Estado e o contribuinte, na qual este tem a obrigação de destinar parte do seu patrimônio para contribuir para o exercício da atividade financeira estatal. É por esse motivo que o Estado tem uma posição de supremacia nessa relação, possuindo competência de criar e cobrar tributos nos limites impostos pela lei.  É o que ocorre em relação ao IPTU, um imposto de competência dos municípios e incidente sobre a propriedade, que será objeto do presente trabalho.  No atual sistema tributário brasileiro, a análise desse tributo é de imprescindível importância, uma vez que visa não só garantir um aumento dos cofres públicos municipais, mas também contribuir para a implementação da função social da propriedade.              

Por esse motivo, para que essa análise possa ser feita, não se pode deixar de examinar a Regra Matriz de Incidência tributária idealizada por Paulo de Barros Carvalho. Essa teoria é de essencial relevância para o Direito Tributário, uma vez que estabelece um esquema lógico padrão para criação da norma que irá regulamentar a incidência de determinado tributo.  Essa estrutura é formada uma hipótese tributária, na qual é composta pelo critério material, espacial e temporal; e por um conseqüente, no qual estão presentes o critério pessoal e quantitativo.

O presente trabalho, no entanto, não irá pormenorizar todos os critérios, devendo ater-se principalmente ao critério espacial do referido imposto, qual seja, o imóvel deverá estar localizado na zona urbana do município para a sua incidência.   Esse critério é alvo de muita discussão na doutrina e na jurisprudência, pois está intimamente ligado a aplicação ITR, que tem como critério espacial o fato do imóvel estar localizado fora da zona urbana. Assim, os elementos que delimitam quais imóveis estão inseridos na zona urbana causa grande celeuma, sendo alvo de bastante oscilação em vários sistemas normativos, o que acaba atingindo a própria incidência do referidos impostos.

Por esse motivo, o presente trabalho visa pontuar o conflito existente entre esses dois tributos, bem como demonstrar o atual entendimento dos tribunais pátrios quanto a esse assunto. Para isso, entretanto, far-se-á uma breve análise sobre os tributos existentes no sistema brasileiro tributário, para só depois adentrar no estudo sobre o IPTU. Por fim, o critério espacial desse importante imposto será analisado à luz da regra matriz de incidência tributária de Paulo de Barros Carvalho.

 

1 O CONCEITO DE TRIBUTO E SUAS ESPÉCIES

 

O CTN, no artigo 3º, preceitua que “tributo é toda prestação pecuniária compulsória, em moeda ou cujo valor nela se possa exprimir, que não constitua sanção de ato ilícito, instituída em lei e cobrada mediante atividade administrativa plenamente vinculada”. Importante agora uma rápida análise desses elementos: é uma prestação pecuniária, porque tenta fazer com que o Estado atinja os fins propostos; é compulsória, porque não depende da vontade do sujeito, uma vez que a obrigação nasce da lei e não pode o indivíduo livrar-se dela por livre e espontânea vontade; é em moeda ou cujo valor nela se possa exprimir, porque o direito brasileiro não admite que os tributos sejam pagos em outros bens que não o dinheiro e também não admite prestação em unidade de serviço; que não constitua sanção de ato ilícito, porque o tributo não é uma penalidade, uma vez que não tem relação alguma com um fato ilícito; instituída em lei, porque, segundo o princípio da legalidade, somente lei poderá criar um tributo; cobrada mediante atividade administrativa plenamente vinculada, uma vez que a atividade administrativa não pode ser discricionária, devendo, por isso, seguir a literalidade da lei (MACHADO, 2012, p. 57-61).

Segundo o artigo 5º do CTN, as espécies de tributos são as contribuições de melhorias, as taxas e os impostos. Em que pese o presente trabalho ater-se ao IPTU, espécie de imposto, far-se-á uma breve análise sobre os demais tributos.

Segundo Paulsen (2013, p. 40), as contribuições de melhorias são tributos com fato gerador misto, uma vez que pressupõem “tanto a atividade do Estado (realização de obra pública), como o enriquecimento do contribuinte (valorização imobiliária)”.  Isso acontece porque alguns contribuintes serão chamados a pagar determinado valor sempre que uma obra pública causar-lhe algum tipo de enriquecimento. A contribuição de melhoria está disposta no Decreto-Lei 195/67, que é responsável por estabelecer o procedimento do edital a ser realizado, bem como as obras públicas que irão ensejar o pagamento desse tributo (PAULSEN, 2013, p. 41).

A taxa, segundo o artigo 145, inciso II, CF, “é o tributo que tem como fato gerador o exercício regular do poder de polícia, ou a utilização, efetiva ou potencial, de serviço público específico e divisível, prestado ao contribuinte”. Há dois tipos de taxas: as taxas de serviço e as taxas de polícia. As primeiras são cobradas diante de serviços prestados pelo Estado, desde que estes sejam divisíveis e específicos; as segundas, ao contrário das primeiras, não exigem que o serviço seja divisível ou específico e nem pode ser cobrada diante, apenas, de um potencial exercício do poder de polícia. Isso significa dizer que elas somente poderão ser cobradas diante de uma efetiva atuação (CATANA, 2007).

O imposto, na precisa lição de Sabbag (2013, p. 409), “se define como tributo não vinculado à atividade estatal, o que o torna atrelável à atividade do particular, ou seja, ao âmbito privado do contribuinte”. O artigo 16 do CTN estabelece que o imposto independe de qualquer atuação estatal, por isso muito se diz que esse tributo tem uma natureza unilateral. Como não há uma prévia afetação do produto, não há nenhum critério que estabeleça a utilização desse tributo, que será utilizado de acordo com a lei orçamentária (PAULSEN, 2013, p. 38).

Em que pese a estipulação, no Código Tributário Nacional, dos três tributos acima mencionados, dois ainda estão previstos na Constituição Federal, quais sejam: empréstimo compulsório e contribuição social. Nesse sentido, o Ministro Moreira Alves, no julgamento do RE 146.733:

De efeito, a par das três modalidades de tributos (os impostos, as taxas e as contribuições de melhoria) a que se refere o artigo 145 para declarar que são competentes para instituí-los a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios, os artigos 148 e 149 aludem a duas outras modalidades tributárias, para cuja instituição só a União é competente: o empréstimo compulsório e as contribuições sociais, inclusive as de intervenção no domínio econômico e de interesse das categorias profissionais ou econômica. (ALVES apud DANTAS, 2013)

Na precisa lição de Sabbag (2013, p. 509), o que caracteriza as contribuições “é que o produto de suas arrecadações deve ser carreado para financiar atividades de interesse público, beneficiando certos grupos, e direta ou indiretamente o contribuinte”. Assim, esse tributo só consegue ser validado através da existência de um vínculo entre finalidade estatal e produto arrecadado. Conforme o artigo 149 da Constituição Federal, as contribuições dividem-se em três subespécies: contribuições sociais, de intervenção no domínio econômico e de interesse das categorias profissionais ou econômicas.

Os empréstimos compulsórios, em contrapartida, são impostos arrecadados com a finalidade básica de conseguir recursos para eventuais situações de calamidade pública, guerra nacional ou investimento nacional relevante e urgente, conforme preceitua o artigo 148 da Constituição Federal. São tributos criados, unicamente, pela União, através de lei complementar. Ao contrário dos impostos, os empréstimos compulsórios são tributos não vinculados. Uma das características que mais distinguem esse tributo dos demais é a promessa de devolução (PAULSEN, 2013).

2 BREVES CONSIDERAÇÕES SOBRE OS CRITÉRIOS DA REGRA MATRIZ DE INCIDÊNCIA TRIBUTÁRIA

 

A regra matriz de incidência tributária idealizada por Paulo de Barros Ramo Carvalho foi criada para auxiliar na formação de normas jurídicas a serem aplicadas no caso concreto. Esse renomado autor, através dessa teoria, apresenta uma estrutura sintática padrão, na qual estão presentes todos os elementos eficazes para a produção de uma norma jurídica para incidência de certo tributo diante de um determinado caso concreto. Desse modo, o modelo esquematizado para essa finalidade é formado por uma hipótese (antecedente), na qual estão presentes os critérios material, espacial e temporal, e por um conseqüente, que é formado pelos critérios pessoal e prestacional, que juntos formam a regra matriz de incidência de determinado tributo.                                                                                                                 

 No tocante aos critérios presentes na hipótese estes são eficazes para o reconhecimento de determinado fato que tem conseqüência no mundo jurídico, uma vez que como aponta Aurora Tomazini de Carvalho, “tais critérios configuram a informação mínima necessária para a identificação de um fato jurídico” (CARVALHO, 2009, p. 367). Dessa forma, o antecedente determina as coordenadas (ação, tempo, lugar) que serão essenciais para o exame da possibilidade de determinado tributo incidir ou não em determinado caso concreto.   

O critério material presente no antecedente está relacionado a um acontecimento propriamente dito, ou seja, àquele fato que ocorre no mundo fenomênico realizado pela ação humana que dá ensejo a obrigação tributária. Segundo Carvalho (2007, p. 371), esse critério é formado por um verbo e um complemento que designam uma ação que traz necessariamente conseqüências para o mundo jurídico. Por esse motivo é que verbos e complementos que exprimem ações de caráter subjetivos não fazem parte da essência da descrição do critério material. 

O critério espacial já é caracterizado como a proposição da hipótese que permite identificar o local onde ocorreu fato que dará ensejo a obrigação tributária.  Este local não será necessariamente o mesmo do local de pagamento do tributo, uma vez que quando surge a obrigação de pagar, a hipótese espacial tributária já foi satisfeita. Como ensina Melina Lukic “entende-se por local de pagamento aquele definido pela legislação tributária como sendo adequado para resolução do vínculo tributário, ou seja, o local de pagamento exterioriza o espaço de exaurimento do crédito tributário” (LUKIC, 2012). 

É importante salientar que Paulo de Barros Carvalho, fazendo uma relação entre o local de ocorrência de certo acontecimento e incidência da norma tributária, subdividiu o critério material da seguinte forma: em pontual, regional, territorial e universal.  O primeiro está relacionado ao local exato e predeterminado que o fato deve ocorrer para que haja a incidência tributária. Assim, determinado indivíduo tem obrigação de pagar certo tributo se o acontecimento ocorrer especificamente na área demarcada e especificada para incidência tributária. Em sentido contrário, quando a área de consumação para a incidência tributária não está delineada de forma precisa e exclusiva se faz presente o critério espacial regional. Este é identificado como uma região ou determinado espaço territorial, no qual o fato pode ocorrer para que o enunciado tributário se faça presente. No tocante ao aspecto territorial do enunciado espacial, aponta Carvalho (2007, p. 375) que está relacionado “a um local bem genérico, onde todo e qualquer fato, que suceda sob o manto de vigência territorial da lei, estará apto a desencadear seus efeitos peculiares”. Já o universal é bem amplo atingindo não só os fatos que ocorrem no território nacional, mas também aqueles que ocorrem em outros países.

O critério temporal da hipótese de incidência tributária esta relacionado ao exato momento que ocorreu o fato gerador de determinado tributo. Como ensina Melina Lukic “o critério temporal é compreendido como o grupo de indicações, contidas no suposto da regra, que oferecem elementos capazes de definir, com precisão, em que momento se deu o fato descrito” (LUKIC, 2012).  Segundo Aurora Tomazini, esse critério temporal possui duas funções precípuas para que possa ser criados deveres e direitos tributários, uma direta e outra indireta. A primeira está relacionada a determinação do exato instante do acontecimento fático no mundo fenomênico e a outra, continuação da primeira, está baseada na identificação das regras existentes que irão incidir no caso concreto (CARVALHO, 2009, p. 384). Assim, esse enunciado normativo permite que se identifique o momento específico do nascimento do vínculo jurídico para que desta forma possa incidir a obrigação tributária.                       

Em relação aos critérios existentes no conseqüente da regra matriz tributária, estes têm função precípua de possibilitar a identificação dos sujeitos e do objeto da prestação presentes na relação tributária. Desse modo, são critérios pessoal e prestacional que permitem analisar o vínculo jurídico existente em determinada relação fática tributária sendo eficazes para identificar o papel do Estado (sujeito ativo) e do contribuinte (sujeito passivo); o primeiro na posição de cobrar o tributo e o segundo na obrigação de pagá-lo (MARICATO, 2009).      

O critério pessoal permite identificar, quando da ocorrência do fato jurídico, os sujeitos que estão envolvidos nessa relação. Assim, denomina-se o sujeito ativo da relação tributária aquele tem o poder de cobrar determinado tributo, ou seja, “é o individuo que tem o direito de exigir a conduta prescrita, aquele em favor de quem se deva realizar a conduta”. (CARVALHO, 2007, p. 368). O Código Tributário Nacional no artigo 119 afirma que as pessoas jurídicas de direito público, ou seja, a União, o Estado, o Município e Distrito Federal são sujeitos ativos da relação tributária, e desse modo são titulares do direito subjetivo de cobrar tributo. Já o sujeito passivo é a pessoa que tem o dever de pagar determinado tributo, que é o contribuinte ou quem lhe faça as vezes. Como afirma Crepaldi, “trata-se do devedor do tributo, que pode ser pessoa física ou jurídica, privada ou pública ou responsável. Em tese qualquer pessoa tem capacidade tributária passiva até as pessoas políticas” (CREPALDI, p.186, 2011).                                                                                                                     

O último critério, o prestacional, tem função de apontar de forma especificada a conduta que o agente deve realizar para que a obrigação que existe para com o sujeito passivo seja satisfeita. No tocante a relação tributária sempre será cumprida a obrigação através de uma prestação pecuniária do sujeito passivo aos cofres públicos.  Dessa forma, esse critério é formado pela base de cálculo e alíquota que são elementos que visam determinar o valor que deve ser pago pelo sujeito para o cumprimento da obrigação (CARVALHO, 2007, p. 387).   Assim, a base cálculo consiste em um valor sobre o qual irá incidir a alíquota para a exata determinação da quantia que deve ser paga pelo contribuinte aos cofres públicos (CREPALDI, 2011 p. 188).  Por esse motivo, o valor da alíquota deve sempre está expresso na lei instituidora do tributo que geralmente vem disposto em percentual.

Conclui-se, então, que a regra matriz de incidência tributária mostra-se de significativa importância para o direito tributário, uma vez que o esquema lógico proposto pela teoria é eficaz não só para a identificação do campo de incidência de determinado tributo, mas também para auxiliar a construção das normas jurídicas tributárias evitando aplicações equivocadas de determinado tributo.

3 BREVES CONSIDERAÇÕES ACERCA DO CONFLITO ENTRE O IPTU E O ITR

 

O IPTU (imposto sobre a propriedade predial e territorial urbana) é um tributo de competência dos municípios (CF, artigo 156, inciso I) que tem como função não só a arrecadação de recursos financeiros para seu ente instituidor, mas também constitui-se um importante instrumento para a promoção da função social da propriedade (CREPALDI, p. 311, 2011). Como todo imposto, para incidência do IPTU é necessário que exista uma situação jurídica que pressuponha a obrigação tributária que no caso desse tributo é ser proprietário de imóvel urbano. Assim, o IPTU constitui-se um imposto que tem como “fato gerador uma situação independentemente de qualquer atividade estatal específica, relativa ao contribuinte” (CREPALDI, p. 19, 2011).    

Antes de adentrar na análise aprofundada do critério espacial do IPTU, é importante tecer alguns comentários sobre os outros critérios presentes na Regra Matriz de Incidência desse tributo tão relevantes quanto para aplicação desse imposto. Assim, considera-se critério material para incidência do IPTU ser proprietário de imóvel urbano, ou seja, “ser proprietário de imóvel predial ou territorial; ser titular de domínio útil; ser possuidor a qualquer título de tal imóvel” (CTN, art. 32). No tocante ao critério temporal, a sua definição dependerá do que foi instituído pela lei criadora do tributo, que geralmente ocorre em 1º janeiro de cada ano. Quanto ao critério pessoal, o sujeito ativo para cobrança do tributo é o Município, e o sujeito passivo é constituído, segundo Miranda, “pelas pessoas físicas e jurídicas que seja proprietária plena do bem predial ou territorial, ou, quem tenha o domínio útil ou qualquer tipo de posse com ânimo, exercício ou exteriorização de tornar-se proprietário pleno (MIRANDA, 2002, p. 320). Quanto ao critério quantitativo, a base de cálculo do IPTU é valor venal do imóvel (CTN, art. 33), ou seja, o valor de mercado sobre o qual irá incidir a alíquota que é fixada na lei de cada Município (SABBAG, 2013,1006).

Feita essas breves considerações, passa-se agora à analise aprofundada do critério espacial do IPTU. Como foi fartamente explicado em linhas anteriores, o critério espacial presente na hipótese da Regra Matriz de Incidência Tributária tem função de delimitar o local onde deve ocorrer o fato que dará ensejo a obrigação tributária (CARVALHO, p. 374, 2007).  Assim, é considerado critério espacial para a incidência tributária do IPTU ter um imóvel localizado na zona urbana do município, ou seja, “quer isto dizer que não é qualquer propriedade predial ou territorial que poderá ser eleita pelo legislador infraconstitucional para compor o antecedente da Regra Matriz de Incidência: somente as propriedades urbanas”. (FALCÃO, 2008).

Faz mister salientar que a análise do critério espacial do IPTU está inteiramente relacionado com a hipótese de incidência de outro imposto sobre a propriedade que o ITR.  O ITR, ao contrário do IPTU, tem função extrafiscal, funcionando “como instrumento auxiliar do disciplinamento estatal da propriedade rural” (MACHADO, 2012, p. 349). A competência desse tributo é da União e seu fato gerador é “a propriedade, o domínio útil ou a posse de imóvel por natureza, localizado fora da zona urbana do município” (Lei 9.393/1996, art. 1º). O CTN estabelece, no seu artigo 30, que a base de cálculo do imposto é o seu valor fundiário, devendo levar-se em consideração somente a extensão da terra, sem quaisquer acessórios ou benfeitorias a ela conexos. Além disso, as alíquotas do ITR apresentam variações de acordo com o tamanho do imóvel, conforme tabela anexa à Lei 9.393/96 (PAULSEN, 2013).

O imposto sobre o território rural (ITR) e o imposto sobre a propriedade predial e territorial urbana (IPTU) são alvos de muita controvérsia na doutrina e na jurisprudência, principalmente no que tange à destinação econômica do imóvel e a localização do mesmo. Isso porque o artigo 15 do Decreto 57/66 acabou trazendo uma significativa mudança na definição do critério espacial desses dois tributos.

Como se pôde observar pelo que já fora comentado, os dois impostos delimitam o fato gerador através do critério topográfico, uma vez que se o imóvel estiver localizado na zona urbana, há incidência do IPTU; por outro lado, se estiver localizado na zona rural, é o ITR que incide. O Código Tributário Nacional considera zona urbana aquela que além de ser definida na lei municipal, também têm, pelo menos, dois melhoramentos públicos do artigo § 1º, do art. 32 do CTN (HARADA, 2007). Todavia, o Decreto 57/66 acrescentou um outro critério para a definição do fato gerador desses dois tributos, qual seja: a destinação econômica do imóvel (FALCÃO, 2008). O artigo 15 desse Decreto tinha a seguinte disposição:

Art. 15. O disposto no art. 32 da Lei nº 5.172, de 25 de outubro de 1966, não abrange o imóvel de que, comprovadamente, seja utilizado em exploração extrativa vegetal, agrícola, pecuária ou agroindustrial, incidindo assim, sobre o mesmo, o ITR e demais tributos com os mesmo cobrados.

Esse dispositivo acabou sendo revogado pelo artigo 6º da Lei nº 6585/72, que posteriormente foi declarado inconstitucional pelo Supremo Tribunal Federal. Logo após esse fato, através do Recurso Extraordinário nº 140.773-5/210, o Decreto 57/66 passou a ter natureza de lei complementar, não podendo ser modificado através de lei ordinária. É o que se extrai do julgado:

(...) II - O c. Supremo Tribunal Federal pacificou o entendimento no sentido de que a regra do art. 32 do Código Tributário Nacional, na redação dada pelo art. 15 do Decreto-Lei 57/66, foi recepcionada pela Constituição Federal de 1967, pela Emenda Constitucional 01/69 e pela atual Constituição Federal de 1988 como norma com natureza de lei Complementar, por ser regra geral tributária acerca dos tributos ITR e IPTU, assim somente podendo ser alterada por norma desta mesma espécie, pelo que declarou a inconstitucionalidade do art. 6° e seu parágrafo único da Lei 5.868/72 (STF. RE 94.850-8/MG. LEX 46/91. Rel. Min. Moreira Alves) e também do art. 12 da mesma Lei (na parte que revogava o art. 15 do Decreto-Lei 57/66 (STF. RE 140773 / SP. J. 08/10/1998, DJ 04-06-1999, p. 17; EMENT 1953-01/127. Rel. Min. Sydney Sanches; Resolução 09/2005 do Senado Federal), restabelecendo assim a plena vigência do art. 32 do CTN, impondo a regra da prevalência da destinação do imóvel para fins de incidência do ITR ou do IPTU, sujeitando-se o imóvel com destinação rural ao ITR mesmo que esteja na área urbana do município.

Assim, após o pronunciamento do Supremo no que tange a esse assunto, o critério adotado passou a ser o da destinação econômica do imóvel, o que mostra a insuficiência do critério de localização para determinar a incidência desses impostos. Não é outro, aliás, o posicionamento dos tribunais pátrios:

TRIBUTÁRIO. IPTU. ITR. IMÓVEL. EXPLORAÇÃO EXTRATIVA VEGETAL. ART. 32 DOCTN, 15 DO DECRETO-LEI Nº 57/66. O artigo 15 do Decreto-Lei nº 57/66 exclui da incidência do IPTU os imóveis cuja destinação seja, comprovadamente a de exploração agrícola, pecuária ou industrial, sobre os quais incide o Imposto Territorial Rural-ITR, de competência da União. 2. Tratando-se de imóvel cuja finalidade é a exploração extrativa vegetal, ilegítima é a cobrança, pelo Município, do IPTU, cujo fato gerador se dá em razão da localização do imóvel e não da destinação econômica. Precedente. 3. Recurso especial improvido. (Superior Tribunal de Justiça, RESP nº 738.628, Relator Ministro Castro Meira, DJU 20.06.2005, p. 259 – grifou-se).

TRIBUTÁRIO. IMÓVEL NA ÁREA URBANA. DESTINAÇÃO RURAL. IPTU. NÃO-INCIDÊNCIA. ART. 15 DO DL 57/1966. RECURSO REPETITIVO. ART. 543-C DO CPC.1. Não incide IPTU, mas ITR, sobre imóvel localizado na área urbana do Município, desde que comprovadamente utilizado em exploração extrativa, vegetal, agrícola, pecuária ou agroindustrial (art. 15 do DL 57/1966). 2. Recurso Especial provido. Acórdão sujeito ao regime do art. 543-C do CPC e da Resolução 8/2008 do STJ. (REsp 1112646 SP 2009/0051088-6, Relator: Ministro Herman Benjamin, Data do Julgamento: 26/08/2009, Data da Publicação: 28/08/2009)

Como pode ser observado, o critério de destinação do imóvel é o utilizado nos dias de hoje e isso pode ser constatado facilmente pelas inúmeras jurisprudências atuais. Isso faz com que os municípios possam instituir o IPTU em bens que se localizam na área urbana, sem, contudo, realizar os tributos naqueles que são utilizados para a exploração extrativa vegetal, agrícola, pecuária ou agro-industrial, uma vez que essas áreas, por expressa disposição legal, estão sujeitas ao ITR e não mais ao IPTU. Essa mudança, que vem sendo adotada pelos principais tribunais federais, mostra a preocupação hodierna com os “pequenos municípios rurais brasileiros” (LIRA, 2012). Nesse sentido, Kiyoshi Harada:

O crescimento da cidade com a progressiva expansão de zona urbana do município, inclusive, com quase a absolvição total da zona rural em algumas comunas, têm trazido problemas de ordem tributária para diversos munícipes, que sempre se dedicaram às atividades agropastoris. São surpreendidos, da noite para o dia, com a nova tributação: o IPTU 'n' vezes mais oneroso do que o tradicional ITR que vinham pagando (HADARA, 2007).

Assim, diante do que já foi fartamente exposto, constata-se que o critério de destinação do imóvel, aceito pela Corte Maior, é o que vem prevalecendo. Assim, em áreas que, comprovadamente, haja “exploração extrativa vegetal, agrícola, agropecuária ou agroindustrial” (DL 57/66, art. 15), ainda que urbanas, incide não mais o IPTU, mas sim o ITR.

4 CONCLUSÃO

 

Diante do exposto, pode-se notar que a Regra Matriz de Incidência Tributária estabelece uma estrutura lógica que contribui bastante para determinar o campo de incidência de determinada norma tributária. Desse modo, foi através da análise dos critérios material, espacial, temporal, pessoal e prestacional que foi possível determinar a regra matriz de incidência do IPTU, bem como todas as nuances que giram em torno da delimitação desses critérios, dando ênfase especial ao aspecto espacial.

Além disso, essa teoria mostrou-se de essencial importância também para identificar os erros do legislador quando da elaboração de determinado norma que prevê a incidência de certo tributo, uma vez que, faltando um dos critérios presentes na teoria, comprometida ficará a arrecadação do tributo.  

Ademais, pôde-se constatar também que o Decreto-Lei 57/66 estabeleceu um importante critério para delimitar as hipóteses de incidência do IPTU e do ITR, qual seja: o critério da destinação do imóvel, mostrando a sua preocupação com a verdadeira função social da propriedade. Com esse decreto, a questão foi um pouco mais pacificada no cenário jurídico, o que contribuiu para que os doutrinadores e julgadores tivessem uma posição mais uníssona no que tange ao assunto.

Como o conflito de competência foi resolvido, a dúvida sobre qual imposto deve incidir em determinadas hipóteses, chegou ao fim, uma vez que restou cristalino que o IPTU não incidirá sobre aquelas áreas que, mesmo sendo urbanas, desempenhem alguma atividade agrícola.

 

 

REFERÊNCIAS

 

BRASIL. Constituição (1988). Constituição [da] Republica Federativa do Brasil. Brasília, DF: Senado Federal.

Lei nº 5. 172, de 25 de Outubro de 1966 (Código Tributário Nacional). Dispõe sobre o Sistema Tributário Nacional e Institui Normas Gerais de Direito Tributário Aplicáveis à União, Estados e Municípios. Diário Oficial [da] Republica Federativa do Brasil. Brasília, DF, v. 132, n. 152, p. 12037, 25 out., 1966. Seção 1. pt. 1.

CARVALHO, Aurora Tomazini de. Curso de teoria geral do direito: o constructivismo lógico semântico. São Paulo: Noeses, 2009

 

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LIRA, Daniel Ferreira de. Bitributação nos Pequenos Municípios Brasileiros: o Critério Fixado pelo STF no Julgamento do RE 140.773-5/210/SP e sua Mitigação pelo STJ. Disponível em: <http://www.plantaofiscal.net/pdfartigo/69.pdf>. Acesso em: 03 nov 2013.


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[1] Aluna do 7° período, do curso de Direito da UNDB- Universidade de Ensino Superior Dom Bosco

[2] Professor orientador