A PRESENÇA DO GROTESCO NA OBRA “O CORTIÇO” DE ALUÍSIO DE AZEVEDO [1]

 

                                                                       Kamila M. de A. Fontenele[2]            

RESUMO: Este artigo tem o objetivo de apresentar os conceitos e características do termo grotesco a partir das abordagens de Victor Hugo e Mikhail Bakhtin. Além de discutir sua presença na obra “O Cortiço”, de Aluísio de Azevedo. Diante de alguns capítulos do livro percebe-se a manifestação do grotesco que é essa exploração do feio, do assustador, descrição do corpo humano de forma grosseira e animalesca. As personagens dessa obra vivem momentos em que o leitor pode percebe esse predomínio da arte grotesca.

Palavras – chaves: Grotesco - Naturalismo - “O cortiço”.

INTRODUÇÃ

          Durante muito tempo apenas o Sublime, o belo existia na arte. Mas, com o tempo houve a manifestação do Grotesco, do feio. Com isso, há uma associação entre o belo e o feio, o mal e o bem unindo essas duas faces para enriquecer a arte, o romance.

          Segundo Victor Hugo o Grotesco tem suas origens desde os antigos, tendo origem no Romantismo, mas torna-se predominante na modernidade. No romance naturalista há muitas situações que aparecem o grotesco, ou seja, na descrição de fatos pavorosos, cômicos,

          O presente trabalho pretende discutir o Grotesco diante de dois aspectos. O primeiro há uma discussão da definição e das características do termo Grotesco. O segundo é voltado à apresentação de citações da obra “O Cortiço” analisando o que tem de grotesco no livro.

 

CONCEITOS E CARACTERÍSTICAS DO TERMO GROTESCO

 

           O termo Grotesco surgiu no século XVI e sempre esteve situado na História da Literatura e das Artes. Segundo Victor Hugo o termo teve origem no Romantismo e depois se estendeu pelas demais escolas literárias, bem como: Realismo e Naturalismo, tendo assim, maior repercussão no Modernismo.

         Derivado do italiano “La Grottesco” que significa caverna, o vocábulo passa a ser definido como um estilo que explorar o feio, o disforme, monstruoso. Agora, a Literatura não tem apenas o objetivo de mostrar o Sublime, o belo, mas também o novo gênero que é o Grotesco. Conforme Hugo (2007 p.35-36):

 

O primeiro tipo, livre de toda mescla impura, terá como apanágio todos os encantos, todas as graças todas as belezas; é preciso que possa criar um dia Julieta, Desdémona, Ofélia. O segundo tomará todos os ridículos, todas as enfermidades todas as feiuras. Nesta partilha da humanidade e da criação, é a ele que caberão as paixões, os vícios, os crimes; é ele que será luxurioso, rastejante, guloso, avaro, pérfido, enredador, hipócrita (...)

 

          Enquanto que o Sublime terá somente a perfeição, beleza, o Grotesco vai ser a contradição, o disforme, ridículo, o que causa medo, espanto, pavor. Segundo Victor Hugo o Grotesco é representado principalmente na Arte, ou seja, pintando o que pensa. Com o tempo manifestou-se na literatura podendo ser analisado através das leituras das obras literárias, pois certas passagens do livro causam terror, ou comédia entre outras sensações.

       O vocábulo “Grotesco” remete ao leitor diferentes sentimentos. Por isso o feio tem mil tipos. Sendo que este estilo esteja presente na arte, na poesia. Para Hugo (2007, p.47):

 

Assim, pedantes estouvados (um não exclui o outro) pretendem que o disforme, o feio, o grotesco nunca devam ser objetos de imitação para a arte; responde-se que o grotesco é a comédia, e que, aparentemente, a comédia faz parte da arte. Tartufo não, Pourceaugnac não é nobre; Porceaugnqac e Tartufo são admiráveis jatos da arte.

 

             Por isso que o grotesco é considerado uma arte, pois não é apenas o que é belo e nobre que podemos chamar de arte. Mas também o que representa a comédia o drama, o horrível, disforme, afinal tudo que está presente na natureza.     

          Umas das principais características do grotesco é o emprego de termos grosseiros, exagerados relacionados ao corpo. Para Bakhtin (1987, p.136):

 

Esses mesmos exageros se encontram nas imagens do corpo e da vida corporal, assim como em outras imagens. Mas é nas do corpo e da alimentação que eles se exprimem mais nitidamente. O exagero, o hiperbolismo, a profusão, o excesso são, segundo opinião geral, os sinais característicos mais marcantes do estilo grotesco.

 

          Então, a imagem do corpo é sempre demasiada diante da linguagem grotesca, pois atribuem palavras grosseiras. Se o grotesco representa exagero, profusão é porque são sinônimos que melhor definem esse estilo. Aqui o corpo humano serve para causar riso devido ser desvalorizado.

         Outra característica do grotesco é o rebaixamento, a linguagem baixa para referir-se a um determinado ponto relacionado ao corpo usando o mau gosto. Conforme Bakhtin (1987, p.12):

 O traço marcante do realismo grotesco é o rebaixamento, isto é, a transferência ao plano material e corporal, o da terra e do corpo na sua indissolúvel unidade, de tudo que é elevado, espiritual, ideal e abstrato.

           Portanto, é na forma de rebaixar, humilhar que o grotesco vai aparecer principalmente o que é relacionado ao corpo humano. Dessa forma tudo que for feio, causar riso, espanto, enfim, aquilo que de certa forma provoca estranhamento será denominado grotesco estando presente nas obras literárias, na pintura, entre outros campos.

 

CITAÇÕES DA OBRA “O CORTIÇO” QUE FOCALIZAM O GROTESCO

 

          Os Romances naturalistas abordam muito essa presença do grotesco, pois a presença desse estilo pode ser manifestada através da forma que o autor descrever as cenas. Assim usa o mau gosto, o cômico, o pavoroso para atrair o leitor na leitura dos capítulos do livro.

          O Grotesco é essa vertente da poesia descrita de forma grosseira, feia, assustadora, cômica. Pode-se perceber através das citações que provocam pavor, espanto, comédia. De acordo com Hugo (2007, p. 26):

 

O cristianismo conduz a poesia à verdade. Como ele, a musa moderna verá as coisas com um olhar mais elevado e mais amplo. Sentirá que tudo na criação não é humanamente belo, que o feio existe ao lado do belo, o disforme perto do grotesco, o grotesco no reverso do sublime, o mal com o bem, a sombra com a luz.

 

          Então, existe uma relação entre a religião e a poesia, pois o cristianismo leva a poesia à verdade, a mostrar o que realmente representa: o lado sem fantasias, ou seja, o grotesco. Não há apenas o belo, o agradável e que o Sublime e o Grotesco se completam, um existe ao lado do outro.

          No livro “O Cortiço” de Aluísio de Azevedo há certa predominância do Grotesco principalmente pela descrição de fatos de algumas personagens.  Essa relação do feio ao engraçado pode ser visto diante da descrição feita a respeito da personagem Paula.

 

Seguia-se a Paula, uma cabocla velha, meio idiota. Era extremamente feia, grossa, triste, com olhos desvairados, dentes cortados a navalha, formando ponta, como dentes de cão, cabelos lisos, escorridos e ainda retintos, apesar da idade. Chamavam-lhe “Bruxa”. (O Cortiço, p.37)

 

          Por meio dessa citação pode-se perceber o grotesco presente diante da maneira que o autor descreve a personagem de forma engraçada, focalizando o feio relacionado ao corpo. O uso dessas características atribuídas pelo autor é o que o leitor pode definir como elementos grotescos. 

          Outra cena em que perpetua a manifestação do grotesco é na briga entre Firmo e Jeronimo, pois essa passagem é descrita de forma pavorosa, causando tensão e medo no leitor, sendo analisada de acordo com a referida citação.

 

Soltaram-no então. O capoeira, mal tocou com os pés em terra, desferiu um golpe com a cabeça, ao mesmo tempo que a primeira cacetada lhe abria a nuca. Deu um grito e voltou-se cambaleando. Uma nova paulada cantou-lhe nos ombros, e outra em seguida nos rins, e outra nas coxas, outra mais violenta quebrando-lhe a clavícula, enquanto outra logo lhe rachava a testa e outra lhe apanhava a espinha, e outras, cada vez mais rápidas, batiam de novo nos pontos já espancados, até que se converteram numa carga contínua de porretadas, a que o infeliz não resistiu, rolando no chão, a gotejar sangue de todo corpo. (O Cortiço, p.174)

 

          Essa citação envolve várias características grotescas, bem como: a exposição do horror diante dos fatos descritos, pois o narrador onisciente narra cada bofetada e a cena é mesmo pavorosa. Descreve também o assustador, terrível presentes na desavença entre o capoeirista Firmo e o Português Jerônimo.

          O grotesco na obra “O Cortiço” aparece também na exposição do corpo, descrito de maneira grosseira, a forma de retratar a velhice. Os romances naturalistas expõem muito cenas de rebaixamento, horror. Isso pode ser comprovado através da citação abaixo que descreve a personagem Dona Isabel.

 

Tinha uma cara macilenta de velha portuguesa devota, que já foi gorda, bochechas moles de pelancas rechupadas, que lhe pendiam dos cantos da boca como saquinhos vazios; fios negros no queixo, olhos castanhos, sempre chorosos e engolidos pelas pálpebras. (O Cortiço, p.37)

 

           Nessa citação pode ser observado o tom grosso para descrever a imagem de Dona Isabel. A velhice representa de certa forma uma característica do Grotesco, sendo voltada para a atração do horrível, do cômico. Sendo assim, a ideia de feio relacionado à gordura, causando riso denomina propriedade desse estilo.

          A referida obra também ressalta o assustador, o tenebroso, o que causa espanto. Então o grotesco pode se manifestar dessa maneira, pois no último capítulo do livro o autor narra um fato em que Bertoleza suicida-se. E a descrição dessa cena abrange a essas características citadas.

 

A negra, imóvel, cercada de escamas e tripas de peixe, com uma das mãos espalmada no chão e com a outra segurando a faca de cozinha, olhou aterrada para eles, sem pestanejar. Os policiais, vendo que ela se não despachava, desembainharam os saberes. Bertoleza, então, erguendo-se com ímpeto de anta bravia, recuou de um salto e, antes que alguém conseguisse alcançá-la, já de um só golpe certeiro e fundo rasgava o ventre de lado a lado. E depois emborcou para frente, rugindo e esfocinhando moribunda numa lameira de sangue. (O Cortiço, p.242-243)

 

           Nessa citação, o grotesco assume bem sua força predominante, pois a cena em que Bertoleza pega a faca e enfia no ventre depois desce todo aquele sangue dá uma sensação de terror, susto, repugnância por parte do leitor. No início do parágrafo observa-se o modo que o ambiente é descrito: sujo, com tripas de peixe existindo uma impressão de nojo. Então, o grotesco é tudo aquilo que provoca medo, horror, espanto e a maneira de ser interpretado dependem da forma que o autor descreve os fatos. Muitas vezes, o narrador faz uso de uma linguagem tosca para impressionar, persuadir o leitor diante de uma citação e é nessa perspectiva que aparecerá esse estilo grotesco.

 

CONSIDERAÇÕES FINAIS

 

          O presente trabalho expõe uma análise do Grotesco na obra “O Cortiço” de Aluísio de Azevedo.  O grotesco é um estilo de arte que representa o feio, o cômico, assustador na Literatura e também na pintura.

          O desenvolvimento da pesquisa contribui de forma significativa a quem tem o interesse de conhecer os caminhos que tem a Literatura, pois essa arte grotesca é ainda um pouco desconhecida pelos estudiosos de Letras. A principal finalidade do estudo é discutir os conceitos e as características do termo grotesco e sua presença na obra “O Cortiço”.

          Espero que essa pesquisa possa servir como instrumento de apoio e estudo aos que comtemplam a arte grotesca e a sua manifestação na produção literária de Aluísio Azevedo.

 

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

1. AZEVEDO, Aluísio. Grandes Obras da Língua Portuguesa: O Cortiço. Texto completo da obra. Santa Catarina: editora Ltda., 2005.

2. BAKHTIN, Mikhail. A cultura popular na Idade Média e no Renascimento: o contexto de François Rabelsis / Mikhail Bakhtin; tradução de Yara Frateschi Vieira – São Paulo: HUCITEC; [Brasília]: Editora da Universidade de Brasília, 1987.

3. HUGO, Victor. Do grotesco e do sublime / Victor Hugo; tradução do prefácio de Cromwell; tradução e notas de Célia Berrettini. – São Paulo: Perspectiva, 2007. – (Elos; 5)


[1] Artigo elaborado como requisito necessário para aprovação da Disciplina Prática de Pesquisa III

[2] Aluna do Curso de Letras, da Universidade Estadual Vale do Acaraú.