3 A Pós-Modernidade Literária em Alma-de-Gato

Neste segundo capítulo, aplicamos os conceitos introdutórios discutidos no capítulo anterior em um romance representativo da pós-modernidade: Alma-de-Gato, de Flávio Moreira da Costa. Neste fazer, preliminarmente apresentamos a referida obra, a fim de possibilitar ao nosso leitor, que porventura ainda não a conheça, uma visão geral dela. A seguir, apoiamo-nos em quatro categorias, tomadas a partir do que os autores apontam acerca das características da pós-modernidade. Veremos a metaficção, a intertextualidade, a desestruturação do enredo, a fragmentação da narrativa e outras peculiaridades da narrativa contemporânea.
Estas aqui são vistas como subsidiárias dos traços estilísticos da literatura vindo a lume no período correspondente à segunda metade do século passado aos dias atuais, aproximadamente.

3.1 Alma-de-Gato em cena

Flávio Moreira da Costa, autor da obra em cena, é um dos mais profícuos autores brasileiros da atualidade. Autor contemporâneo que tem se destacado no cenário literário nacional através de obras representativas deste novo momento literário conhecido como pós-modernismo.
O autor, nascido em 1942 faz grande sucesso com suas obras. Ganhador de vários prêmios como o Prêmio Jabuti, Machado de Assis, UBE e Nestlé com a obra O equilibrista do arame farpado (1997), assim como muitas outras obras que se não conquistaram prêmios, foram no mínimo finalistas de importantes concursos. Outra característica deste autor capacitado é o grande número de antologias por ele organizadas.
Martins (2008) na orelha da obra faz referência às qualidades deste magnífico autor: "Flávio Moreira da Costa è um escritor inventivo, rico em sugestões e capacidade observadora, com o faro da vida moderna, tendo criado na ficção brasileira de nossos dias um idioma de narrativa que é um corte nítido em relação ao anterior". A capacidade observadora citada por Martins nos fica nítida em uma obra como a contemplada neste estudo. Costa se coloca na posição de expoente da nova estética.
Alma-de-Gato (2008) é mais um dos prêmios que Costa põe a disposição de seus leitores. Mas, afinal, o que é Alma-de-Gato? Muitas vezes assemelha-se a memória, outras vezes fica-nos claro que é biografia. Bem o que temos em Alma-de-Gato é um romance que expõe sua gênese criadora. Observemos a colocação de Scliar (2008) na orelha da obra: "A paixão pela literatura é o tema principal deste Alma-de-Gato (...) Desdobra-se diante de nós um verdadeiro painel em que temas e formas literárias se sucedem com rapidez às vezes vertiginosa".
A criação em Costa dá-se também a partir da mistura dos gêneros, temos um diário de um autor-narrador entremeado de fatos do cotidiano e reflexões sobre o próprio ato de escrever, bem como a importância do mesmo. Vejamos como o próprio autor define Alma-de-Gato. Costa (2009, p: 07)

"Alma-de-gato" fecha a Trilogia de Aldara, uma trilogia meio inusitada, mas trilogia, em torno de João do Silêncio, um autor que viveu afastado de tudo, inclusive de seu país, em silêncio, mas sempre escrevendo (nunca publicando) e deixando seus rastros de palavras pelo mundo. [...] o terceiro é este "Alma -de ?gato", uma reconstituição biográfica do que teria sido sua vida. Resulta de uma falsa biografia de um personagem inexistente. A expressão "pós-moderno" está muito desgastada: "Alma-de-gato" é um pós-romance.


Em entrevista Flávio Moreira da Costa faz ainda algumas considerações acerca da obra em estudo, diz ele que talvez não seja Alma-de-Gato um livro para a tendência atual do mercado literário, mas relata que foi muito divertido escrevê-lo.
Encontramos no romance: poemas, pequenos contos e passagens marcantes que unem vida e literatura. Scliar na orelha da obra cita Alma-de-Gato transcrevendo passagens ricas como: ?O escritor não procura o milagre, mas, sim, a revelação de alguma coisa que se pode chamar de verdade, pois existe verdade até na mentira?. Ele nos chama atenção ainda para o motivo que leva o narrador a escrever: "?É possível que eu escreva para me surpreender?. Ao fazê-lo, o autor também surpreende o leitor. Que termina Alma-de-Gato agradecendo a esse grande autor que é Flávio Moreira da Costa". Grande em toda a plenitude do termo, pois, Costa faz do ato de escrever sua própria vida e revela-nos a nós, leitores, de maneira inteligente e sensível.
Chediak (2010, p. 46):

É, sobretudo, movimento. Celebração literária. Encontro do autor consigo mesmo e com seus leitores. Viagem que leva a uma descoberta contínua. Prazer que se multiplica a cada página. Ler Alma-de-Gato é compartilhar do universo criativo de Flávio Moreira da Costa que, obra a obra, vai se consolidando como um dos mais importantes autores da literatura brasileira, sul americana, universal.


As palavras de Chediak resumem com louvor a força da literatura de Flávio Moreira da Costa e principalmente o que Alma-de-Gato representa no cenário literário nacional.

3.2 A metaficção em Alma-de-Gato

A literatura pós-moderna apresenta como uma de suas principais características a metaficção. Como já vimos no capítulo 2 deste trabalho, metaficção é literatura sobre literatura, é um tipo de ficção que identifica conscientemente os mecanismos da ficção. Podemos compará-la com o teatro representacional, que não deixa o público esquecer que está assistindo a uma peça; a metaficção não deixa o leitor esquecer que está diante de uma obra fictícia. Como podemos ver em Alma-de-Gato (2008, p. 30):

Um romance é ilusão? Escreve-se a si mesmo num primeiro impulso, só depois entramos nós a tentar tirá-lo para fora e ordená-lo? Germina, brota e cresce dentro da gente ao longo dos anos, muitas vezes sem que a percebamos - e só é escrito numa fase final. Pode nascer de uma intenção ou de uma necessidade, nunca de um objetivo.

O autor expõe que seu texto é fictício e deixa claro o início de tudo e como a obra cresce no mundo interior do escritor. Nasce de uma necessidade ou de uma intenção, percebemos, por exemplo, a intenção do autor de deixar transparecer o momento de criação pelo qual a obra está passando. No entanto a metaficção não busca criar ou ditar regras para a criação literária, esta técnica expõe o ato criador. Alma-de-Gato (2008, p. 30):

Não estou (ou estou?) criando regras; é o que eu acho (quando acho); é como acontece comigo (quando acontece). O romance nasce às vezes de uma frase, uma frase que apareceu e a deixamos de lado, mas ela continua no inconsciente, faz o seu trabalho silencioso e invisível e de repente aparece de novo e não é mais só uma frase, mas uma sucessão de frases.


Fica claro aqui o uso da metaficção, fala diretamente da construção de um romance, como começa, por quais motivos e como se dá a construção do romance. A frase não é mais só uma frase, é uma sucessão delas.
Para Hutcheon (1984, p.1): "Metaficção é ficção ? isto é, ficção que inclui em si mesma um comentário sobre sua própria identidade narrativa e/ou lingüística". Vemos ainda em Hutcheon (1984) que a metaficção tende, sobretudo, a brincar com as possibilidades de significados e de forma, demonstrando uma intensa autoconsciência em relação à produção artística e ao papel a ser desempenhado pelo leitor que, convidado a adentrar tanto o espaço literário como o evocado pelo romance, participa assim de sua produção. Em Alma-de-Gato o autor convida o leitor para ser co-autor do texto, ou que o leitor reorganize o romance como bem entender. Observemos:

Entre os muitos trechos esparsos, incluindo seu longo diário, de João do Silêncio que ficam de fora do romance-restauração que é Alma-de-Gato, escolhemos os registros que seguem, para que o leitor exerça seu direito de remontar o livro, à sua maneira. (Alma-de-Gato 2008, p.341).

Costa instiga o leitor a remontar a obra sob seu ponto de vista, dando liberdade ao leitor, os textos pós-modernos são carregados destas peculiaridades. Autor e leitor são pássaros livres, aquele tem liberdade para compor sua obra sob a ótica que desejar e este não é impedido de fazer uso de sua imaginação, interpretando e remontando o texto como bem lhe aprouver. Para Hutcheon (1984) o leitor exerce um papel paradoxal em que ao mesmo tempo em que é forçado a reconhecer a arte como sendo artificial, é também impelido a se tornar co-criador no processo de construção da narrativa.
A metaficção deixa, pois de ser vista como um rompimento com a tradição mimética passando a ser vista como o desenvolvimento da mesma, visto necessitar da experiência real do leitor para ser complementada. O papel do leitor se transformou e deixou de ser a leitura uma tarefa fácil, o leitor é atacado por todos os lados pelo texto autoconsciente. O mesmo é levado a controlar, a organizar e a interpretar esse texto. Exatamente o que temos em Alma-de-Gato, o autor leva-nos a buscar os sentidos e os significados do texto como um todo, sendo que o que temos é uma obra fragmentada e cheia de intertextualidade "explícita". Isto para Hutcheon (1984) é uma das características que separa a metaficção pós-moderna de outras obras literárias autoconscientes.
A partir da metaficção pós-moderna o mundo ficcional e o modo construtivo e criativo da linguagem passaram a ser conscientemente compartilhados pelo autor e seu co-autor (o leitor), no mesmo momento e da mesma forma. Costa compartilha com seus leitores suas pretensões a respeito de Alma-de-Gato (2008, p.81):


Até onde eu posso perceber, alma-de-gato é ou deverá ser um romance que encontra sua própria forma e estrutura, com suas, no plural, linguagens diferentes. É como se ele fosse "novo", como se estivesse inventando o romance, o próprio gênero romance.


Na metaficção o leitor é levado a perceber todo o processo de construção ficcional. Passa a reconhecer também que o texto é de sua co-autoria. Através dessa percepção, sua relação consciente com o texto se define, "apesar de livre para interpretar, o leitor é responsável por sua interpretação". (Hutcheon, 1984, p. 24)
O autor contemporâneo faz uso ainda da metaficção para apresentar a importância do texto literário, utilizando esta técnica narrativa o autor não só expõe a construção da obra, mas também sua importância. Segundo escritores e críticos literários o romance faz parte da vida, representa a vida, daí o escritor pós-moderno representar em seus textos a sociedade de sua época e imprimir no texto o modo pelo qual ele vê esse mundo.
Em Alma-de-Gato (2008, p. 31) o autor expressa a forma como ele entende a importância do romance:

Um romance são muitas vidas, ou representações de vida ? não cópia ou retrato. Por isso quando abrimos um romance, vamos começar a lê-lo, temos a impressão de que um mundo vai se revelar a nós. É uma maneira de adquirirmos outras vivências que não a nossa; são outras vidas que se acrescentam a nós. Só, única e linear, a já (des) conhecida vida. Astro com luz própria, o romance sempre reflete e acrescenta: existe, independente de nós.


Ele aceita que o romance seja a representação da vida, mas não uma cópia ou retrato da mesma, o romance traz em si um quê de vida própria.
É com base neste aspecto que Hutcheon (1984, p.20) defende o novo fazer literário:


A ficção pós-moderna ? ambígua e de final aberto ?, pode sugerir não uma insegurança ou uma divergência entre a necessidade de ordem e a situação real do homem num mundo caótico, mas certa habilidade da arte em produzir uma ordem real mesmo que por analogia, através do processo da construção ficcional.


Em suma temos a partir da narrativa pós-moderna, segundo Hutcheon o que temos não é uma literatura caótica, e sim, a representação da sociedade desordenada na qual vivemos. O romance realista, de enredo bem elaborado, imprimia ao leitor uma sensação de completude e, por analogia, sugeria que a ação humana seria completa e significativa ou que apenas a arte poderia trazer alguma ordem ou significado à vida. A narrativa pós-modernista vem de encontro a essas características sendo, como vimos no capítulo anterior, representativa do ser humano com suas fragilidades e inconstâncias.
É através do romance que desvendamos mundos novos, afastados dos nossos, despertando assim a curiosidade e o desejo de conhecer mundos literais, fora da ficção.
A metaficção expõe a construção dos textos. Na obra em estudo, Costa nos coloca a par dos rumos que o romance irá tomar, ou como sua construção está acontecendo, ou seja, ele leva este novo modo de escrever ao extremo, englobando todas as características da metaficção. Vejamos como ele expõe a construção da obra. Alma-de-Gato (2003, p. 77):


Estou espantado com o quanto tenho escrito, como este diário inchou, se espichou, cresceu. Será que tenho tanta coisa assim a dizer? Comecei como quem não quer nada, devagar e sem planos ou projetos, e eis que estou na página 266 desta agenda, o que deve resultar em algumas dezenas de páginas.


A minúcia de detalhes neste trecho, o autor-narrador vai nos dizendo como começou a escrever e mostra-se impressionado com o quanto tem escrito, deixando-nos a par inclusive do número de páginas preenchidas de sua agenda-diário. Esta é mais uma peculiaridade narrativa da metaficção, a riqueza de pormenores na exposição da construção do texto.

Como podemos ver a metaficção transborda nos textos atuais, inovando assim o fazer literário, que tem nesta técnica a oportunidade de expor a gênese criadora das obras literárias.
3.3 A intertextualidade em Alma-de-Gato.


Neste tópico buscamos expor a intertextualidade presente na obra em estudo. A intertextualidade é, pode-se dizer uma realidade nas narrativas da pós-modernidade. A reescrita de textos já produzidos com nova roupagem, citações, menções e releitura do próprio autor são algumas das possibilidades da intertextualidade.
A intertextualidade é uma característica marcante da literatura pós-moderna. Segundo Coutinho (2003, p. 239-240):


Agora, o que predomina é a narrativa metalingüística (que, aliás, nunca deixou de estar bem presente desde Guimarães Rosa ? haja vista autores como Autran Dourado, Osman Lins e Nélida Piñon), marcada por ampla intertextualidade e acentuada fragmentação, com grande dose de pastiche, tintas hiper-realistas e presença expressiva da mídia extra literária.
A comunicação entre textos nas narrativas contemporâneas é uma constante. Conforme Ceia (2005, p.1) "na constituição da palavra, intertextualidade significa relação entre textos". Ainda baseados em Ceia (2005), podemos perceber como as estruturas narrativas quando se valem da intertextualidade não são cópias e, sim, recriação, sendo texto que retoma texto, ou filmes que dialogam com filmes, romances que se aproximam de músicas entre outros.
Alma-de-Gato (2008) apresenta forte intertextualidade, sendo que esta se apresenta de diversas formas. Costa se utiliza da mesma para por exemplo dar nome aos personagens, vejamos Alma-de-Gato (2008, p.35) "Ontem Franzkafka me ligou aí pelas nove da noite, se eu não queria ir a uma festa com ele". Com muita certeza do que está fazendo, o autor coloca em cena o nome do grande escritor Franzkafka como Franzkafka dos Santos sendo figurante e em outros momentos narrador-assistente. No trecho citado ele aparece como figurante, um amigo, companheiro de festas. Agora vejamos nos trechos que seguem. Alma-de-Gato (2008, p.201 e 259): "Fim de semana com Alice, fora algumas horas de ontem que passei com Franzkafka, revendo o roteiro". "O objeto da citação que se vai ler foi foco de muita discussão entre o narrador e seu assistente. Achava Franzkafka dos Santos que o trecho em questão deveria ser registrado no original...". Neste trecho ele aparece como narrador-assistente.
Porém a intertextualidade não para por aí, Costa faz citações de vários autores criando e recriando textos, além da comunicação que há entre os textos dele mesmo. Ceia (2005, p.1) diz que "a literatura vale-se amplamente do recurso intertextual, consciente ou inconscientemente". Em Alma-de-Gato os recursos intertextuais são extremamente conscientes e necessários à construção da obra. Conforme Kristeva, 1974 (apud Ceia 2005, p. 1) "todo texto se constrói como mosaico de citações, todo texto é absorção e transformação de um outro texto". Então Costa transforma, recria e cita textos para criar um outro texto. Sobre esta colcha de retalhos, em Alma-de-Gato (2008, p.347) temos uma lista que tem como título "Personagens e autores em cena", o que demonstra grande intertextualidade. Os autores em cena:

Lewis Carroll
Charles Schulz
Peanuts
Frank Capra
Gustave Flaubert
Boris Borges
Mário Livramento
Henri Michaux
além dos muitos outros autores citados...


Procuramos agora identificar as passagens que pertencem aos autores anteriormente citados. Alma-de-Gato (2005, p.301):


O próprio João do Silêncio escreveu, à mão num caderno, uma entrevista com o poeta Henri Michaux.
É uma pausa para pensar.
- Pensar não dói?
"O pensamento antes de ser uma obra é uma trajetória. Não tenha vergonha de precisar passar por lugares desagradáveis, indignos, aparentemente não feitos para você. Aquele que, para resguardar sua ?nobreza?, evita esses caminhos, sem saber viverá sempre com a impressão de ter ficado no meio do caminho".


Estas e outras passagens retratam a intertextualidade da obra, como a participação fictícia de Mário Livramento.
Alma-de-Gato (2008, p. 296):


Encomendamos um parecer a Mário Livramento, um jornalista investigativo, mas também ele próprio narrador hábil (e personagem, no caso, aqui emprestado de outro livro, Os mortos estão vivos) sobre este voo de alma-de-gato, sob o risco de ele ser compreendido cedo demais ou abatido tarde demais.
Em pleno voo.


Assim como Livramento e Michaux temos Boris Borges que é colocado como um suposto pseudônimo de João do Silêncio, segundo Ceia (2005, p. 2) "Referências, alusões, epígrafes, paráfrases, paródias ou pastiches são algumas das formas de intertextualidade, de que lançam mão os escritores em seu diálogo com a tradição".


Alma-de-Gato (2008, p.313):


Levantada a lebre__ de quem a experiência, de Boris Borges ou do próprio João do Silêncio?
Franzkafka dos Santos garante que Boris Borges existiu, seria pseudônimo de um amigo seu, de juventude, que morreu em conseqüência do uso excessivo de drogas.


Temos em Alma-de-Gato todos os tipos de intertextualidade que Costa magistralmente põe em cena. Como vimos em Ceia (2005) a intertextualidade pode aparecer também em forma de paródia. Sendo a paródia uma "imitação cômica de uma composição literária ou imitação burlesca". (DICIONÁRIO AURÉLIO, 2001, p. 516). Em Alma-de-Gato (2008, p. 284) o narrador apresenta uma paródia do poema "Vou me embora pra pasárgada" de Manuel Bandeira. Vejamos:


Mas essa filosofia já vai longe demais ? e eu preciso ir mais longe ainda, mais perto aqui na terra: vou para a Praia dos Anjos.
Lá sou amigo do mar, do sol, da simplicidade e de gente, de muito pouca gente; lá terei a mulher que quero na areia que escolherei.


Para Ceia (2005) o escritor pode também reler-se, utilizando-se de textos que ele mesmo escreveu o que resulta no que ele chama de "intratextualidade". Costa, por exemplo, utiliza vários trechos de suas obras, ele coloca da seguinte maneira (Alma-de-Gato, p. 23): "Li num livro chamado O Desastronauta que o autor ou narrador tinha uma caixa de palavras dentro do peito. Talvez devesse dizer, dentro da cabeça".
Esse jogo de inter e intratextualidade percorrem todo o livro, nas fragmentações, haja vista, o uso de textos atribuídos aos pseudônimos e heterônimos de Moreira da Costa. Vemos em Alma-de-Gato (2008, p. 34): "Ela se arrastava sozinha com esforço e temor, sua parte de larva que devia doer e fazê-la sofrer, porque afinal ser uma borboleta é uma explosão".
O autor faz um esplêndido trabalho neste Livro I Borboletas em Chamas (1), ele entremeia o texto com metaficção, discutindo o fazer literário e a importância do romance, bem como a representação do ser humano e da vida no mesmo; quando surpreende o leitor fazendo uma pausa no texto. Trabalhando a intratextualidade cita um texto do Pequeno tratado das paixões atribuído a João do Silêncio que seria um heterônimo do autor.
Nesta obra os aspectos da literatura contemporânea ou pós-moderna são muitos e evidentes. A criação literária vem ao encontro do novo, baseando-se no velho, no entanto isto é comum, pois Schneider (1990, p. 71) apud Ceia (2005, p. 3) diz: "Textos primeiros inexistem tanto quanto puras cópias; o apagar não é nunca tão acabado que não deixe vestígios, a invenção, nunca tão nova que não se apóie sobre o já escrito".
Para Schneider a originalidade inexiste, a intertextualidade está presente em todos os textos direta ou indiretamente já que todas as composições buscam apoio em textos já escritos ou mesmo na memória como nos afirma Ceia (op cit): "Tudo isso porque o leitor ativa sua biblioteca interna a cada texto lido, estabelecendo nexos relacionais entre o que lê e o que foi lido". Nada impede que o mesmo processo ocorra com o escritor, buscando em sua "biblioteca interna" os textos que já leu e estabelecendo a relação existente com o que ele pretende escrever.
Em Alma-de-Gato a intertextualidade é uma constante, temos um grande número de páginas que retratam este aspecto da literatura pós-modernista. A intertextualidade é trabalhada em toda a obra. Sendo impossível expô-la toda neste trabalho.